relação

A relação assume importância decisiva na estruturação do mundo. Em todos os tempos os homens deram-se conta da profunda unidade existente no universo, a despeito de sua multiformidade. Alguns por essa forma se deixaram encantar pela unidade, que a interpretaram como sendo a única realidade, reduzindo a multiplicidade a mera ilusão; assim p. ex., Parmênides. Contra semelhante interpretação, importa salvaguardar a realidade da multiplicidade, sem contudo menosprezar a unidade. Ambas as exigências são unidas no kosmos, que sobre si mesmo se move, dos gregos, cosmos que a Idade Média aperfeiçoa, inserindo-o na ordem (“ordo”) que se deve fundamentar em Deus. Por esta forma, o mundo é concebido como pluralidade de seres que, reciprocamente vinculados por diversas relações, constituem “um” todo; sem relação não haveria unidade de ordem. Com esta as relações radicam na unidade absoluta de Deus, a qual encerra, unificado, tudo o que, repartido, mercê da participação, constitui o edifício do mundo. Desta maneira, a unidade da criação, baseada na relação, reflete a unidade absoluta da Fonte originária.

Mais exata é a relação do comportar-se (latim: habitudo, maneira de se haver, de se comportar) de um ente relativamente a outro. Fala-se também de proporção, todavia geralmente apenas no domínio matemático ou em casos afins. Uma relação supõe o sujeitorelacional, o termorelacional e o fundamentorelacional; na relação de paternidade, o sujeito é o pai; o termo, o filho; e a geração, o fundamento. Há relações mútuas ou recíprocas e não-mútuas ou unilaterais; relações que, de ambos os lados, são da mesma espécie, e relações que são de espécie diferente (compare-se paternidade-filiação); relações, em que participam só dois elementos e relações em que participam vários elementos (p. ex., o conjunto de relações de um relógio). Além disso, as relações diferem entre si por sua profundidade e duração (p. ex., a realização de uma compra em oposição à união matrimonial); também resultam, em parte, da indigência (p. ex., na criança pequenina), em parte, da superabundante riqueza (p. ex., o que sucedia com Platão enquanto chefe da Academia).

Sumamente importante é a distinção entre relação transcendental ou essencial e relação predicamental (categorial) ou acidental. A primeira ultrapassa os limites de uma só categoria mas envolve-se a todas e entra também na constituição essencial de seu sujeito (p. ex., relação entre os princípios do ser (princípios do ser), relação da criatura relativamente a Deus, do peixe relativamente à água). A segunda acresce, como ulterior determinação, ao sujeito já completo em sua constituição essencial e é uma categoria própria do acidente (p. ex., a relação de dependência não essencial).

Além da relação real, até aqui considerada, existe a relação lógica (relatio rationis). Pertencem a esta classe certos aspectos que em si não são relações, mas que nosso pensamento considera como tais, porque, de contrário, não lograríamos concebê-los; tais relações são entes de razão com fundamento na realidade (p. ex., a relação entre o conceito de espécie e os indivíduos reais, a identidade de uma coisa consigo mesma por nós pensada como relação). A estas relações lógicas dedicam-se primariamente a lógica e a logística. — Lötz.


A relação é uma das categorias de Aristóteles, o qual define o relativo como a referência de uma coisa à outra, do dobro ao terço, do excesso ao defeito, do medido à medida, do conhecimento à consciência, do sensível à sensação. Há, assim, relações numéricas determinadas e indeterminadas, mas também relações não numéricas, relações segundo a potência (relação do ativo ao passivo) e também segundo a privação da potência (o impossível, o invisível, etc).

Os escolásticos desenvolveram a concepção aristotélica numa doutrina que, mantendo a acepção fundamental que tem a relação no dito filósofo, pretende abarcar todos os modos de relação. A relação é examinada antes de tudo na lógica como um predicamento e, nessa qualidade, é definida como a ordem de uma coisa relativamente a outra. A relação predicamental é, portanto, um acidente real relativamente referido a outra coisa, e requer a existência de um sujeito real e de um termo real diferente realmente do sujeito para que o ser da relação possa advir a modo de inserção entre os termos. Na ontologia examina-se a relação por meio de funções sensivelmente parecidas às da lógica, mas com um sentido muito menos formal. Quando a relação se afirma apenas da mente trata-se de uma relação lógica; quando se diz do real, trata-se de uma relação ontológica. Os escolásticos consideram a relação como qualquer coisa diferente de uma concepção arbitrária ou de um fenômeno real de índole meramente psicológica. Em contrapartida, o mesmo quando a relação continua a ser para Kant uma categoria, é-o em sentido diferente. As categorias da relação, deduzidas dos juízos assim chamados (categóricos, hipotéticos, disjuntivos), são respectivamente a substância e o acidente, a causalidade e a dependência, e a comunidade ou reciprocidade de ação entre o agente e o paciente. Já nestas definições ou concepções da relação pode advertir-se a implicação dos elementos lógicos, gnoseológicos e ontológicos, que é frequente em toda a investigação acerca das relações. A relação é estudada por Kant principalmente no seu aspecto gnoseológico, mas não exclusivamente. O empirismo radical, por seu lado, assinala que as relações que conecta m as experiências devem ser por sua vez relações experimentadas, de modo que qualquer espécie de relação experimentada deve ser considerada algo tão real como qualquer outro elemento do sistema. Assim, enquanto o empirismo tradicional deixa as coisas soltas, introduzindo como elementos de união operações como o hábito, o costume, a crença, etc, e o racionalismo une as coisas mediante ficções metafísicas (substância, eu, categorias no sentido transcendental, etc), e o empirismo radical une-as na própria unidade da coisa e da relação, pelo que conjunções e separações são fenômenos coordenados. Noutras direções, o pensamento contemporâneo tem- se estudado a relação sobretudo dentro da ontologia do objeto ideal. O exame da relação com o objeto ideal não esgota todos os problemas que a questão das relações na ontologia põe, visto que a relação se dá em todas as esferas dos objetos ou, pelo menos, tanto na esfera dos objetos ideais como na dos objetos reais. Esta presença da relação em ambas as ordens oferece já uma primeira grave dificuldade que conduz com frequência à confusão das instâncias reais com as ideias, redução do real ao ideal no racionalismo; redução do ideal ao real psíquico no empirismo psicológico, etc. se diz que a relação é um tema da ontologia do objeto ideal, isso não significa que tenha de excluir-se a referência das relações à realidade mas tão pouco equivale a uma confusão das relações tal como o racionalismo e o empirismo a praticam em sentido inverso. Um dos problemas mais debatidos no que se refere às relações tem sido o de se estas são, como se tem dito, relações externas ou relações externas. Quando se concebem as relações como relações externas, supõe-se que as coisas relacionadas ou relacionáveis possuem uma realidade independente das suas relações. As relações não afetam, portanto, fundamentalmente, as coisas relacionadas ou relacionáveis. Quando se concebem as relações como relações internas, em contrapartida, supõe-se que as coisas relacionadas ou relacionáveis não são independentes das suas relações; portanto, as relações são internas às próprias coisas. Assim, por exemplo, na teoria das relações externas as coisas são ontologicamente prévias às relações, as quais se sobrepõem às coisas, ordenando-as de certos modos. Na teoria das relações internas, em compensação, nenhuma coisa é prévia às suas relações, pois as relações constituem justamente a coisa.

Na lógica não simbólica, a relação refere-se ao caráter condicionado ou incondicionado dos enunciados (juízos ou proposições). Quando o enunciado é incondicionado, temos as proposições categóricas, quando é condicionado, temos as proposições hipotéticas e disjuntiva.. Na classificação tradicional da proposição, as proposições categóricas são um tipo das proposições simples. As hipotéticas e disjuntivas são um tipo das proposições manifestamente compostas. Exemplo de proposições categóricas “se Antônio lê, aprenderá muito”; exemplo de proposição disjuntiva é: “Susana passa as férias na Grécia ou na Turquia”. Na lógica simbólica, o problema das relações tem sido tratado de forma mais complexa, o que quer dizer, neste caso, mais rica e subtil. As relações exprimem-se por meio de esquemas de quantificação. E assim como há uma álgebra de classes, há uma álgebra de relações.. Entre as operações fundamentais desta álgebra figuram a inclusão, a identidade, a suma (lógica), o produto (lógico) e a noção de complemento. (Ferrater)


Com toda evidência, as coisas criadas, na sua multidão, entretêm entre si todo um mundo de relações, igualdade, similitude, causalidade etc., que as referem umas às outras de modo bem diverso. Não nos ocuparemos do que se chama de relações transcendentais (ou secundum dici). Entende-se com isto a ordem segundo a qual uma coisa, na sua própria natureza, se refere a uma outra: por exemplo, a da vontade ao bem, da inteligência ao ser, de um modo geral da potência ao ato. A relação transcendental não designa uma realidade distinta da essência mesma da coisa considerada, mas exprime esta essência enquanto referida; tal relação faz parte pois, da definição da essência. A relação predicamental (ou secundum esse), que será a única a ser tratada neste estudo, corresponde a uma realidade distinta do sujeito ao qual se reporta, que não é portanto incluída na sua definição e possui, por este fato, sua natureza própria (Cf. para este estudo: Aristóteles, Categorias, c. 5; Metaf., L. 5, c. 15).

Natureza da relação predicamental.

Define-se a relação predicamental como um acidente cuja realidade toda consiste em se referir a um outro:

Accidens cujus totum esse est ad aliud se habere.

A análise mais elementar manifesta que três elementos estão implicados em toda relação predicamental, a saber: um sujeito, o que possui a relação; um termo, aquilo para o qual tende a relação; um fundamento, o ponto de vista segundo o qual o sujeito é referido ao termo. Exemplo: tal homem (sujeito) é semelhante a tal outro homem (termo) por sua coloração branca (fundamento). O sujeito e o termo podem ser coletivamente designados como constituindo os dois termos da relação.

A natureza da relação predicamental levanta várias dificuldades. Uma tal relação, acabamos de dizer, é um modo de ser cuja realidade toda consiste em uma pura referência a um outro. Se é assim, como uma tal categoria pode ainda ter, em face do seu sujeito, um valor de acidente, uma vez que, por essência, é referência a um outro? É preciso responder que, mesmo tendo por natureza o ser ad aliud (o que é sua razão própria), a relação pertence também a um sujeito e é portanto um acidente: assim, a paternidade possui qualquer coisa de efetivo para um homem. Mais profundamente, é verdadeiramente necessário distinguir realmente a relação de seu fundamento? A paternidade é outra coisa que a ação de procriar? Para que serve superpor assim ao mundo das naturezas, que se referem já por si umas às outras, um universo de entidades puramente relacionais? Isto, porém, é necessário, pois o fato de se reportar a um outro constitui, com efeito, um modo de ser e, portanto, uma categoria original. Não se vê, por outro lado, o que é o signo de sua autonomia ontológica, que uma relação pode aparecer, ou desaparecer, sem que seu termo com isto seja modificado?

– Divisões das relações predicamentais.

A primeira distinção a ser feita é entre a relação de razão, cujo ser a relação de um sujeito e seu predicado, por exemplo – é somente de razão, e a relação predicamental. Só esta última designa um modo de ser real, independente de toda operação do espírito: por exemplo, a igualdade de dois triângulos. Para que uma relação seja real, é necessário que o sujeito e o termo sejam dois seres reais, distintos um do outro, capazes de serem ordenados um ao outro, e enfim que o fundamento da relação seja real.

Essencialmente, as relações predicamentais se distinguem segundo o seu fundamento. Se este significa uma dependência efetiva no ser, temos uma relação de causalidade; se significa apenas uma relação sem dependência real, tratamos então com toda a variedade das relações de simples conveniência(ou desconveniência): identidade e diversidade, fundadas na substância; igualdade e desigualdade, fundadas na quantidade; similitude e dissimilitude, fundadas na qualidade.

Acidentalmente, as relações se distinguem em mútuas, isto é, em relações reais implicando uma relação inversa, paternidade e filiação por exemplo, e não mútuas, isto é, em relações reais às quais não corresponde senão uma simples relação da razão, a ciência, por exemplo, que como “habitus”, se refere realmente ao seu objeto, ao passo que este não possui senão uma relação de razão no que diz respeito ao sujeito cognoscente. (Gardeil)


Com toda evidência, as coisas criadas, na sua multidão, entretêm entre si todo um mundo de relações, igualdade, similitude, causalidade etc., que as referem umas às outras de modo bem diverso. Não nos ocuparemos do que se chama de relações transcendentais (ou secundum dici). Entende-se com isto a ordem segundo a qual uma coisa, na sua própria natureza, se refere a uma outra: por exemplo, a da vontade ao bem, da inteligência ao ser, de um modo geral da potência ao ato. A relação transcendental não designa uma realidade distinta da essência mesma da coisa considerada, mas exprime esta essência enquanto referida; tal relação faz parte pois, da definição da essência. A relação predicamental (ou secundum esse), que será a única a ser tratada neste estudo, corresponde a uma realidade distinta do sujeito ao qual se reporta, que não é portanto incluída na sua definição e possui, por este fato, sua natureza própria (Cf. para este estudo: Aristóteles, Categorias, c. 5; Metaf., L. 5, c. 15).

Natureza da relação predicamental.

Define-se a relação predicamental como um acidente cuja realidade toda consiste em se referir a um outro:

Accidens cujus totum esse est ad aliud se habere.

A análise mais elementar manifesta que três elementos estão implicados em toda relação predicamental, a saber: um sujeito, o que possui a relação; um termo, aquilo para o qual tende a relação; um fundamento, o ponto de vista segundo o qual o sujeito é referido ao termo. Exemplo: tal homem (sujeito) é semelhante a tal outro homem (termo) por sua coloração branca (fundamento). O sujeito e o termo podem ser coletivamente designados como constituindo os dois termos da relação.

A natureza da relação predicamental levanta várias dificuldades. Uma tal relação, acabamos de dizer, é um modo de ser cuja realidade toda consiste em uma pura referência a um outro. Se é assim, como uma tal categoria pode ainda ter, em face do seu sujeito, um valor de acidente, uma vez que, por essência, é referência a um outro? É preciso responder que, mesmo tendo por natureza o ser ad aliud (o que é sua razão própria), a relação pertence também a um sujeito e é portanto um acidente: assim, a paternidade possui qualquer coisa de efetivo para um homem. Mais profundamente, é verdadeiramente necessário distinguir realmente a relação de seu fundamento? A paternidade é outra coisa que a ação de procriar? Para que serve superpor assim ao mundo das naturezas, que se referem já por si umas às outras, um universo de entidades puramente relacionais? Isto, porém, é necessário, pois o fato de se reportar a um outro constitui, com efeito, um modo de ser e, portanto, uma categoria original. Não se vê, por outro lado, o que é o signo de sua autonomia ontológica, que uma relação pode aparecer, ou desaparecer, sem que seu termo com isto seja modificado?

– Divisões das relações predicamentais.

A primeira distinção a ser feita é entre a relação de razão, cujo ser a relação de um sujeito e seu predicado, por exemplo – é somente de razão, e a relação predicamental. Só esta última designa um modo de ser real, independente de toda operação do espírito: por exemplo, a igualdade de dois triângulos. Para que uma relação seja real, é necessário que o sujeito e o termo sejam dois seres reais, distintos um do outro, capazes de serem ordenados um ao outro, e enfim que o fundamento da relação seja real.

Essencialmente, as relações predicamentais se distinguem segundo o seu fundamento. Se este significa uma dependência efetiva no ser, temos uma relação de causalidade; se significa apenas uma relação sem dependência real, tratamos então com toda a variedade das relações de simples conveniência(ou desconveniência): identidade e diversidade, fundadas na substância; igualdade e desigualdade, fundadas na quantidade; similitude e dissimilitude, fundadas na qualidade.

Acidentalmente, as relações se distinguem em mútuas, isto é, em relações reais implicando uma relação inversa, paternidade e filiação por exemplo, e não mútuas, isto é, em relações reais às quais não corresponde senão uma simples relação da razão, a ciência, por exemplo, que como “habitus”, se refere realmente ao seu objeto, ao passo que este não possui senão uma relação de razão no que diz respeito ao sujeito cognoscente. (Gardeil)