(gr. to pan; lat. universum; in. Universe; fr. Univers; al. Universum; it. Universo).
1. Um todo qualquer: p. ex., “universo do discurso”, “universo das estrelas fixas” ou “universo visível”.
2. O todo da natureza física, sem mencionar sua ordem. Este é o significado atribuído a esse termo por Aristóteles (Met., V, 26, 1024 a I) e pelos estoicos (Stobeo, ECL, I, 21, pp. 442 ss.).
3. O mesmo que mundo. Este uso prevalece entre os modernos (v. mundo; totalidade; todo). [Abbagnano]
Conjunto do que existe. — Na filosofia religiosa, o universo designa o conjunto da criação (o mundo e o homem). A noção evoca mais geralmente o mundo físico, objeto da ciência: o conjunto das relações entre os fenômenos, isto é, o conjunto das leis que estruturam o mundo; nesse sentido, a teoria da relatividade dá as leis do conhecimento do universo. A noção de mundo é menos vasta que a de universo; implica sempre numa certa especificação: mundo físico, biológico, moral ou humano (fala-se mesmo do “mundo” dos pássaros, do “mundo” dos peixes etc); o universo evoca a totalidade de todos esses mundos. (V. mundo.) [Larousse]
(lat. universum)
1. Em seu sentido geral, universo designa o conjunto de tudo o que existe no tempo e no espaço. O universo se distingue do mundo, pois pode haver vários mundos, ao passo que só há um universo. Nesse sentido, ele é ‘a totalidade fenomenal.
2. Universo do discurso: expressão introduzida pelos lógicos (fala-se também de “universo de referência ) para designar o conjunto ao qual se vincula, pelo pensamento, os objetos dos quais se fala ou que são pressupostos em um certo discurso. Ex.: “o universo da física”. A proposição “os cães, os ratos e os canários não falam” é verdadeira no universo do discurso da zoologia, mas falsa no da fábula ou da literatura infantil.
3. Universal é um adjetivo exprimindo a ideia de extensão completa de um conjunto. Mas há vários valores de “universal”: a) “que se estende a todo o universo”: a gravitação universal; b) “que se estende a todos os espíritos”: os princípios universais da razão; c) “que se estende a toda uma classe de objetos”: “todos os homens são mortais” é uma proposição universal. Ver universal/universais.
4. Na epistemologia histórica, considera-se que a ciência moderna, inaugurada no século XVII, notadamente por Galileu, destruiu a representação ordenada, finita e fechada do uni-verso como cosmo, imaginada pelo sistema aristotélico-ptolomaico, substituindo-a por uma nova concepção, qual seja, a de um universo aberto, infinito ou, pelo menos, indefinido. A astronomia copernicano-galileana destituiu de seu lugar dominante a concepção “cosmológica” dos antigos e inaugurou a concepção de um universo como o lugar de todos os fenômenos e o substrato de todas as experiências possíveis para o pensamento. Durante muito tempo se perguntou se o universo foi “criado” por alguma força exterior a ele ou imanente, ou se ele é “eterno”. Em todo caso, os “limites” do universo são inapreensíveis diretamente, pelo pensamento, no espaço e no tempo. A teoria da relatividade introduziu a representação de um universo ao mesmo tempo curvo e não–finito. [Japiassu]
O substantivo universo corresponde ao adjetivo universal que significa, etimologicamente, a unidade vertida ou distribuída na alteridade. O significado real da palavra não deixa de coincidir, em parte, com sua etimologia, pois as ideias de unidade e de alteridade, ou de multiplicidade, são essenciais, embora não a esgotem, à ideia de universo, que inclui, também, a noção de totalidade. A espécie humana, por exemplo, é um universal, como qualquer outra espécie animal, porque envolve as duas noções de unidade e de multiplicidade, mas não é um universo. Cada ser humano é, ao mesmo tempo, individual e específico, realizando simultaneamente a particularidade que o distingue dos demais indivíduos e a universalidade da espécie humana.
Os gêneros e as espécies constituem, assim, unidades múltiplas, ou multiplicidades unas, conceitos e realidades universais, mas não universos. Não ocorreria falar no universo das plantas ou dos pássaros, embora haja uma variedade infinita de plantas e de pássaros. Os gêneros e as espécies são, sem dúvida, totalidades, pois o gênero animal inclui, no seu conceito, a totalidade dos animais, assim como a espécie humana compreende, na sua noção, a totalidade dos homens. Não são universos, os gêneros e as espécies, embora sejam totalidades, porque são totalidades parciais, que não se bastam a si mesmas. A espécie humana, por exemplo, é uma totalidade parcial, que pressupõe uma totalidade mais ampla, o gênero animal em que se acha inclusa.
Assim como os gêneros e as espécies, o sistema também é uma totalidade parcial, que não pode ser chamado de universo porque implica, no seu conceito e na sua existência, outros sistemas, outras totalidades que o contém. O sistema respiratório, por exemplo, é uma totalidade, um conjunto de órgãos que se basta a si mesmo no exercício da função que lhe é própria, mas que pressupõe, enquanto totalidade, o corpo humano de que faz parte, e sem o qual não teria sentido ou razão de ser. Embora de natureza diferente, e mencionados apenas a título de exemplo, os gêneros e as espécies, assim como os sistemas, são totalidades, mas não universos, porque são totalidades parciais, inclusas em outras totalidades mais amplas. O próprio sistema solar, de que faz parte a terra, está longe de confundir-se com o universo, no qual não passa de um “ponto imperceptível”, como diz Henri Poincaré.
A ideia de universo inclui, assim, além das ideias de unidade, de multiplicidade e de totalidade, a noção de totalidade total, ou única, que inclui ou compreende todas as demais. Quando se fala em universos, no plural, comete-se uma impropriedade semântica, pois, a rigor, o universo é um só e, por isso, é uni-verso e não poli-verso. A ideia de universo entendido como totalidade total, como unidade englobando todo o existente, é a ideia suprema da razão, que não pode conceber vários universos heterogêneos, desarticulados e desconexos uns em relação aos outros. A rigor, a ideia de Universo, com maiúscula, se confunde com a noção de Absoluto, pois enquanto as totalidades parciais implicam, para ser concebidas e existir, totalidades mais amplas que as incluem, a totalidade total se basta a si mesma, de nada dependendo para ser o que é. A noção de Universo, ou de Absoluto, é, assim, a única ideia em que a razão humana pode repousar, a única em que encontra satisfação para sua exigência infinita de totalização e de unificação.
Essa é a exigência que se encontra na raiz do pensamento filosófico que, não se podendo satisfazer com as unificações parciais, operadas pelas ciências particulares, procura integrar a totalidade do existente em uma cosmovisão única e coerente, de amplitude universal. Englobante último, o conceito de universo não poderia conciliar-se com a ideia de um Deus que lhe fosse estranho ou exterior, hipótese em que deixaria de ser universo, pois deixaria de englobar ou incluir a totalidade do existente. Do ponto de vista da razão, a única noção de Deus compatível com a ideia de Universo ou de Absoluto, como compreenderam Spinoza e Hegel, seria a ideia de Deus interior e não exterior, imanente e não transcendente ao Universo, a ideia de Deus entendido como Razão do próprio Universo.
Evolução da ideia de Universo. A determinação do conceito atual do Universo implica a história do conceito que, a rigor, implica a história da religião, da filosofia e da ciência. A menos que se considere a situação atual da ciência e da filosofia como definitivas, suas posições, teorias e hipóteses, não passam de momentos de um processo, que consiste no desvelamento progressivo da realidade pela razão humana. Tal processo, que se confunde com o que se poderia chamar de história da razão, revela que a razão humana é social e histórica e que a realidade não se descobre de uma só vez, ao mesmo homem, mas aos poucos, e às diversas gerações que se sucedem ao longo do tempo.
Tal processo, sendo histórico, quer dizer, cumulativo e irreversível, não é arbitrário e desordenado, mas, ao contrário, consequente e racional, obedecendo a regularidades e a leis que o explicam e tornam inteligível. Com isso se quer dizer que a história da razão é ela própria racional. E a história da razão é racional porque é a história do homem, cuja característica essencial, ou específica, é a racionalidade. Em dois planos, ou em dois registros, se desenrola a história da razão, quer dizer, o trabalho, o esforço do homem pela coerência, pela unidade e pelo sentido. No plano da natureza, que o homem procura conhecer e dominar por meio das ciências naturais, da técnica e da indústria, e no plano da própria história, que o homem também procura dominar por meio das ciências chamadas humanas e das técnicas que lhes são correspondentes, como a política, a ética e a pedagogia. Nos dois planos, é a mesma luta que se trava, por meio da mesma arma, que é a razão. E tanto em um quanto em outro, o projeto é o mesmo, o de transformar a natureza, humanizando-a, e o de transformar o homem, fazendo-o coincidir com o ideal da humanidade, quer dizer, da racionalidade.
A história do conceito de Universo, inseparável da história da religião, da filosofia e da ciência, teria assim percorrido três etapas, que podem eventualmente coexistir no contexto de uma mesma cultura, embora em cada contexto uma delas deva prevalecer em relação às demais. A primeira etapa se caracteriza pela concepção religiosa, a segunda pela concepção metafísica e a terceira pela concepção científica do Universo. De acordo com a concepção religiosa, o mundo além de ter sido criado por Deus ou pelos deuses, é por eles governado, à revelia do homem e de sua liberdade. Diante de Deus, ou dos deuses, infinitamente poderosos, o homem não passa de um ser indefeso e temeroso, sempre à mercê dessas entidades superiores, que dele dispõem como os senhores dos escravos.
Concepção grega do Universo. A filosofia e a ciência grega pressupõem as teogonias e as cosmogonias, tais como se acham concebidas nas obras de Homero e de Hesíodo. O mundo, que incluía a totalidade daquilo que se conhece, compreende os deuses, imortais, os homens, mortais, e a natureza, que os gregos chamavam de physis. Tanto a natureza quanto os homens estão à mercê dos deuses imortais, de seus caprichos, de suas cóleras, de suas paixões, pois os deuses, embora sejam divinos e imortais, são concebidos à semelhança dos homens, tendo também os seus vícios e as suas virtudes. A concepção religiosa e mitológica é criticada pela filosofia e pela ciência, que se propõem, desde as suas origens, a substitui-la por uma concepção racional e lógica do Universo.
Nos primeiros filósofos gregos, chamados pré-socráticos, encontramos o esboço das cosmovisões que Platão e Aristóteles tentarão sistematizar dois séculos mais tarde. Partindo do mesmo pressuposto, da identidade do pensamento e do ser, ou da razão e da realidade, Parmênides e Heráclito formulam as duas teses que irão determinar todo o pensamento ulterior, a da unidade e imobilidade e a da multiplicidade e mobilidade do ser. De acordo com Parmênides, o Ser, isto é, o Universo, o Absoluto, é incriado, imperecível, completo, imóvel e eterno, assemelhando-se à “massa de uma esfera bem arredondada, que se equilibra em si mesma em todos os seus pontos”. Segundo Heráclito, para quem o logos “tudo governa”, o mundo, que é o mesmo para todos os seres, não foi criado por nenhum deus e por nenhum homem, sempre foi, é e será um fogo sempre vivo “que se acende e se apaga com medida”.
Ainda no período pré-socrático, as filosofias posteriores ao eleatismo e ao heracliteísmo, como as de Demócrito, Empédocles e Anaxágoras, são tentativas de conciliação e de superação dessas duas posições extremas. De todas, a mais significativa é a de Demócrito que lança os fundamentos de uma concepção rigorosamente cientifica do Universo, concebendo como composto de átomos e de vazio. Os átomos e o vazio, assim como o movimento, são eternos, sempre existiram, e suas infinitas combinações dão origem a todos os seres.
Segundo Platão, cuja cosmogonia se acha expressa no mito do Timeu, pois a física é apenas um passa-tempo para o espírito, o mundo, obra de um demiurgo, é uma obra bela e, além disso, viva. Cópia corpórea e sensível do modelo inteligível, o mundo está habitado por uma alma que é uma mistura da essência indivisível, unidade absoluta de todo inteligível, da essência divisível, ou multiplicidade que caracteriza os corpos e seu vir-a-ser, e de uma terceira essência, intermediária, a existência, que participa das duas primeiras. O centro da alma, que é uma espécie de envelope esférico do corpo do mundo, coincide com o centro do mundo, e seus movimentos circulares se confundem. O corpo do mundo é composto do fogo e da terra, entre os quais se interpõe, por motivos de ordem matemática, a água e o ar, matérias ou elementos que pré-existem à ação do demiurgo e cujo começo de organização é explicado mecanicamente.
Ao contrário de Platão, para o qual a física só poderia ser objeto de um “conhecimento bastardo”, o mundo natural, para Aristóteles, pode ser objeto de conhecimento racional ou epistemológico. O mundo, ou Universo, é chamado, pelo Estagirita, de céu, porque envolve e contém todas as coisas. Único, não tem nem começo nem fim, nada existe fora dele, é perfeito e finito, formando uma esfera que se move de acordo como o movimento mais perfeito que é o movimento circular. O mundo inclui quatro corpos simples ou elementares, a terra, a água, o ar e o fogo, aos quais se acrescenta uma quinta essência, o éter, que não comporta nenhuma espécie de mudança.
O Universo se divide em duas grandes regiões: o céu propriamente dito, que se estende do “primeiro céu” até a lua, incluindo as estrelas fixas cujo movimento é regular, eterno e circular. Os astros e os planetas não são menos imóveis do que as estrelas fixas, não tendo nenhum movimento próprio, nem de rotação nem de translação. O que se move circularmente é a esfera que carrega o astro, esfera única no caso das estrelas, esferas múltiplas no caso dos planetas. Segundo Aristóteles, a fim de que o movimento de cada esfera planetária não seja alterado pelo movimento da outra esfera em que está encaixada, é necessário introduzir, para preservar a unidade do sistema, outras esferas compensadoras. Excluindo dos planetas o sol e a lua, as esferas intermediárias entre Vénus e o sol e entre o sol e a lua, tem-se um total de quarenta e sete esferas encaixadas concéntricamente no primeiro céu.
A segunda região do Universo é a região sublunar, cujo centro é a terra. Mais distante do “primeiro motor” que o céu, caracteriza-se pela geração e pela corrupção das substâncias, cuja matéria não é mais perfeitamente determinada, como a do mundo sideral, mas é, ao contrário, pura indeterminação. Nesse mundo, onde reina a contingência, o acidente e o acaso, a descontinuidade é a norma do movimento, mesmo regular. Os elementos que se constituem nessa região são inferiores ao éter, misturando-se e transformando-se uns nos outros, o que permite considerá-la a região dos mistos, ou das misturas. Na hierarquia dos mistos, os meteoros (nuvens, ventos, chuvas, etc.) são os mais instáveis, sendo menos instáveis os próprios da terra. Esses mistos terrestres são, como dizia Empédocles, homeomerias, uns inorgânicos, derivados da terra e da água, e outros orgânicos, que ou constituem os diversos órgãos dos animais e das plantas ou por eles são engendrados. O mundo sublunar está envolvido por uma esfera de fogo que gira com o primeiro céu, a qual envolve o ar que, por sua vez, envolve a água que, finalmente, envolve a terra.
Concepção judaico-cristã do Universo. A revelação judaico-cristã trouxe duas ideias estranhas ao pensamento grego: a ideia de um Deus único e pessoal, transcendente ao mundo, e a ideia da criação ex-nihilo, a partir do nada. De acordo com o Gênesis, Deus criou o Universo, o céu e a terra, e todos os seres que nele se contém, a água e a luz, os astros e as estrelas, as plantas e os animais e, finalmente, o homem, feito à sua imagem e semelhança. Criado por Deus, obra de Deus, que por definição é a inteligência suprema, o Universo reflete essa inteligência, sendo ordem e beleza, cosmo e não caos. As leis que regem o seu funcionamento são expressão da vontade divina, que não as estabeleceu arbitrariamente, mas de acordo com o plano que se desdobrou ao longo dos sete dias da criação.
Compelidos, pelas exigências da catequese, da luta contra o paganismo e as heresias, a formular conceitualmente o conteúdo da revelação, os pensadores cristãos foram levados a utilizar-se do arsenal ideológico de que dispunham, quer dizer, do pensamento grego. O que se chama de filosofia cristã ou de pensamento cristão, na realidade não passa do pensamento grego, de Platão e de Aristóteles, especialmente, utilizado como instrumento de defesa e justificação da fé. Incorporando a filosofia grega, a cosmovisão cristã ficou presa à física e à cosmologia de Aristóteles que, durante dois mil anos, dominou o pensamento do Ocidente, até o advento da filosofia e da ciência moderna.
O Universo newtoniano. Os fundadores da ciência moderna, Copérnico, Galileu, Kepler, Descartes e Newton, acreditam em Deus e a ele se referem constantemente, mas concebem o Universo como se fosse independente de Deus e explicável por si mesmo, pelas leis que lhe são próprias. A partir da “revolução copernicana”, que desloca o centro de gravitação da terra para o sol, o Universo passa a ser concebido como um sistema autônomo, regido por leis que podem ser conhecidas pela experiência e formuladas matematicamente. Descobrindo a impenetrabilidade, a mobilidade, a força de propulsão dos corpos, as leis do movimento e da gravidade e formulando os postulados que permitem definir as noções de massa, causa, força, inércia, espaço, tempo e movimento, Newton foi o primeiro a sistematizar a moderna ciência da natureza.
Embora não se propusesse mais o conhecimento das causas dos fenômenos mas a determinação das leis que os regem, a ciência newtoniana, físico–matemática, coincidia ainda com a física qualitativa de Aristóteles em um ponto capital, a concepção do tempo e do espaço. Ambas consideram o tempo e o espaço como quadros invariáveis e fixos, referenciais absolutos, em função dos quais se explicam os movimentos do Universo. A definição aristotélica do tempo e do espaço, embora date do século IV antes de Cristo, prevaleceu na ciência clássica, na mecânica de Galileu e de Newton, até o advento da física quântica e da relatividade einsteiniana.
Relacionando a queda da maçã com o movimento dos planetas e do sol, Newton formulou a lei da gravitação universal, que permite determinar a velocidade com que a terra gira em torno do sol, do sistema solar no sistema estelar, do sistema estelar na via láctea e da via láctea nas galáxias exteriores. Percebendo a distinção entre o movimento absoluto e o movimento relativo, foi levado a admitir a existência de estrelas fixas, ou de pontos imóveis no Universo, embora não dispusesse de meio algum para provar tal hipótese. Considerando o espaço uma realidade fixa, um quadro estático e imutável, e não podendo estabelecer cientificamente esse postulado, recorreu a uma explicação teológica, considerando o espaço a onipresença de Deus na natureza. O Universo newtoniano era, assim, o meio invisível, o espaço absoluto e imutável no qual as estrelas se deslocam e a luz se propaga de acordo com modelos mecânicos que podem ser traduzidos em fórmulas matemáticas.
O Universo einsteiniano. Em 1905, a propósito da experiência de Michelson e Morley, Albert Einstein escreveu um pequeno trabalho no qual, admitindo que a experiência houvesse provado que a velocidade da luz não é afetada pelo movimento da terra, rejeitava a teoria do éter e a noção de espaço como quadro fixo e imóvel no qual é possível distinguir o movimento absoluto do movimento relativo. Se a velocidade da luz é constante, e se propaga independentemente do movimento da terra, também deve ser independente do movimento de qualquer outro planeta, estrela, meteoro, ou mesmo sistema no Universo. As leis da natureza, consequentemente, são as mesmas, para todos os sistemas que se movem uniformemente, uns em relação aos outros.
Eliminados o espaço e o tempo absolutos, o Universo todo entra em movimento, não tendo mais sentido indagar pela velocidade “verdadeira”, ou “real”, de qualquer sistema. O espaço einsteiniano não tem fronteiras nem direção, e não apresenta nenhum ponto de referência que permita comparações absolutas, pois não passa, como já havia dito Leibniz, “da ordem da relação das coisas entre elas”. O que leva a concluir que, sem coisas que o ocupem e nele se movam, não há espaço. Os movimentos, portanto, sejam quais forem, só podem ser descritos e medidos uns em relação aos outros, uma vez que, no Universo, tudo está em movimento.
Na primeira formulação de sua teoria, que chamou de “relatividade restrita”, Einstein procurou demonstrar que não há no Universo nenhum parâmetro absoluto que permita calcular o movimento absoluto de um planeta, como a terra, ou de qualquer sistema que se ache em movimento. Um corpo só se move em relação a outro, ou a outros, e se todos os corpos do Universo se movessem simultaneamente, com a mesma velocidade, não haveria movimento, nem percepção do movimento e possibilidade de calculá-lo.
A partir da lei da inércia, tal como foi enunciada por Newton, Einstein reformulou a lei da gravitação universal, estabelecendo como premissa que as leis da natureza são as mesmas para qualquer sistema, independentemente de seu movimento. O princípio da equivalência, entre a gravidade e a inércia, estabelece que não há meio algum que permita distinguir o movimento produzido pelas forças de inércia do movimento gerado pela força da gravitação. O princípio permitiu mostrar que nada há de único ou de absoluto no movimento não uniforme, pois seus efeitos não se podem distinguir dos efeitos da gravitação. O movimento, portanto, seja qual for, uniforme ou não, só pode ser observado e calculado em relação a um parâmetro, pois não há movimento absoluto. Desse ponto de vista, a gravitação passa a fazer parte da inércia e o movimento dos corpos resulta de sua inércia própria, e sua trajetória se determina pelas propriedades métricas do contínuo espaço–tempo, o que permite eliminar a obscura noção de ação à distância.
Na confluência da teoria dos quanta, que determinou todas as concepções a respeito do átomo, e da teoria da relatividade, que determinou todas as concepções a respeito do espaço, do tempo, da gravitação, da inércia, etc., a teoria do campo unitário vem atender à exigência fundamental da razão que é a exigência de unidade. “A ideia de que existem duas estruturas no espaço, independentes uma da outra, escreve Einstein, o espaço métrico gra-vitacional e o espaço electro-magnético, é intolerável ao espírito teórico”. Mostrando que as duas forças, a da gravitação e a eletro-magnética, não são independentes mas inseparáveis, a teoria do campo unitário as descreve em termos que poderão permitir novos descobrimentos em relação à estrutura da matéria, à mecânica das radiações e demais problemas do mundo atômico e subatômico.
O Universo einsteiniano não é nem infinito, nem euclideano, ou tridimensional, pois a geometria de Euclides não é válida no campo gravitacional. E, como a estrutura do campo gravitacional é determinada pela massa e pela velocidade do corpo em gravitação, a geometria do Universo, a curvatura do contínuo espaço–tempo sendo proporcional à concentração de matéria que contém, será determinada pela totalidade da matéria contida no Universo, que o faz descrever uma imensa curvatura que se fecha em si mesma. Embora não seja possível dar uma representação gráfica do universo finito e esférico de Einstein, foi possível calcular, em função da quantidade de matéria contida em cada centímetro cúbico de espaço, o valor do raio do Universo, estimado em 35 trilhões de anos luz. Nesse Universo finito, mas bastante grande para conter milhões e milhões de estrelas e de galáxias, um feixe de luz, com a velocidade de 300.000 km por segundo, levaria 200 trilhões de anos para, após percorrer a circunferência do cosmo, retornar ao ponto de partida.
No séc. IV aC, Parmênides de Elea, que identificava o pensamento com o ser, concebia o Universo como “a massa de uma esfera arredondada que se equilibra em si mesma, em todos os seus pontos”. E Heráclito de Éfeso, para o qual o logos tudo governava, via o mundo como contínuo movimento e constante vir-a-ser. Dois mil e quinhentos anos mais tarde, como se prolongasse e desenvolvesse essas intuições originais, não em termos de filosofia mas de ciência, Einstein, que também o concebe como se fosse uma esfera, nos fala “da razão poderosa e suprema que se revela no incompreensível Universo”. [Corbisier]