corpo

soma

O conceito de corpo foi tratado de diversos pontos de vista, mas, na maior parte dos casos, referiram-se ao que aparece como um modo da extensão. Para Aristóteles, o corpo é uma realidade delimitada por uma superfície; o corpo tem, pois, efetivamente extensão: é um espaço e, na medida em que for algo, uma substância. As discussões em torno da noção de corpo, na antiguidade, referiram-se quase sempre à penetração ou não penetração do corpo por uma forma: enquanto Aristóteles se inclina a supor que há inevitavelmente em toda a corporidade uma formação, algumas correntes platônicas e pitagóricas tendem, em contrapartida, a considerar o corpo como o sepulcro da alma e, por conseguinte, a alma não está nele como um elemento informador, mas como um prisioneiro. A possível inteligibilidade ou espiritualidade do corpo acentua-se além disso, dentro do cristianismo.

Na época moderna, trataram-se os problemas do corpo quando se tratou das questões relativas à matéria como objeto da ciência física e à extensão como problema simultaneamente físico e metafísico. Para Descartes, o corpo é, em última análise, espaço cheio (pois não existe o vazio) é coisa extensa que se carateriza pela simultaneidade do movimento das suas partes. A caraterística geometrização das propriedades corporais mantém-se também em Espinosa. O corpo é, para ele, uma quantidade de três dimensões que toma uma figura, isto é, um modo da extensão.

Leibniz, em contrapartida, concebe o corpo físico como um conjunto ou soma de mónadas, donde o corpo físico é a manifestação do corpo inteligível. O dinamismo e a teoria do ímpeto que reside no interior do corpo pode conduzir quer a uma renovação da doutrina do corpo inteligível, quer à suposição de que o próprio corpo possui um poder ativo, uma faculdade, uma força. Kant separou, em contrapartida, o corpo em fenomênico e dinâmico. O desenvolvimento das suas ideias levou-o a um primado não explicitamente declarado do corpo enquanto dinâmico-inteligível sobre o corpo como pura extensão fenomênica. Desde então, a concepção do corpo depende da maior ou menor importância dada ao aspecto interno do real. Enquanto nas tendências que tentaram reduzir toda a realidade ao exterior se se concebeu o corpo como pura extensão mecânica ou como algo que possui por si mesmo uma força ou potência ativa, nas tendências que reconheceram a existência de uma realidade interior e até supuseram que tal realidade era a primeira, o corpo apareceu como uma resistência oposta à vontade do seu íntimo. As questões relativas à natureza do corpo voltaram a levantar, portanto, todos os problemas relativos à natureza da matéria e do espaço e, assim, à natureza em última análise metafísica do real. Isso aconteceu em várias tendências recentes da filosofia que se ocuparam muito em particular do problema do corpo sob a influência da fenomenologia de Husserl. Jean-Paul Sartre elaborou uma minuciosa fenomenologia do corpo enquanto “o que o meu corpo é para mim” contrariamente à objetividade e à alterabilidade, em princípio, de qualquer corpo como tal. O corpo aparece sob três dimensões ontológicas, na primeira, trata-se de “um corpo para mim”, de uma forma de ser que permite enunciar “eu existo o meu corpo”. Na segunda dimensão, o corpo é para outro (ou então o outro é para o meu corpo); trata-se, então, de uma corporeidade radicalmente diferente da do meu corpo ou para mim. Neste caso, pode dizer-se que “o meu corpo é utilizado e conhecido por outro”. “mas enquanto eu sou para outro, o outro revela-se-me como um sujeito para o qual sou objeto. Então eu existo para mim como conhecido pelo outro, em particular na sua própria fatuidade. Eu existo para mim como conhecido por outro sob forma de corpo”. É essa a terceira dimensão ontológica do corpo dentro da fenomenologia ontológica do ser para outro e da existência dessa alteridade. [FERRATER]


(I) Recebem o nome de corpos as coisas que nos rodeiam e são perceptíveis sensorialmente. Características comuns de todos os corpos são a extensão (quantidade) e a ocupação de um espaço limitado. Enquanto a extensão condiciona a extraposição das partes de um corpo entre si, a impenetrabilidade refere-se à exclusão de outros corpos, do espaço ocupado pelo primeiro; baseia-se ela em forças repelentes. A compenetração-de corpos significaria que vários corpos ocupam o mesmo espaço. Naturalmente ela não é possível, embora não implique contradição interna. Não se dá compenetração (do ponto de vista filosófico) na solução, que contém, num meio líquido solúvel,, uma matéria finamente diluída, como nem na mistura de corpos gaseiformes,

A questão da existência de um mundo corpóreo independente da consciência é posta na epistemologia (teoria do conhecimento). Tal existência é afirmada pelo realismo e negada pelo idealismo e pelo fenômeno lismo. A questão da essência do ente corpóreo é uma das questões basilares da filosofia natural. Antes de mais nada, compete a esta elucidar se a aparência sensível, mais concretamente, a extensão e a impenetrabilidade, coincidem ou não com a essência do corpo. Segundo Descartes, a essência do corpo consiste na própria extensão. Segundo a concepção escolástica, à essência do corpo pertence unicamente a ordenação insuprimível do corpo para a extensão e impenetrabilidade real, não a extensão e a impenetrabilidade atuais.

Ulteriores questões sobre a essência do corpo dizem respeito à relação de suas partes entre si e com o todo (divisibilidade): provém o corpo da composição de dadas partes ulteriormente indivisíveis (assim se exprime o atomismo), ou existe o todo anteriormente às partes, sendo estas, por seu turno, susceptíveis de divisão ilimitada? Estão as partes separadamente no espaço, em virtude de sua mesma essência, ou só por influxo dinâmico recíproco ( dinamismo) ? — Tanto a multiplicidadeunidade que se manifesta na divisibilidade do corpo, como o problema da mutabilidade (mudança) conduzem à questão mais profunda, de saber se a essência do ente corpóreo deriva de um ou de vários princípios fundamentais. A última hipótese é admitida pelo hilemorfismo, na doutrina da composição essencial de matéria prima e forma substancial.

Problemas peculiares sobre a essência dos corpos provêm do que a moderna ciência natural ensina acerca dos mesmos. A totalidade do mundo corpóreo é construída com 92 substâncias fundamentais, às quais na química se dá o nome de elementos. Filosoficamente falando, um elemento é uma substância fundamental que não pode ser decomposta em substâncias qualitativamente diversas. Ignoramos se, tomando a palavra neste sentido, já penetramos até aos elementos do ente corpóreo. Os elementos químicos mostram em suas propriedades múltiplas relações que facultam uma ordenação sistemática dos mesmos no chamado sistema periódico. As partes últimas em que um elemento pode ser dividido, sem prejuízo de sua essência, denominam-se átomos ( atomismo). As substâncias quimicamente compostas originam-se dos elementos, mediante a reunião de vários deles numa combinação química. O material básico de uma combinação é a molécula, para a constituição da qual vários átomos, mediante forças químicas, se congregam. Em oposição à combinação, um agregado é uma reunião menos coerente de vários corpos, sem que dela resulte uma nova substância unitária, — Surge agora, aqui, a questão da diversidade dos corpos, a qual pode ser numérico e específica. A variedade numérica diz que existe uma pluralidade de corpos e que o universo inteiro não constitui, um só corpo, como o monismo ensina. Deve admitir-se uma variedade específica (em sentido científico-natural) entre as diversas substância» químicas, sejam elas elementos ou combinações. Tanto os elementos quanto as combinações são, em última instância, constituídos peles mesmas partículas elementares: protões, neutrões e eletrões, dispostos de maneira diferente, variando apenas acidentalmente, de sorte a constituírem ura todo; mesmo assim, dão origem a substâncias que com razão se podem qualificar de especificamente distintas. Pelo contrário, a diferença entre corpos animados e inanimados é essencial, a ponto de não poder ser desfeita por nenhuma mudança acidental (vitalismo). Problema ulterior posto pela ciência natural é o da relação (identidade ou diversidade) entre massa e energia.

Enquanto a ciência e a filosofia da. natureza consideram corpos que se encontram nesta como coisas reais, a matemática trata de corpos como formas abstratas. Assim, o corpo geométrico abstrai de todas as propriedades corpóreas, com excepção da extensão tridimensional ou pluri-dimensional. Por corpo algébrico entende-se um conjunto, cujos elementos formam um todo clauso, de sorte que toda combinação de vários elementos, mediante operações racionais de cálculo, produz um elemento que, por sua vez, pertence ao mesmo conjunto, p. ex,, o conjunto dos números racionais.

(II). Entende-se também por corpo o componente somático animado do homem e do animal. Como corpo (Corpo I) ou ente corpóreo, é uma partícula do cosmos material; enquanto “animado”, mostra a subordinação das leis dos processos meramente físico-químicos às leis da vida orgânica. — O corpo humano desempenha, relativamente à alma do homem, o múltiplo papel de base, de campo de expressão e de objeto especial de sua vivência. Base: a atividade total da vida sensitiva está tão intimamente ligada a processos somáticos que, juntamente com estes, constitui a “única” atividade vital animal e sem eles não pode existir. Indiretamente, pela união com a vida sensitiva, a vida intelectual depende também do corpo de muitas maneiras. Recordemos, de modo especial, só a importância do cérebro e dos nervos, da composição do sangue e das excreções internas (hormônios), bem como da hereditariedade para as vivências e atuação psíquicas. — “campo de expressão” (VIDE expressão): muitas vivências psíquicas não chegam a desenvolver-se integralmente, nem mesmo no íntimo da alma, se não lograrem traduzir-se em processo somático. O olhar, a fisionomia, a constituição, o porte, o movimento, as atividades orgânicas, manifestam, a cada passo, a peculiaridade e o ritmo da vivência psíquica. O contato social de alma para alma realiza-se pela via da ação somática (Linguagem). Unido à alma, o corpo constitui o mais elevado e importante “objeto”material de “vivência” daquela, estimulando ou retardando a vida psíquica.

Por sua união com a alma espiritual e pela importância que tem para esta, o corpo humano adquire especial dignidade, da qual o homem incorrupto tem também espontaneamente consciência em sua repugnância natural ao envilecimento do corpo (pudor). O homem contrai, a respeito de seu corpo, uma responsabilidade moral, que lhe impõe a obrigação de velar por ele por meio da alimentação, de cuidados e de exercício. De modo peculiar, assiste-lhe o dever de aspirar a uma reta disposição e subordinação das forças corporais. Para isso, requerem-se, entre outras coisas, a temperança (Virtudes cardeais) e a castidade (ordenação racional da vida sexual, o abuso da qual é a desonestidade ou lascívia).

O homem não possui o direito de dispor da substância de seu corpo (Suicídio). Uma das mais importantes tarefas da formação do homem integral é a de chegar a uma justa valorização do corpo, sem convertê-lo em ídolo, nem professar por ele um ódio maniqueu. — I. Junk — II. Willwoll. (Brugger)


O corpo é o veículo de uma partícula da Alma do Mundo caída neste plano horizontal de existência material, de acordo com a providência divina. A capacidade mental, sentimental e sensorial necessária para esta ex-sistência, para o aparente trânsito passageiro neste plano de existência, apoia-se em parte neste veículo. Entretanto, o corpo não é o que somos; é um instrumento da vida no meio que transita. O mim mesmo que a partir dele se constitui enquanto pseudo realidade do Eu Sou é um sonho, uma ilusão, um personagem em uma estória que cada um se conta. Segundo esta estória, tudo começa com a crença na separação, no pecado original, nas túnicas de pele que são de fato túnicas de cegos, de ignorância. O corpo é, nesta estória de queda, a garantia da validade desta crença na separação, e a afirmação do medo, da morte, da finitude. No entanto, a importância do corpo na estadia neste plano de existência está em ser um instrumento de comunicação, de comunhão, entre as partículas da Alma do Mundo, confinadas nesta aparente prisão do mundo. O valor real do corpo pode ser restaurado pelo Espírito Santo, pois nunca deixou de estarpresente. O justo propósito dado pelo Espírito Santo, na afirmação da Trindade através do ser humano é aquele capaz de orientar nossa apropriação do corpo na jornada de unificação da multiplicidade em unidade.


… O caráter crucial do problema posto pelo corpo — a substituição do corpo material por essa carne vivente que nós somos realmente e que nos cabe, hoje, redescobrir apesar do objetivismo reinante — é, de modo ao menos implícito para esses pensadores do cristianismo primitivo (de modo explícito em Irineu), tornar possível a Encarnação do Verbo, a única coisa que lhes importa e o fundamento da salvação cristã.

Ora, eis que para nós, fenomenólogos pós-husserlianos — isto é, não gregos –, a pressuposição cristã adquire uma significação decisiva. [372] Ela não nos ajuda somente a rejeitar a redução ruinosa e absurda de nosso corpo a um objeto — objeto oferecido à investigação científica antes de ser entregue à manipulação tecnicista e genética e, no limite, às práticas abertas pela ideologia nazista. Tampouco nos basta interpretar esse corpo-objeto como corpo subjetivo enquanto essa subjetividade é identificada com a intencionalidade — em última instância, com o “fora de si” do aparecer do mundo. O que temos a dizer é que a nova inteligibilidade que a elaboração da questão do corpo exige, na medida em que nosso corpo não é um corpo, mas uma carne, é totalmente estranha ao que entendemos, desde sempre, por inteligibilidade. É somente a percepção mundana de nosso corpo como corpo de carne (Leibkörper), a percepção de um corpo-objeto revestido da significação de não ser um corpo “côisico” comum, mas um corpo capaz de sentir, que decorre dessa inteligibilidade platônica da contemplação ou de seus substitutos modernos. Mais ainda: essa inteligibilidade nunca é senão derivada, pressupondo o todo diverso dela. Originariamente e em si, nossa carne real é arqui-inteligível, revelada em si nessa revelação de antes do mundo própria do Verbo de Vida de que fala João. (Michel Henry, MHE)


Ao desdobramento do agir entre o agir verdadeiro e o comportamento falacioso, corresponde o desdobramento do corpo. Por um lado o corpo na verdade do mundo, o que os homens tomam por corpo real e, para dizer a verdade, pelo único corpo real, aquele que se pode ver, com efeito, no mundo, o corpo visível, o corpo-objeto assimilável a todos os objetos do universo e que partilha a essência deste último, a de uma coisa extensa: res extensa. Por outro lado o corpo na Verdade da Vida, o corpo invisível, o corpo vivente. De modo que, segundo a definição fenomenológica da verdade como vida e como idêntica [338] à realidade, é o corpo invisível que é real, enquanto o corpo visível não passa de sua representação exterior.

Este novo paradoxo cristão pode ser estabelecido filosoficamente. Pois o corpo que é visto pressupõe um corpo que o veja, um poder de visão – que não pode exercer-se senão quando posto em posse de si, dado a ele mesmo na autodoação da Vida absoluta. Assim, há uma gênese transcendental do corpo real na vida, a qual, enquanto gênese transcendental do Eu Posso e assim de todo poder concebível, não é diferente do nascimento transcendental do ego. Com a concentração de toda forma de poder na vida e, mais ainda, com a identificação da geração deste poder com a autogeração da própria Vida absoluta, é globalmente o todo da realidade que se encontra reconduzido a seu lugar de origem, à própria vida invisível e a seu hiperpoder. Longe de o invisível designar o lugar vazio de um céu ilusório, é nele que se edifica todo poder concebível e, assim, toda efetividade tributária de um poder. É nele que toma literalmente corpo todo corpo concebível e toda forma de realidade. As objeções que censuram ao cristianismo sua fuga da realidade ignoram a essência desta. (Michel Henry MHSV)


HUMANO — CORPO

VIDE: soma; corpo humano; corpo do homem; corpo etéreo; corpo paradisíaco; corpo espiritual; corpo de fogo; corpo místico; corpo de cristo; corpo de glória; corpo de ressurreição; corpos sutis; corpo planetário; corpos superiores; corpo de barro; corpo kesdjan; veículo da alma; sombra; origem do corpo

O corpo é o veículo de uma partícula da Alma do Mundo caída neste plano horizontal de existência material, de acordo com a providência divina. A capacidade mental, sentimental e sensorial necessária para esta ex-sistência, para o aparente trânsito passageiro neste plano de existência, apoia-se em parte neste veículo. Entretanto, o corpo não é o que somos; é um instrumento da vida no meio que transita. O mim mesmo que a partir dele se constitui enquanto pseudo realidade do Eu Sou é um sonho, uma ilusão, um personagem em uma estória que cada um se conta. Segundo esta estória, tudo começa com a crença na separação, no pecado original, nas túnicas de pele que são de fato túnicas de cegos, de ignorância. O corpo é, nesta estória de queda, a garantia da validade desta crença na separação, e a afirmação do medo, da morte, da finitude. No entanto, a importância do corpo na estadia neste plano de existência está em ser um instrumento de comunicação, de comunhão, entre as partículas da Alma do Mundo, confinadas nesta aparente prisão do mundo. O valor real do corpo pode ser restaurado pelo Espírito Santo, pois nunca deixou de estar aí presente. O justo propósito dado pelo Espírito Santo, na afirmação da Trindade através do ser humano é aquele capaz de orientar nossa apropriação do corpo na jornada de unificação da multiplicidade em unidade.


Evangelho de Jesus: candeia do corpo; corpo do Cristo

Orígenes: realidade corporal

Agostinho de Hipona: corpo de Adão

Bossuet: corpo

Charbonneau-Lassay: corpo

Fénelon: homem corporal

René Guénon: envolturas do si mesmo; condições da existência corporal

Frithjof Schuon: Esoterismo como princípio e como via — corpo

Julius Evola: Ioga tântrico — corpo; corpo imortal

Ananda Coomaraswamy: corpo e olhos

Nisargadatta: corpo-mente

Henry Corbin: Corpo espiritual e Terra celeste

Taiji: corpo

Platão: corpo humano

Michel Henry: Encarnação — corpo

Peter Brown: Corpo e Sociedade — corpo

Maurice Nicoll: corpo psicológico