Paul Nothomb
Túnicas de Cego [PNTA] — JARDIM DO ÉDEN
(Gn 2,8) E
Deus plantou um jardim no Éden, no oriente, e aí pôs o
Homem que ele tinha concebido.
Este
Homem, o
texto o chama “haadam” e não mais “
adam” como quando
Deus não fazia senão o visualizá-lo no prólogo. Seu “
lugar” não é a “
adama” entrevista, mas o jardim que
Deus escolheu para ele para o proteger (em hebreu jardim GN pronunciado “gan” pertence à
raiz GNN significando “defender”) A este título tudo que se encontra no jardim, ou aí é introduzido, esta subtraído à “
adama“. A começar pelo
Homem depois no versículo 19 os animais. Mas somente o
Homem é
dito “destacado da
adama” por
natureza, “
pó destacado do solo“. Literalmente o jardim não tem solo, pertence a uma outra “
realidade” que a nossa, como veremos em seguida.
(excertos de Paul Nothomb, “RELATOS BÍBLICOS DA CRIAÇÃO” [PNRB])
“ÇA OU L’HISTOIRE DE LA POMME RACONTÉE AUX ADULTES” [PNHP]
Infinitamente mais conhecida — e
mal conhecida — a
frase que anuncia a saída voluntária do jardim e que, se ouso dizer, a acelera — “Tu és pós e o
pó retornarás”. Há progressividade neste “ao” (
el em hebreu no
sentido de “em direção ao”).
Deus que respeita a
liberdade de
Adão, o deixa partir mas o lembra previamente que foi concebido “
Pó” quer dizer “
Uno e múltiplo” e “indiscernível na
condição humana, e foi posto assim no jardim. É seu “
Lugar” que deve reencontrar um
Dia.
PAUL NOTHOMB —
TÚNICAS DE CEGO [PNTA]
OS GRAUS DA LIBERDADE
O mais antigo, o mais completo e o mais importante dos relatos que compõem a Bíblia das Origens, o relato dito do Jardim do Éden ignora o verbo “Criar”. O que explica talvez que o “compilador final” deste documento o tenha feito preceder no texto pelo relato mais recente RELATO DOS SEIS DIAS, como de um léxico para facilitar a leitura, notadamente no que concerne a natureza do Homem. O único termo comum entre estes dois relatos que tratam do mesmo evento fundador é com efeito o Homem.
Certamente o relato do Jardim do Éden vai mais longe e ainda mais profundo sobre o que o RELATO DOS SEIS DIAS denomina a Criação do Homem. Posto que junta o episódio da “Queda”, que nos ensina o que o Homem efetivamente “fez” da obra de Deus, a ele confiada, e de sua liberdade, com todas as consequências que dela sofremos na “condição humana”. Mas sobre o evento ou melhor o advento que fundou de uma vez por todas a natureza do Homem o RELATO DOS SEIS DIAS oferece a vantagem duvidosa de óculos que permitem melhor ver o que se poderia melhor ver sem, se pelo menos se pudesse evitar. Suas definições, suas precisões semânticas não têm a força sutil e imediata das alegorias “terrenas” do relato do Jardim do Éden, mas elas podem nos ajudar a “pô-las ao ponto”, a delas descobrir o sentido perdido para nossa mentalidade mais e mais citadina sem a bruma espessa da interpretação moralizante destes relatos, imposta desde milênios pela tradição tanto judia como cristã.
Esta tradução moralizante se acomoda muito bem na confusão das categorias, introduzida pela Septuaginta em todas as traduções de nossas bíblias, e que tentei dissipar no que concerne às noções de “fazer” e “Criar” no sentido bíblico, cuja distinção é tão importante para uma justa compreensão do RELATO DOS SEIS DIAS (vide Criação). Mas há uma outra confusão não menos grave que a Septuaginta operou — e que a Vulgata não tentou corrigir — traduzindo pela mesma palavra “gué” (“terra” em grego) dois termos hebreus que se opõem ao longo destes dois relatos e em particular neste do Jardim do Éden.
Os dois termos aparecem lado a lado desde as primeiras desde as primeiras frases do relato do Jardim do Éden, que foram redigidos de maneira excepcional em relação ao conjunto da Bíblia das Origens. Seu regime sintáxico não é nem narrativo nem acontecível, e os situa na esfera da reflexão que precede ao início da execução do projeto divino que vai se seguir. A terra é ainda árida, sem chuva, sem vida (equivalente do “tohu-bohu” do relato posterior dos Seis dias) e YHWH Deus parece hesitar uma última vez antes de se lançar na aventura muito arriscada que vai concluir no advento de um ser livre, que ele imagina já em obra.
De
Gen 2,4, todos os
verbos das proposições principais estão no “incompleto” e não precedidos do “WAW conversivo” habitual, o que não é o caso em lugar nenhum nas partes narrativas da
Bíblia das Origens.
Mas atenção este ser livre hipotético não é ainda o Homem!
E é como consequência “lógica” a temer de um tal ser hipotético (que não mais existirá) que surge subitamente na Bíblia das Origens o termo que a Septuaginta traduzirá por “gué” terra em grego) justo depois de três outros “gué” significando, eles, verdadeiramente a terra nas frases precedentes. A terra Criada por Deus, enquanto não é necessário ser hebraizante para compreender que a dita consequência a temer não pode ser. (A princípio a Bíblia das Origens não diz jamais que ela o é).
Ela não é e não pode ser porque a palavra que a designa indica suficientemente em hebreu de quem ela é a emanação, a produção, o fantasma. Ou de quem todavia (posto que se trata de uma hipótese) Deus pode temer que ela se torne o fantasma, se ele dá vida a seu autor que só faz imaginar. Esta palavra em hebreu é “adama”. Derivada direta de “adam”.
JARDIM DO ÉDEN
Ora, entre o “Mundo da Formação” celeste e nosso “Mundo do Fato” terrestre se situa o paraíso terrestre que, em seu aspecto primordial, é o Éden e a respeito do qual nos encontramos em um estado de queda, de inversão, de imperfeição. O paraíso terrestre está ligado ao céu; suas leis e suas condições de existência refletem tão perfeitamente quão possível aquela dos céus: é uma “terra celeste”. Nossa terra, ela, manifesta o céu de uma maneira fragmentada, deficiente, mesmo antinômica; ela parte de um caos primordial onde se concentram as trevas do “finito”, negador do Infinito: a ignorância, o mal, a morte. O Éden, portanto, é uma manifestação relativamente pura e perfeita da Imanência divina, dizemos “relativamente perfeita”, pois a Perfeição absoluta não pertence senão a Deus, e portanto a todo o que é totalmente idêntico a Ele.
Depois de ter descrito a gênese do “Homem do alto”, — gênese em Deus, em seguida no céu — passamos agora àquela do “homem de baixo”, nascido desta terra paradisíaca que está repleta e inundada da Divindade imanente até parecer se confundir com Ela. Tudo o que aí se encontra — abstração feita di mal virtual oculto no homem e na Árvore do Conhecimento do bem e do mal, assim como da “serpente” ou da vibração negativa montando do abismo caótico do “finito” para atualizar o mal, — é de natureza perfeita, natureza divina e deificante, celeste ou angélica . A hierarquia espiritual das criaturas aí está estabelecida — de acordo com o segundo capítulo bíblico — como por uma inversão, a respeito daquela que descreve o primeiro capítulo do Gênesis. Neste, o homem é o último criado, o mais afastado do caos, a síntese final de tudo o que o precede; no segundo capítulo consagrado ao Éden, ele é o primogênito da divina “Terra” ou Imanência, a síntese inicial das criaturas, logo — como nos mundos superiores — o mais alto posto sobre a escala espiritual dos seres criados.
Com efeito segundo a Bíblia não havia na esfera do Éden nenhuma criatura antes do homem, este ser meio-terrestre meio-celeste das duas naturezas humana e divina:
“Nenhum arbusto dos campos
(imagem simbólica dos anjos habitando os “campos” do paraíso celeste e terrestre)
ainda não estava sobre a terra
(ou Imanência divina que ainda não estava manifestada por seus “servidores”),
e nenhuma erva dos campos germinava ainda
(quer dizer que os anjos que não têm duração, mas aparecem e desparecem de pronto, e que são denominadas “erva dos campos”, não estavam também saídas da “Terra” ou Divindade imanente);
pois YHWH Elohim não tinha ainda feito chover sobre a terra,
(Deus, cuja Graça infinita, YHWH, sobressaía e eclipsava no Éden o Rigor cósmico, Elohim, aí não estava ainda passado ao ato formador),
e não havia homem nenhum (Adam) para cultivar a terra
(“Adamah, a “terra do homem”, seu corpo, todo seu ser, enquanto é unido a “Erets”, termo empregado acima pela Escritura para designar a “Terra” ou Imanência divina; esta frase significa que a Divindade ainda não estava personificada no homem para ser “cultivada” por ele, quer dizer para se afirmar e se atualizar Ela mesma nele e por ele).
E (é então que) um vapor se elevou da terra
(divina, “Erets”; Deus começou a se revelar por uma primeira emanação espiritual e supra-formal de sua Imanência, veiculada por uma manifestação homogênea de “Avira ilaah, o “Éter do alto”, e este “vapor” luminoso ou vibração espiritual e universal da Imanência se elevou então — como uma oração ou a fumaça de um holocausto — para a Transcendência divina),
e ela regou (em seguida) toda a superfície da terra
(humana, “Adamah”: ela redesceu da “Face” transcendente de Deus, para “regar” ou atualizar todas as possibilidades manifestáveis de sua “Face” imanente, sob sua forma primordial da “terra” paradisíaca e adâmica).
E YHWH Elohim
(depois de ter atualizado Adam Qadmon, o “Homem–Princípio”, no “Mundo da Emanação” transcendente, e o ter manifestado em modo puramente espiritual o “Mundo da Criação” prototípico de sua Imanência)
formou
(no “Mundo da Formação” celeste, depois sobre a “terra celeste” ou edênica que dela é o prolongamento inferior e paradisíaco) o homem (Adam terrestre)
do pó da terra
(Adamah, este pó sendo a substância pura, etérea e incorruptível do corpo primordial do homem e de tudo que existe no Éden),
e Ele soprou em suas narinas
(na receptividade perfeita de sua substância etérea)
um sopro de vida
(nishmath hayim, o Espírito de Deus vivente ou imanente);
e o homem se tornou um ser vivente
(nephesh haya, uma “alma ou “pessoa vivente”: uma personificação de Deus, de sua Essência, de seu Espírito e da “materia prima” ou do “((éter do alto”).
E YHWH Elohim plantou um jardim no Éden, do lado do Oriente, e aí pôs o homem que tinha formado
(Ele atualizou no Éden, quer dizer no entro divino do cosmo e ao redor do homem que dele era o ser central, um “jardim” um estado cósmico correspondente a este ser axial criado “a sua imagem e a sua semelhança”, era preenchido da Luz primordial emanando de seu “Lado direito”, aquele de sua Graça infinita, denominado o “lado do Oriente”; é aí que situou o homem como seu representante, ao redor do qual gravitavam todas as outras criaturas, a começar pelos anjos que segundo a tradição judia, o “cercavam e o honoravam”).