Toda teoria que se refere a dois princípios: o dualismo da alma e do corpo, a propósito da natureza humana, da vontade e do entendimento, no que concerne às funções do espírito (Descartes). — A oposição mais frequente é a do homem e do mundo, do espírito e da matéria; toda doutrina humanista é dualista, sob esse aspecto, na medida em que afirma a liberdade do homem e a impossibilidade de reduzi-lo às leis da natureza (determinismo absoluto, panteísmo), de absorver o indivíduo nos mecanismos sociais, numa administração (totalitarismo), por exemplo. [Contr.: monismo.] (Larousse)
O dualismo em geral, em oposição ao monismo, mantém os contrastes essenciais existentes na realidade entre o ser contingente e o Ser absoluto (mundo e Deus) e, dentro da esfera do contingente, entre conhecer e ser, entre matéria e espírito, respectivamente entre matéria e forma vital unida ao material, entre ser e ação, entre substância e acidente, etc. — Toda pluralidade se deve reduzir certamente à unidade em seu último fundamento, mas não deve ser suprimida em sua própria esfera. — Ao invés, dualismo designa, com frequência, o outro extremo do monismo: a dualidade pura, irredutível. Assim, o dualismo metafísico estreme explica a limitação e o mal no mundo, pela aceitação de dois princípios: um princípio “potencial”, a par de Deus, e coeterno com Ele, que põe obstáculos e limites à Sua ação configuradora do universo (a matéria eterna de Platão), ou então um ser mau independente frente ao princípio bom (maniqueísmo). Também o dualismo antropológico, tal como é defendido por Descartes, não toma em conta a unidade de corpo e alma que, superando a dualidade, existe no homem (corpo e alma [Relação entre]). — WlLLWOLL. (Brugger)
No século XVIII, opôs-se o dualismo ao monismo. Eram dualistas os que afirmavam a existência de duas substâncias, a material e a espiritual, ao contrário dos monistas, que não admitiam senão uma. Com os vocábulos dualista e monista, caraterizavam-se posições muito fundamentais no problema da relação alma-corpo, de tão amplas ressonâncias na filosofia moderna, a partir de Descartes. Assim, Descartes carateriza-se como francamente dualista, enquanto Espinosa representa o caso mais extremo do monismo. Só a posterior generalização do termo fez que dualismo significasse, em geral, qualquer contraposição de duas tendências irredutíveis entre si. Além disso, entende-se o dualismo de diversas maneiras, consoante o campo a que se aplique, falando-se de dualismo psicológico (união da alma com o corpo, da liberdade e do determinismo), dualismo moral (o bem e e a alma, a natureza e a graça), de dualismo gnoseológico (sujeito e objeto), de dualismo religioso, etc. Contudo, chama-se também dualista a qualquer doutrina metafísica que supõe a existência de dois princípios ou realidades irredutíveis entre si e não subordináveis, que servem para a explicação do universo. Na verdade, esta última doutrina é a que se considera dualista por excelência. Os múltiplos dualismos que podem manifestar-se nas teorias filosóficas – como o chamado dualismo aristotélico da forma e da matéria, o dualismo kantiano da necessidade e liberdade, de fenômeno e númeno – são-no na medida em que se interpretam os termos opostos de um modo absolutamente realista e até se lhes dá um certo cariz valorativo. Só deste ponto de vista podemos dizer que o dualismo se opõe ao monismo, que não apregoa a subordinação de umas realidades a outras, mas que tende constantemente à identificação dos opostos, mediante a subsunção dos mesmos numa ordem ou princípio superior. (Ferrater)
(in. Dualism; fr. Dualisme; al. Dualismus; it. Dualismo).
Esse termo foi cunhado no séc. XVIII (aparece pela primeira vez, provavelmente, em Thomas Hyde, Historia religionis veterumpersarum, 1700, cap. IX, p. 164), para indicar a doutrina de Zoroastro, que admite dois princípios ou divindades, um do bem e outro do mal, em luta constante entre si. Bayle e Leibniz empregam essa palavra no mesmo sentido, mas Christian Wolff dá-lhe significado diferente, ao dizer que são “dualistas aqueles que admitem a existência de substâncias materiais e de substâncias espirituais” (Psychol. rat., § 39). Esse foi o significado que se tornou mais comum e difundido na tradição filosófica. Segundo ele, o fundador do dualismo seria Descartes, que reconheceu a existência de duas espécies diferentes de substâncias: a corpórea e a espiritual. Essa palavra, todavia, muitas vezes foi estendida para indicar outras oposições reais que os filósofos descobriram no universo: p. ex., a oposição aristotélica entre matéria e forma, a medieval entre existência e essência e uma oposição que ocorre em todos os tempos, entre aparência e realidade. Arthur O. Lovejoy examinou historicamente a revolta contra o dualismo (The Revolt Against Dualism, 1930), insistindo na necessidade de certa forma de dualismo ou pelo menos de “bifurcação da experiência” que justifique a distinção entre a aparência ilusória e a realidade (v. monismo). (Abbagnano)
- Termo inventado por Thomas Hyde em 1700 para traduzir em uma fórmula sucinta uma das características mais importantes da religião persa: a oposição dos dois espíritos; desde então sua utilização imprópria levou à condenação de Arthur Lovejoy em seu consagrado The Revolt Against Dualism.
- Definição proposta
- Formulação ontológica: oposição de dois princípios; onde oposição implica antagonismo, e princípio designa a fonte de algo, nos conduzindo assim diante de duas entidades separadas na origem de criações próprias de cada; isto implica em dualismo cosmológico, expresso ao nível da criação, pelas partes do mundo que remetem à operação de cada princípio; o que nos leva a questão de um princípio “bom” e outro “mau”, responsáveis por uma criação boa e má, objeto de escolha individual e coletiva do homem.
- Definições de Ugo Bianchi:
- São dualistas as religiões e as concepções da vida segundo as quais dois princípios, coeternos ou não, fundam a existência, real ou “aparente”, daquilo que existe e se manifesta no mundo.
- o dualismo aparece aí onde “dois (ou vários) entre os seres (sobre-humanos e pré-humanos que governam o mundo) são concebidos como antagonistas e maus por natureza intrínseca, e eventualmente, também como titulares de uma criação que lhes é própria ou de um domínio que lhes é reservado”.
Em PSYCHANODIA, Couliano assim considera a questão do Dualismo Gnóstico (GUERRAS CELESTES):
Não será inútil lembrar aqui as principais hipóteses concernentes à formação do sentimento dualista à época onde floresceram os sistemas gnósticos:
a) O dualismo gnóstico é proveniente do Irã. É a hipótese da “religionsgeschichtliche Schule” (v. EXPERIÊNCIAS DO ÊXTASE — INTRODUÇÃO). A isso se responde em geral que existiu, sem dúvida, um tipo mesmo de dualismo no zoroastrismo (ainda que o que se chama dualismo « iraniano » não dissesse respeito senão a uma época muito mais recente), mas, que um zoroastriano não teria jamais sonhado em desqualificar o mundo em sua totalidade. O dualismo zoroastriano é pro-cósmico, enquanto que aquele dos gnósticos é anti-cósmico.
b) O dualismo gnóstico é proveniente do dualismo órfico-pitagórico-platônico. Aqueles que sustentam essa teoria lembram que, ainda que o dualismo platônico seja favorável ao cosmos, não existem menos doutrinas anti-cósmicas no orfismo e em Empédocles. Refuta-se em geral esta hipótese invocando seu caráter demasiado fenomenológico, isto é, muito pouco histórico.
c) O dualismo gnóstico é de origem judaica e se explica pela angústia do povo judeu causada pela queda do Templo em 70. Trata-se, de preferência, de uma teoria sócio-psicológica, lançada R.M.Grant e acolhida por numerosos estudiosos (o qual Jean Daniélou é sem dúvida o primeiro). É necessário convir que Grant não forneceu provas textuais para o apoio dessa hipótese e que se faz aderir, também, à posição dominante (aquela da “religionsgeschichtliche Schule”), que procura a origem de todo dualismo no Irã. Mas, a objeção a mais séria a esta teoria concerne o caráter anti-judaico das especulações sobre o demiurgo gnóstico. Segundo Hans Jonas, a ideia da origem judaica do dualismo gnóstico não é compatível com o caso do « antissemitismo agudo » que o dualismo representa. É porque Hans Jonas, ele próprio, propõe outra explicação do fenômeno:
d) O gnosticismo na sua totalidade se constitui em Samaria, isto é, em um meio judaico quanto à sua origem, mas, anti-judaico quanto à sua posição ideológica. Não discutiremos aqui esta última hipótese.
Não se deve ver nesse simbolismo do Yin-Yang, bem como no reconhecimento das dualidades cósmicas que expressa, a exemplo da do branco-preto, a afirmação de algum “dualismo”, pois se essas dualidades existem de modo muito real em sua ordem, seus termos contudo são derivados da unidade de um mesmo princípio (o Tai-Ki da tradição extremo-oriental). Aí está de fato um dos pontos mais importantes, visto que dá margem a falsas interpretações. Algumas pessoas acreditaram poder falar de “dualismo” a propósito do Yin-Yang, provavelmente por incompreensão, mas talvez algumas vezes com intenções de caráter mais ou menos suspeito. Em todo caso, no que se refere ao “pavimento mosaico”, tal interpretação é feita com maior frequência pelos adversários da maçonaria, que gostariam de basear sobre isso a acusação de “maniqueísmo”. É bem possível que certos “dualistas” tenham desviado esse simbolismo do seu verdadeiro sentido para interpretá-lo de acordo com suas próprias doutrinas, assim como puderam alterar pela mesma razão os símbolos que exprimem uma unidade e uma imutabilidade inconcebível para eles. Trata-se no entanto, em todo caso, de desvios heterodoxos que não afetam em absoluto o simbolismo em si, e, quando nos colocamos no ponto de vista propriamente iniciático, não são tais desvios que nos importa examinar. (Guénon)