beleza

gr. kallos em Platão, eros 5-7; na Stoa e em Plotino, ibid. 10 (FEPeters)


O vocábulo alemão correspondente “Schönheit” está ligado etimologicamente a “schauen”, contemplar. “Schön”, belo, significa originariamente: contemplável, digno de ver-se; passou depois a significar: luminoso, brilhante, resplandecente; donde, pouco a pouco, surgiu o sentido atual. Esta evolução semântica do termo conduz ao objeto correspondente, expresso em duas fórmulas medievais. Uma delas, da autoria de S. Tomás de Aquino, descreve o belo como aquilo que agrada à vista (quae visa placent), por conseguinte tem como ponto de partida a vivência da beleza; a outra, procedente de S. Alberto Magno, assinala no próprio belo o fundamento que produz tal vivência, a saber, o resplendor da forma (splendor formae). Comecemos pela segunda fórmula.

A forma denota a essência e, por conseguinte, o âmago ontológico das coisas. Mas o conteúdo do ser é expresso pelos transcendentais: unidade, verdade, bondade. Sendo a beleza o resplendor da forma, estas propriedades devem irradiar no belo com luminoso fulgor. Quer dizer que devem ser perfeitas em si mesmas (não perturbadas, nem fragmentadas), estar em consoante harmonia entre si (não estarem justapostas, nem se contradizerem) e, por fim, devem irradiar de modo fulgurante sua perfeição (não permanecer ocultas, nem serem acessíveis só após afanoso trabalho). Portanto, a beleza é a forma da perfeição, mediante a qual um ente expressa, de maneira acabada, o ser na configuração que lhe ó peculiar ou em conformidade com a ideia nele entranhada, alcançando assim sua plasmação ideal (no que, naturalmente, se verificam muitos graus de aproximação).

Ao belo responde, no homem, sua vivência, primariamente na contemplação. Como aqui o ente resplandece luminoso em seu ser perfeitamente expresso, ao conhecimento nada mais resta que buscar, ficando-lhe afiançado, para além da inquietação e da fadiga do discurso, o sossego e a facilidade de seu ato completo, ou seja, da contemplação. Da acabada perfeição do belo e de sua contemplação nasce o prazer como repouso extasiado na perfeição obtida. Superada por tal forma a ânsia do desejo, o apetite experimenta, como seu ato mais elevado, a saciedade da posse indizivelmente beatificante; o homem, arrebatado pelo belo, esquecendo-se de si, entrega-se ao perfeito. À consumada manifestação do ser no ente corresponde o jogo perfeito e a vibração recíproca das faculdades psíquicas, ou seja, um estado superior do homem.

Desde este ponto de vista, muitas coisas se tornam compreensíveis, e antes de mais nada o caráter sugestivo da beleza. O entusiasmo, por ela suscitado, por tal forma enfeitiça o homem, que este lhe sacrifica tudo. Esquece que no belo contempla e vive certamente a perfeição como numa imagem, mas que não possui todavia vida pessoal nem comove com sua presença efetiva. Também frequentemente passa por alto os graus em que a beleza se torna mais profunda e fulgurante. Na qualidade de ser ligado aos sentidos, seduzido pelo fulgor do corpo, a custo atenta no fulgor do espírito, no qual todavia primariamente se perfaz também a beleza corporal. — Se o homem se não deixar seduzir por esta sugestão, como que demoníaca, sentirá ser a beleza como que um reflexo do além, da perfeição absoluta de Deus e de suas ideias criadoras. Por isso, o coração, ébrio de beleza, ergue-se da beleza muitas vezes fragmentária deste mundo à Beleza pura originária. Aludimos aqui ao Eros de Platão, cuja ascensão ele descreve pateticamente no Banquete — Por último, é óbvio que a perfeita beleza corre sobre a terra riscos indizíveis e constitui sempre apenas um momento fugidio. Quem adere a ela só, sentirá cada vez mais que não pode retê-la. Daí, a tristeza abismal, p. ex., da escultura grega.

Será a beleza um transcendental ? Sua relação de proximidade com a unida de verdade-bondade fala em abono disso. Mas, sendo assim, todo ente deveria ser belo. De fato, todo ente o é, na medida em que é perfeito em seu ser. Uma vez que, enquanto ele existe, nunca lhe faltam um certo início ou mesmo vestígios da perfeição propriamente dita, nem portanto um certo resplendor dos transcendentais, segue-se que possui sempre uma beleza ao menos inicial. — Se todo ente é belo no sentido apontado, segue-se que ao espírito convém a beleza no grau mais elevado, porque ele é ontologicamente perfeito ao máximo. Não pertence acaso essencialmente à beleza a intuitividade sensorial? O fulgor sensível é exigido pela beleza da6 coisas corpóreas; também oferece a nós homens a vivência de beleza que primariamente empolga. Contudo há também um fulgor espiritual, que já nos beatifica, sempre que logramos abarcar intuitivamente conteúdos intelectuais, mas isso verifica-se em grau ainda mais intenso a quem dispõe da intuição intelectual.

Importante peculiaridade do belo é o sublime. O objeto resplandecente possui grandeza, “eleva-se” essencialmente acima do ordinário, tem o cunho do extraordinário, do sobre-excelente; relativamente a nós, aparece como sobre-humano, digno de admiração, muitas vezes como incomensurável, infinito. Tal objeto deve possuir, além disso, um resplendor digno de seu relevante conteúdo. Com o prazer mistura-se aqui a admiração, o respeito e, amiúde, também um certo estremecimento.

O contrário do belo é o feio. Sem prejuízo da beleza inicial, inadmissivelmente entranhada em todo ente, pode uma coisa em sua realização concreta repugnar tanto aos atributos fundamentais do ser e, em particular, à sua ideia, que fique inteiramente desfigurada, assumindo esta desfiguração de sua forma uma expressão excessivamente clara, a ponto de se sobrepor a tudo o mais. A tal fealdade respondemos com um movimento de repulsa. Todavia, um rosto humano, p, ex., feio, do só ponto de vista fisiológico, pode ser tão profundamente iluminado pela beleza espiritual, que esta sobrepuje tudo o mais. — VIDE estética. — Lotz. (Brugger)


Uma coisa é bela e perfeita quando manifesta, neste ou naquele modo harmonioso, a plenitude das possibilidades de sua espécie, e quando esta espécie revela, de uma forma ou de outra, um Arquétipo espiritual ou Aspecto divino em sua pureza. Ora, como cada Aspecto do Um contém e expressa, à sua maneira, todos os Seus Aspectos, cada manifestação perfeita de uma espécie “deiforme” revela, à luz de sua própria qualidade, a Plenitude das Possibilidades Causais: Beleza universal e divina. Uma coisa é feia se participa apenas imperfeitamente do seu Arquétipo puro, ou se a sua espécie não se conforma com a Perfeição divina. Ao nível do homem – a criatura mais complexa, na sua constituição e nas suas transformações – esta verdade deve ser entendida sob a sua aplicação particular, no que diz respeito aos respectivos aspectos da beleza “interior” e “externa”. Nas espécies não humanas, o aspecto exterior revela a qualidade interior do ser ou da coisa, e isto devido ao seu carácter passivo que não permite o dualismo existencial. Na espécie humana, dotada de razão, livre arbítrio e relação consciente com o Espírito divino, o aspecto exterior ou corpóreo de um ser pode expressar tal resultado estático do seu desenvolvimento pessoal, alcançado em “vidas anteriores”, enquanto o aspecto interior — psíquicos ou espirituais — podem ser transformados, num sentido ou noutro, durante esta vida, quer através das virtudes e do conhecimento, quer, pelo contrário, pela sua ausência. Com efeito, um homem pode nascer feio, do ponto de vista físico, enquanto a sua alma pode exibir, durante esta vida, uma beleza ética e espiritual; e neste caso, é possível que a sua beleza interior eclipse, em grande medida, a sua feiúra corporal. Pelo contrário, há homens de beleza externa – resultantes de “méritos anteriores” – cujas almas se corrompem nesta vida; então é a feiúra interior que finalmente emerge e torna a beleza corporal mais ou menos ilusória.

O ser humano é verdadeiramente belo, quando nele a generosidade da Graça se exprime pela medida harmoniosa das formas; quando a escuridão dos seus limites for apagada pela Luz do infinito que brota das suas profundezas; quando o Espírito penetra na sua substância e revela, de uma forma ou de outra, a plenitude beatífica do Um.

 


É belo, não o que amamos e porque o amamos, senão aquilo que por seu valor objetivo nos obriga a amá-lo.


A beleza, seja qual seja o uso que possa fazer dela o homem, pertence fundamentalmente a seu Criador, que por ela projeta na aparência algo de seu ser.


A percepção da beleza, que é uma adequação rigorosa e não uma ilusão subjetiva, implica essencialmente, por uma parte, uma satisfação da inteligência e por outra, um sentimento ao mesmo tempo de segurança, de infinidade e de amor. De segurança: porque a beleza é unitiva e exclui, com uma sorte de evidência musical, as fissuras da dúvida e da inquietude; de infinidade: porque a beleza, por sua própria musicalidade, faz com que se fundem os endurecimentos e os limites e libera, assim, à alma de suas estreitezas; de amor: porque a beleza chama ao amor, quer dizer, convida à união e por tanto à extinção unitiva.


A beleza, e o amor à beleza, dão à virtude, que também poderíamos chamar a bondade ou a piedade.


A função cósmica, e mais particularmente terrestre, da beleza é atualizar na criatura inteligente a lembrança das essências, e abrir assim a via até a noite luminosa da Essência una e infinita.


A beleza é um reflexo da beatitude divina; e como Deus é verdade, o reflexo de sua beatitude será esta mistura de felicidade e verdade que encontramos em toda beleza.


A beleza do sagrado é um símbolo ou uma antecipação, e as vezes um meio, do gozo que só Deus procura.


A beleza é uma mensagem que implica uma reciprocidade e um compromisso; implica uma reciprocidade entre Deus e o homem, e um compromisso por parte do homem com respeito a Deus.

E pela beleza, Deus nos dá uma mensagem de sua natureza; revela para nós um arquétipo e uma essência. A beleza é uma manifestação da Misericórdia, que pertence à Infinitude.

Este dom de Deus exige um dom de parte do homem: a revelação da Misericórdia exige por parte do homem um dom de si. A gratidão do homem é que, tendo percebido a Beleza divina, se dê a Deus em seu coração; dar-se a si mesmo a Deus é a resposta proporcionada à beleza terrestre, na que Deus, ao revelar a Misericórdia, se deu ao homem.


Para uns, só o esquecimento do belo – da “carne” segundo eles – nos aproxima de Deus, o que evidentemente é um ponto de vista válido, na prática pelo menos; segundo outros – e esta perspectiva é mais profunda – a beleza sensível também aproxima de Deus, na dupla condição de uma contemplatividade que apresente os arquétipos através das formas e de uma atividade espiritual interiorizante que elimina as formas com vistas à Essência.


A beleza auditiva é para a beleza visual o que a essência é para a forma. A música é beleza formal interiorizada, como a beleza formal é música exteriorizada.

Do mesmo modo, a beleza mental – a poesia – é para a beleza corporal atuada – a dança – o que a essência é para a forma. Isto quer dizer que há uma afinidade entre a beleza mental e a beleza auditiva – a poesia e a música -, por um lado, e entre a beleza corporal atuada e a beleza visual – a dança e a forma bela -, por outro.

O que aqui importa é a relação entre a forma e a essência, ou entre a manifestação e o arquétipo, ou entre o exterior e o interior. A beleza percebida no exterior deve converter-se, em nós, em música arquetípica e interiorizante. Amamos o que somos em nossa essência, e devemos ser – ou chegar a ser – o que amamos, e o que temos direito a amar pela natureza das coisas. Este é o sentido das belezas da criação divina e da arte sagrada.


O sentido da beleza atualizado pela percepção visual ou auditiva do belo, ou pela manifestação corporal, seja estática seja dinâmica, da beleza, equivale a uma “lembrança de Deus” se se encontra em equilíbrio com a “lembrança de Deus” propriamente dita, a qual, pelo contrário, exige a extinção do perceptível. À percepção sensível do belo deve responder, pois, a retirada até a fonte suprasensível da beleza; a percepção da teofania sensível exige a interiorização unitiva. (Schuon PP)