Adam

Paul Nothomb

Assim YHWH renuncia a fazer mais que imaginar este “adam”. O texto deixa a esfera da reflexão e encontra sua sintaxe normal para nos ensinar isto que já sabemos pela leitura do relato anterior (que sendo mais recente é de fato a confirmação em termos mais “modernos” deste). Passando ao ato e do indeterminado ao determinado, Deus não “deixa fazer” o estado livre que projeta pela simples dinâmica de sua Criação como o fez efetivamente para os animais terrestres, e visando, parece, fazê-lo também a um nível superior para este “adam”, mas Cria o Homem.

Isto é dito “claramente” no RELATO DOS SEIS DIAS onde o verbo empregado é “fazer” quando Deus se questiona sobre a oportunidade deste “adam” (Gen 1,26) e “Criar” quando se decide pelo “haadam” (o Homem) (Gen 1,27).

Estes salto qualitativo é expresso, é verdade, no relato mais antigo do Jardim do Éden por um outro verbo que “Criar”, mas é o Homem que dele é o mesmo complemento de objeto. E para o “compilador final” dos dois relatos, reunidos por ele na cabeça da Bíblia das Origens, os dois textos paralelos sobre o mesmo evento não podem se contradizer. É portanto não somente aconselhado mas indispensável compará-los ponto por ponto, para compreender o que nos é por vezes feito obscuro pela falta da tradição na língua no entanto mais universal que aquele, não citadino e logo não bucólico mas mais profundamente inteligente e mais imediatamente evocador, do relato do Jardim do Éden.

Assim a tradição se obstina a fazer crer que o verbo Y(TS)R (pronunciado “yatsar”) que serve de sinônimo a “Criar” (mesmo se não tem sua especificidade) no relato do Éden é inseparável do gesto do artesão, de onde o completo contrassenso do “Deusartesão modelando)) o esboço humano”.

Ora as duas outras atestações da raiz Y(TS)R na Bíblia das Origens (Gn 6,5 e 8,21) confirmam que antes de remeter a algum trabalho manual, mesmo simbólico, ela conota uma obra do espírito ou da imaginação. A tradução mais apropriada de Y(TS)R em Gen 2,7 é portanto “conceber”. (Paul Nothomb)

Nicolas Boon

Nicolas Boon: “AU COEUR DE L’ÉCRITURE : MÉDITATIONS D’UN PRÊTRE CATHOLIQUE” [NBCE]

No início do Gênesis encontramos duas palavras que traduzimos indistintamente por terra: H ARZ (ha aretz) e H ADMH (ha adamah). No primeiro capítulo do Gênesis e no início do segundo, aretz significa as virtualidades daqui em Baixo, se opondo às virtualidades do Alto indicadas pela palavra H SchMIM (ha schamaïm = céu). Esta palavra aretz é empregada enquanto não se trata do homem cultivador; é assim que lemos: “Tetragrama deus não fez chover sobre a terra (aretz) e homem não havia para cultivar a terra (adamah)”, (Gen. II, 5). No verso 6 lemos: “uma exalação se elevou da terra (aretz) e umidificou toda a superfície do solo (adamah)”. De fato muitos traduzem adamah por solo, para distingui-lo de terra (aretz). Não se deve no entanto confundir adamah com o solo sobre o qual nos movemos realmente. Do mesmo modo que os Céus que falam as Escrituras no Gênesis não devem ser confundidos com o céu tal qual podemos contemplar agora. Na palavra adamah está oculta a palavra dam, no plural demoth que quer dizer semelhança; dam que quer dizer também sangue.
Esta noção de semelhança nos convida a nos referir ao Zohar onde lemos (Zohar III, 348, 35a, Pauly V, p.91): “Uma tradição nos ensina que tudo era formado de terra e que esta terra era tomada sob o trono glorioso e sagrado. No Livro de Rabi Yesa o Velho, é dito que a terra foi tomada ao santuário que é uma terra do Alto”. Ainda é dito no Zohar, a respeito de Adão: “E acima do trono se vê como a imagem de um homem (Adão).” (Ezequiel I, 26). “Deus designou sob o nome de Adão (a imagem de um homem) porque sob esta forma, ele constitui a síntese e a perfeição de toda coisa” (Zohar, Pauly V, p. 133).

Adin Steinsaltz

Uma das definições do nomeHomem” ou “Adão” é parecida (domeh) ao Supremo. Porque, como Deus, o homem cria os mundos à sua própria imagem. Sua forma física, na montagem de suas diversas partes, também constitui um sistema que é um tipo de modelo da rede interna de todos os mundos. A estrutura do homem é um paradigma da estrutura dos mundos; é a chave para a ordem das mitzvot; e também é a configuração que simboliza o sistema de relações entre os mundos. Todos os órgãos do mundo correspondem a essências superiores em outros mundos. A estrutura geral do corpo humano é homóloga à ordem das dez Sefirot, sendo que cada parte do corpo de um homem é como uma determinada Sefirah.

Roberto Pla

Evangelho de Tomé – Logion 18

O “primeiro homem”, Adão, na expressão do apóstolo, equivale a dizer: os homens segundo nascem, isto é, os “adãos plasmados de barro e sopro, o qual, o sopro, é imputado como alma individual com a qual cada Adão se identifica. Enquanto o barro é o corpo do qual a alma se nutre e do qual se serve para conhecer o mundo visível (vide Antonio Orbe, ANTROPOLOGIA DE SÃO IRINEU)

Estes “adãos de alma vivente” são os “primeiros” segundo a sentença, posto que assim vem o homem ao mundo. É a eles que a Boa Nova, trazida como instrumento de salvação, doutrina para explicá-los que, no centro de si mesmos, desconhecido por quase todos eles, há um hóspede sagrado de raça divina, um espírito do qual a alma e o corpo, cada um em seu âmbito natural, são seu santuários. Em verdade, este hóspede radiante é um raio de luz de Deus, um Filho do Pai que comparte com ele em herança sua porção de sabedoria e de Vida eterna. Como sua natureza é expansiva, centrífuga, o espírito transmite sem cessar ao sopro que é a alma as qualidades que o são inerentes de inteligência e de Vida. Não é que a alma tome posse destes dois poderes senão que os goza em empréstimo graças a sua proximidade ao Filho. Esta distinção sutilmente informa o apóstolo quando diz que o primeiro homem é “alma vivente”, e o último, “espírito que dá vida”.

Frithjof Schuon

O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA

Segundo uma teoria de Ibn Arabi, Adão e Maomé se correspondem no sentido de que um e outro manifestam a síntese — inicial no primeiro caso e terminal no segundo —, ao passo que Seth e Jesus se correspondem no sentido de que o primeiro manifesta a exteriorização dos dons divinos, e o segundo, sua interiorização por volta do fim do ciclo. Apresentamos aqui o sentido, não as palavras dessa doutrina. Poder-se-ia igualmente dizer que Seth manifesta o tashbih, a “semelhança” ou a “analogia“, portanto, o simbolismo, a participação do humano no divino e que, inversamente, Jesus manifesta a “abstração“; portanto, a tendência para um puro “além”, pois o reino de Cristo não é deste mundo. Adão e Maomé manifestam, então, o equilíbrio entre o tashbih e o Tanzih, Adão a priori e Maomé a posteriori. Seth, o revelador dos ofícios e das artes, ilumina o véu da existência terrestre; Cristo rasga o véu obscuro; o Islamismo, como Religião primordial, combina as duas atitudes.