(gr. to kakon; lat. malun; in. Evil; fr. Mal, al. Böse; it. Male). Este termo tem uma variedade de significados tão extensa quanto a do termo bem , do qual é correlativo. Do ponto de vista filosófico, entretanto, é possível resumir essa variedade em duas interpretações fundamentais dadas a essa noção ao longo da história da filosofia: 1) noção metafísica do mal, segundo a qual este é d) o não–ser, ou b) uma dualidade no ser; 2) noção subjetivista, segundo a qual o mal é o objeto de aptidão negativa ou de um juízo negativo.
1) A concepção metafísica do mal consiste em considerá-lo como o não–ser diante do ser, que é o bem, ou em considerá-lo como uma dualidade do ser, como uma dissensão ou um conflito interno do próprio ser.
a) A concepção do mal como não aparece nos estoicos e é claramente formulada pelos neoplatônicos. Por considerarem que a existência dos males condiciona a dos bens, de tal modo que, p. ex., não haveria justiça se não houvesse ofensas, não haveria trabalho se não houvesse indolência, não haveria verdade se não houvesse mentira, etc, os estoicos, em particular Crisipo, achavam que os chamados males não são realmente males, porque necessários à ordem e à economia do universo (Aulo Gélio, Noct. Att., 1). Marco Aurélio exprimia perfeitamente este ponto de vista dizendo: “Toda vez que arrancas uma partícula qualquer da ordem e da continuidade do inverso a integridade do todo fica mutilada e comprometida. (…) E realmente extirpas, na medida do teu poder, alguma coisa do universo toda vez que te queixas do que aconteceu; em um certo sentido, em assim fazendo, estás condenando à morte o universo inteiro em teu desejo” (Ric, V, 8). Uma vez que não se pode amar uma coisa e considerá-la má, o ponto de vista estoico equivale a considerar bom tudo o que existe e a reduzir o mal ao não–ser. Essa redução torna-se explícita no neoplatonismo. Plotino diz: “Se tais são os entes e se tal é o que está além dos entes [isto é, Deus], então o mal não existe nem naqueles nem neste, já que tanto um quanto o outro são bem. Conclui-se, portanto, que, se existir, existe no que não é, e que é uma espécie de não–ser, encontrando-se, pois, nas coisas mescladas de não–ser ou partícipes do não–ser” (Enn., I, 8, 3). Nesse sentido, Plotino identifica o mal com a matéria: a matéria é o não–ser. “O mal não consiste na deficiência parcial, mas na deficiência total: o que carece parcialmente de bem não é mau e pode até ser perfeito em seu gênero. Mas quando há deficiência total, como na matéria, tem-se o verdadeiro mal, que não tem parte alguma de bem. A matéria não tem sequer o ser que lhe possibilitaria participar do bem: pode-se dizer que ela é apenas em sentido equívoco; na verdade, a matéria é o próprio não–ser” (Ibid., I, 8, 5).
A identificação do mal com o não–ser torna-se tradicional na filosofia cristã. É retomada por Clemente de Alexandria.(Strom., IV, 13), por Orígenes (De princ, I, 109) e por S. Agostinho, que a difunde no mundo ocidental. S. Agostinho diz.- “Nenhuma natureza é mal, e esse nome indica apenas a privação do bem” (De civ. Dei, XI, 22). Portanto, “todas as coisas são boas, e o mal não é substância porque se fosse substância seria bem” (Conf, VII, 12). Boécio afirmava: “O mal é nada, porque não o pode fazer Aquele que pode todas as coisas” (Phil. cons., III, 12). A escolástica é igualmente unânime nesse aspecto. S. Anselmo reiterou a doutrina do mal como não–ser nos mesmos termos de S. Agostinho (De casu diaboli, 12-16). Com Maimônides, a escolástica hebraica repete a mesma tese (Guia dos perplexos, III, 10), na escolástica cristã, é repetida por agostinianos, como Alexandre de Hales (S. Th., I, q. 18, 9), por aristotélicos, como Alberto Magno (S. Th., I, q. 27, 1), e por Tomás de Aquino. Este último diz: “Uma vez que bem é tudo o que é apetecível e uma vez que a cada natureza apetece seu ser e sua perfeição, cumpre dizer que o ser e a perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem. Portanto, não pode acontecer que ‘mal’ signifique algum ser, alguma forma ou natureza; conclui-se, pois, significa apenas a ausência do bem” (S. Th., I, q. 48, a. 1) O verbo ser pode referir-se ao mal somente no sentido “da verdade da proposição”, como quando se diz que “a cegueira é do olho”, sentido que não implica de modo algum a realidade (entitas rei) (Ibid., I, q. 48, a 2).
Após as observações cépticas de Pierre Bayle sobre a compatibilidade do mal (em todas as suas formas) com a onipotência divina e com a perfeição do universo, a teodiceia de Leibniz está fundamentada na doutrina tradicional do mal como negação do bem. “Os platônicos, S. Agostinho e os escolásticos”, diz Leibniz, “tiveram razão em dizer que Deus é a causa material do mal, que consiste em sua parte positiva, e não da forma dele, que consiste na privação, assim como se pode dizer que a corrente é a causa material do atraso na velocidade de um barco, sem ser a causa da forma do próprio atraso, ou seja, dos limites desta velocidade” (Théod., I, 30). Essas considerações de Leibniz fundamentaram todas as tentativas ulteriores de teodiceia . Por outro lado, a nulidade do mal continuou sendo a tese adotada pelas doutrinas que identificam o ser com o bem ou, em termos modernos, com a racionalidade ou o dever–ser; isso acontece em Hegel, para quem o mal, entendido como vontade malévola, é “a nulidade absoluta” dessa vontade (Enc., § 512). Do ponto de vista dos idealismos absolutos, como o de Hegel e de sua escola, apresenta-se novamente o problema tradicional da teodiceia: o da possibilidade do mal; a única solução disponível é ainda a tradicional: a nulidade do mal Gentile dizia: “Não é erro e verdade, mas erro na verdade, como seu conteúdo que se resolve na forma; nem mal e bem, mas mal do qual o bem se nutre no seu absoluto formalismo” (Teoria generale dello spirito, XVI, 10). Croce por sua vez afirmava: “O mal, quando real, não existe senão no bem, que se lhe opõe e o vence; portanto, não existe como fato positivo: quando, porém, existe como fato positivo, já não é um mal, mas um bem (e por sua vez tem como sombra o mal, contra o qual luta e vence)” (Fil. della pratica, 1909, p. 139). Não–ser, nulidade ou irrealidade do mal é tese redescoberta toda vez que, de qualquer forma, se propõe a identidade entre ser e bem.
b) A segunda concepção metafísica do mal considera-o como um conflito interno do ser, como a luta entre dois princípios. Segundo essa concepção, o domínio do ser divide-se em dois campos opostos, dominados por dois princípios antagônicos. O modelo dessa concepção é a religião persa, de Zarathustra ou Zoroastro, que contrapunha à divindade (Ahura Mazda ou Ormazd) uma antidivindade (Ahrimarí), que é o princípio do mal (cf. Pettazzoni, La religione di Zaratustra, Bolonha, 1921; Du-Chesne-Guillemin, Ormazd et Ahriman, Paris, 1953). Essa doutrina constitui uma solução extremamente simples para o problema do mal, pois, ao mesmo em que limita o poder das divindades, não trai o monoteísmo porque concebe a potência limitante como antidivindade. Segundo essa solução, o mal é real tanto quanto o bem, e, como tal, tem causa própria, antitética à do bem. Essa doutrina evita a redução do mal ao nada, tão pouco convincente para o homem comum, e decorre do mesmo tipo de justificação de que lança mão a negação metafísica da realidade do mal O dualismo persa retornou no culto de Mitra: personagem que, segundo relato de Plutarco, ocupava posição intermediária entre o domínio da luz, pertencente a Ahura Mazda, e o domínio das trevas, pertencente a Ahriman (De Iside et Osiride, 46-47; cf. F. Cumont, The Mysteries of Mithra, cap. I). Retomou também, com algumas atenuações, em algumas seitas gnósticas dos primeiros séculos da era vulgar, especialmente na de Basílides (cf. Buonaiuti, Frammenti gnostici, 1923, pp-42 ss.), bem como na seita dos maniqueus, contra os quais S. Agostinho assenta uma de suas principais polêmicas (v. maniqueísmo). Mas a filosofia nunca aceitou essa solução para o problema do mal na forma simples como foi originariamente formulada pela religião persa; nunca admitiu a separação dos dois princípios. Quando aceitou essa solução, modificou-a no sentido de incluir ambos os princípios em Deus, considerando o princípio do bem e o do mal unidos em Deus, justamente em virtude de seu conflito. No séc. XVII, Jacob Böhme, insistindo na presença, em todos os aspectos da realidade, de dois princípios em luta, que são o bem e o mal, atribuía a causa dessa luta à presença em Deus dos dois princípios antagonistas, que ele indicava com vários nomes: espírito e natureza, amor e ira, ser e fundamento, etc. Em Deus, esses dois princípios estariam fortemente ligados, numa espécie de luta amorosa. Böhme dizia: “A divindade não repousa tranquila, mas suas potências trabalham sem trégua e lutam amorosamente; movem-se e combatem: como acontece com duas criaturas que brincam uma com a outra, com amor abraçam-se e estreitam-se; ora uma é vencida, ora a outra, mas o vencedor logo se detém e deixa que a outra retome seu jogo” (Aurora oder die Morgenröte im Aufgang, 1634, cap. XI, § 49). Em outras palavras, o dualismo do bem e do mal está em Deus mesmo e nele os dois princípios travam um combate “amoroso”, no qual nenhum é definitivamente derrotado. A subcorrente do pensamento filosófico chamada teosofia sempre adotou essa solução para o problema do mal: no período romântico, retornou em Indagações sobre a essência da liberdade humana (1809), de Schelling, em que este sustentava, assim como Böhme, que em Deus está não só o ser, mas, como fundamento desse ser, há um substrato ou natureza que se distingue dele e é um anseio obscuro, um desejo inconsciente de ser, de sair da escuridão e alcançar a luz divina (Werke, 1, VIII, p. 359). No entanto, Schelling afirmava que, estando esses dois princípios estreitamente unidos em Deus, não há nele distinção entre bem e mal; com a separação desses princípios no homem, nasce a possibilidade do bem e do mal, e de seu conflito (Ibid., p. 364). Ainda em tempos relativamente recentes, em relação mais direta com a religião persa, solução semelhante para esse problema foi proposta por G. T. Fechner, que admitia haver em Deus a mesma dualidade entre vontade racional e instintos obscuros encontrada no homem (Zend Avesta, 5a ed., 1922, pp. 244-45). É possível entrever soluções análogas, porém menos explicitas, em algumas formas de espiritualismo e na psicanálise , mas trata-se, muitas vezes, de soluções de caráter religioso ou teosófico, que dificilmente podem ser consideradas explicações filosóficas propriamente ditas.
2) A segunda concepção fundamental do mal não o considera realidade ou irrealidade, mas objeto negativo do desejo ou, em geral, do juízo de valores. Essa concepção é admitida por todos os que defendem a chamada teoria subjetivista do bem. Hobbes, Spinoza e Locke compartilham essa teoria (para os relativos textos, v. BEM), à qual Kant deu forma mais geral. Segundo Kant, “os únicos objetos da razão prática são o bem e o mal Pelo primeiro entende-se um objeto necessário da faculdade de desejar; pelo segundo, um objeto necessário da faculdade de repelir; mas ambos somente segundo o princípio da razão” (Crít. R. Prática, cap. 2). Kant insistia sobretudo em retirar as determinações de bem e mal (em alemão, Gut e Böse) “da esfera da faculdade inferior de desejar”, à qual pertencem o agradável e o doloroso (em alemão, Wohl e Übel). “O que devemos chamar de bem” — dizia ele — “é o objeto da faculdade de desejar segundo o juízo dos homens dotados de razão; o mal deve ser objeto de aversão aos olhos de todos, de tal modo que para tais juízos, além dos sentidos, também há necessidade da razão” (Ibid.). Contudo Kant concordava com a teoria subjetivista, ao julgar que o bem e o mal não podem ser determinados independentemente da faculdade de desejar do homem, o que significa que eles não são realidade ou irrealidade por si mesmos. A filosofia moderna e contemporânea compartilha essa visão. Para ela, mal é simplesmente um desvalor, objeto de um juízo negativo de valor, e implica, portanto, referência à regra ou norma na qual se fundamenta o juízo de valor. Assim, p. ex., o terremoto é um mal quando destrói vidas humanas ou fontes de subsistência e bem–estar humano, mas não é um mal quando não provoca esse tipo de destruição, pois nesse caso não contraria o desejo ou a exigência humana de sobrevivência e bem–estar. Seja qual for o ponto de vista de que se considere essa exigência, ela se expressa em regras ou normas que podem entrar em conflito com acontecimentos naturais ou com comportamentos humanos. Esses acontecimentos ou comportamentos são chamados de males, com base nesse conflito, e não porque tenham um status metafísico especial.
Era desse ponto de vista que Kant interpretava o “mal radical” da natureza humana como um princípio que alicerça o comportamento de todos os seres racionais finitos: afastar-se, ocasionalmente, da lei moral (Religion, I, 3). Esse princípio nada mais expressa que a possibilidade de transgredir as normas morais próprias do homem, definindo-se, então, o mal radical como a possibilidade geral de desvalor na conduta do homem. [Abbagnano]
O que é contrário ao bem. — O problema do mal é colocado pelo “mal físico”, a dor, a doença e a morte; é o mal que o homem sofre: a desgraça. O mal que o homem faz é o “mal moral”: pode reduzir-se, de maneira geral, à violência e à mentira. A origem dos males encontrar-se-ia na imperfeição geral do homem, ou “mal metafísico”, que esse retira de sua natureza imperfeita, de seu caráter de simples “criatura”. Na Religião nos limites da simples razão, Kant distinguiu a “maldade” (ato de fazer o mal acidentalmente) e a “malignidade diabólica” (ato de fazer o mal pelo mal). O pessimismo é a atitude que consiste em ver o aspecto negativo e a imperfeição de todas as coisas, em afirmar o primado do mal sobre o bem em todas as ocorrências do mundo e reconhecer a influência preponderante do mal na evolução da história (decadência). [Larousse]
Discutiu-se muito acerca da relação entre o conceito de lugar e espaço em Aristóteles. Segundo uns autores, os dois conceitos são idênticos. Segundo outros autores, há diferenças notórias entre a noção de espaço e a noção de lugar.
A questão do lugar foi explicada por Aristóteles especialmente no livro quarto da Física.
1) O lugar não é simplesmente um algo, mas um algo que exerceu certa influência, isto é, que afeta o corpo que está nele.
2) O lugar não é indeterminado, pois se o fosse seria indiferente para um corpo determinado estar ou não num lugar determinado. Mas não é indiferente, por exemplo, para corpos pesados tender para o lugar de baixo, e para corpos leves tender para o lugar de cima.
3) O lugar, embora determinado, não está determinado para cada objeto, mas, por assim dizer, para classes de objetos.
4) Embora o lugar seja uma “propriedade dos corpos”, isso não que o corpo arraste consigo o seu lugar. Assim, o lugar não é nem o corpo (pois se o fosse não poderia haver dois corpos no mesmo lugar em diferentes momentos), nem tão pouco algo inteiramente alheio ao corpo.
5) O lugar é uma propriedade que nem está inerente aos corpos nem pertence à sua substância; não é forma, nem matéria, nem causa eficiente, nem finalidade, nem tão pouco substrato.
6) O lugar pode comparar– se a uma vasilha, sendo a vasilha um lugar transportável.
7) O lugar define-se como um modo de “estar em”.
8) O lugar pode definir-se como “o primeiro limite imóvel do continente”. As anteriores definições do lugar mostram que Aristóteles usa, para explicar esta noção, uma espécie de método dialéctico, afirmando e negando ao mesmo tempo a subsistência ontológica do lugar. Com efeito, afirma que o lugar é separável (uma vez que, de contrário, se deslocaria juntamente com os corpos). Mas afirma também que não é inteiramente separável (pois se o fosse poderia identificar-se com o espaço no sentido de Demócrito, isto é, com o vazio). Afirma, ao mesmo tempo, que o lugar não equivale à massa do corpo (uma vez que permanece quando a massa do corpo se põe em movimento). Mas afirma também que há lugares naturais para as coisas (por exemplo, lugares naturais parta os quatro elementos: fogo, terra, água e ar) e, portanto, a que, de certo modo, é equivalente à massa dos corpos. Aristóteles declara que qualquer corpo sensível tem um lugar e que pode falar-se de seis espécies de lugar: alto e baixo, diante e detrás, direita e esquerda.
Uma dificuldade na doutrina aristotélica do lugar consiste em saber se o próprio lugar ocupa lugar. Se o lugar fosse espaço puro, não se punha a questão. Mas não sendo espaço puro (ou vazio), Aristóteles vê-se obrigado a enfrentar o problema e a concluir que não há lugar do lugar, nem o lugar do lugar do lugar, etc, uma vez que, de contrário, haveria que admitir um regresso até ao infinito. Os velhos estoicos tinham tentado solucionar a questão indicando que as dificuldades da teoria de Aristóteles obedecem ao fato de este defender a tese da impenetrabilidade dos corpos; uma vez admitida a interpenetrabilidade desvanecem-se todas as dificuldades. A principal preocupação de Aristóteles na sua teoria do lugar consiste em evitar as antinomias, suscitadas pela noção de espaço vazio, e a solução dessas antinomias pois suscitada ao filósofo de um modo natural pela sua concepção organicista do universo, e da qual o lugar aparece como uma propriedade de índole muito mais geral que quaisquer outras. [Ferrater]
Mal (1) é, em primeiro lugar, a propriedade pela qual um ente é mau (mal em sentido formal); mais raramente, denomina-se mal (2) o próprio ente afetado por um mal (1) (mal em sentido material). Visto que todo ente, enquanto tal, é bom (transcendentais, valor), o mal (1) não é uma determinação ou qualidade positiva do mesmo, mas sim a carência daquela bondade (perfeição, plenitude de ser) que deveria competir-lhe, de acordo com sua totalidade essencial (privação). Todavia presta-se a erro a maneira de falar de Leibniz, que qualifica de mal metafísico a carência de qualquer perfeição ontológica, uma vez que esta carência é essencial a todo ente finito, embora perfeito em sua espécie.
Distinguem-se duas espécies de mal: o ético (moral) e o físico. O mal moral é, antes de tudo, a livre decisão da vontade contra o bem moral, e, em seguida, a ação externa daí resultante, bem como o hábito mau e a atitude interna má, que subsequentemente se consolidam. Pelo contrário, mal físico é a ausência, em si moralmente indiferente, de uma perfeição ontológica exigida pela natureza do respectivo ente (dor, sofrimento, disteleologia). Dado que toda falta, todo defeito supõe um sujeito, ao qual, como ente, compete ao menos uma medida mínima de bondade, não existe nenhum mal subsistente, por outras palavras, não existe ser que não seja senão iniquidade ou mal. Neste particular, fracassam as doutrinas dualistas, que admitem, a par do princípio bom do mundo, um princípio mau igualmente originário (parsismo, maniqueísmo).
Na questão acerca da origem do mal, importa considerar, antes de mais nada, que a ação em si produz sempre algo positivo, e nunca uma mera deficiência; por isso o mal nunca tem uma causa que vise imediatamente produzi-lo, mas resulta sempre como efeito acessório. Assim, por exemplo, uma causa já defeituosa realiza defeituosamente sua ação própria. Originariamente pode um mal físico nascer pela coincidência de duas séries causais, cada uma das quais tende por si a um bem, mas cuja acidental concorrência produz um mal (por exemplo, um acidente de tráfego). Além disso, um mal pode provir do fato de se pretender e causar um bem que exclui necessariamente outro bem (assim, numa intervenção cirúrgica a cura do organismo total exclui a conservação de uma parte do mesmo). O mal moral consiste sempre, ou tem sempre seu fundamento numa decisão pecaminosa da vontade livre criada. A possibilidade do mal radica-se, em derradeira instância, na finitude de toda criatura. No que tange ao sentido do mal, teodiceia, providência. — Naumann. [Brugger]