gr. ethos; lat. consuetudo
Maneira de ser adquirida. — Insiste-se frequentemente no caráter passivo do hábito, que resulta simplesmente da repetição de certos atos que se tornam pouco a pouco inconscientes e mecânicos. Na verdade, é necessário uma cooperação do indivíduo: ninguém se habitua jamais completamente a uma coisa desagradável; em compensação, habituamo-nos em uma ou duas vezes a uma coisa agradável. Os efeitos do hábito são positivos: cria em nós o automatismo dos atos, isto é, uma disposição a fazer determinado trabalho com menos esforço e mais sucesso. Assimila-se com frequência, após Aristóteles, os hábitos a tudo que é adquirido através da vida social (tradições, costumes, instituições), que se opõe então à natureza humana (“o hábito é uma segunda natureza”), que se superpõe à primeira seja para constrangê-la (rigorismo moral, que leva os hábitos sociais a dominar nossos desejos naturais), seja para permitir sua expansão (a cultura é um hábito que fecunda as sementes naturais de nosso espírito). O princípio de uma vida social sadia é formar hábitos em harmonia com as tendências da natureza humana. [Larousse]
(gr. exis; lat. consuetudo; in. Habit, Custom; fr. Habitude, al. Gewohnheit; it. Abitudiné).
O mesmo que costume. Em geral, a repetição constante de um acontecimento ou de um comportamento, devido a um mecanismo de qualquer gênero (físico, fisiológico, biológico, social, etc.) Na maioria das vezes, esse mecanismo se forma por meio da repetição dos atos ou dos comportamentos e, portanto, no caso de acontecimentos humanos, por meio do exercício. Diz-se que “as coisas habitualmente acontecem assim” para indicar qualquer uniformidade nos acontecimentos, mesmo não humanos, conquanto não seja uma uniformidade rigorosa e absoluta, mas apenas aproximada e relativa, contudo capaz de permitir uma previsão provável. Nesse sentido Aristóteles disse (Ret., I, 10, 1369b 6): “Faz-se por hábito aquilo que se faz por se ter feito muitas vezes”, e acrescenta que “O hábito é, de certa forma, muito semelhante à natureza, já que ‘frequentemente’ e ‘sempre’ são próximos: a natureza é daquilo que é sempre; o hábito é daquilo que é frequentemente” (Ibid., I, 11, 1 370a 7). Com isso Aristóteles viu no hábito uma espécie de mecanismo análogo aos mecanismos naturais, que garante, de certa forma, a repetição uniforme dos fatos, atos ou comportamentos, eliminando ou reduzindo nestes últimos o esforço e o trabalho, tornando-os, assim, agradáveis.
Com esse significado esse termo foi e é constantemente usado em várias disciplinas (biologia, psicologia, sociologia) e, em filosofia moderna, tem sido tomado frequentemente como princípio de explicação de problemas gnosiológicos ou metafísicos. O primeiro a usar esse conceito com essa finalidade foi Pascal, que insistiu na influência do hábito na crença: “É o costume que torna as nossas provas mais sólidas e dignas de crédito: ele redobra o automatismo, que arrasta o intelecto sem que este se aperceba. É preciso conquistar uma crença mais fácil, que é a do hábito (habitude) e que, sem violência, sem arte, sem provas, faz-nos crer nas coisas e inclina todas as nossas forças para essa crença, de tal forma que nossa alma nela incide naturalmente” (Pensées, nQ 252). Foi esse o ponto de vista que, um século depois, serviu de base à filosofia de Hume. Ele definiu o costume como a disposição, produzida pela repetição de um ato, a renovar o mesmo ato, sem a intervenção do raciocínio (Inq. Cone. Underst., V, 1). E valeu-se desse conceito de hábito (costume) para explicar a função das ideias abstratas, que ele considerou como ideias particulares assumidas como signos de outras ideias particulares semelhantes. O costume de considerar interligadas ideias designadas por um único nome faz que o nome desperte em nós nem uma nem todas dessas ideias, mas sim o costume de considerá-las juntas, portanto uma ou outra, delas de acordo com as ocasiões. (Treatise, I, 1, 7). Hume recorre ao hábito para explicar a conexão causai: por termos visto várias vezes juntos dois fatos ou objetos, como p. ex. a chama e o calor, o peso e a solidez, somos levados pelo costume a prever um quando o outro se apresenta. O conjunto de nossa vida diária funda-se no hábito. “Sem o hábito” — diz Hume (Inquiry, cit., V, I) — “ignoraríamos inteiramente quaisquer questões de fato, além daquelas que se nos apresentam imediatamente à memória ou aos sentidos. Não saberíamos adaptar os meios aos fins, nem empregar nossos poderes naturais para produzir qualquer efeito. As ações terminariam, terminando também a parte principal da especulação”.
De modo análogo, mas em campo diferente, Bergson (talvez retomando uma ideia de Renouvier, Nouvelle monadologie, p. 298) utilizou a noção de hábito/costume para explicar as obrigações morais, que não seriam exigências da razão, mas costumes sociais que garantem a vida e a solidez do corpo social (Deux sources, p. 21).
A interpretação do hábito como ação originariamente espontânea ou livre que depois se fixa com o exercício, de tal forma que pode ser repetida sem a intervenção do raciocínio e da consciência, portanto mecanicamente, possibilitou o «50 metafísico dessa noção: uso que aparece com bastante frequência na filosofia moderna e contemporânea, especialmente no idealismo e no espiritualismo. O primeiro a tirar proveito desse uso para a construção de uma metafísica da experiência interior foi Maine de Biran, em sua obra Influência do hábito sobre a faculdade de pensar (1803) . Enquanto os hábitos passivos, que dizem respeito às sensações, reduzem a consciência, os hábitos ativos, que dizem respeito às operações, facilitam e aperfeiçoam a consciência, constituindo, por isso, um instrumento para que o espírito se liberte dos mecanismos que tendem a formar-se mediante a repetição dos seus esforços.
Essa noção de hábito/costume, que, mesmo sendo expressa nos termos da denominada “experiência interior” ou “sentido interior”, já tem alcance metafísico (pois Maine de Biran acredita que os dados dessa experiência revelam a própria realidade) e encontra correspondência na doutrina de Hegel, que lhe dedicou alguns parágrafos da sua seção sobre o espírito subjetivo, na parte dedicada à alma senciente (Ene, §§ 409-10). Hegel diz que, graças ao hábito, a alma “toma posse do seu conteúdo e conserva-o de tal forma que, nessas determinações, ela não está como sensitiva, não está em relação com elas, mas distingue-se delas, nem está nelas imersa, mas as possui sem sensação e sem consciência, movendo-se dentro delas. A alma, portanto, está livre delas, porquanto por elas não se interesse e com elas não se preocupe; e existindo nestas formas como em poder de si, está concomitantemente aberta a qualquer outra atividade e ocupação (tanto da sensação quanto de consciência espiritual em geral)”. Por esta função do hábito, de oferecer à alma a posse de certo conteúdo, de tal forma que ela possa utilizar esse conteúdo “sem sensação e sem consciência” (de modo que sensação e consciência tornam-se livres novamente disponíveis para outras operações), Hegel ressaltou a importância do hábito para a vida espiritual. “O hábito” — disse ele — “é mais essencial para a existência do que qualquer espiritualidade no indivíduo, para que o sujeito exista como sujeito concreto, como idealidade da alma; para que o conteúdo religioso, moral, etc, pertença a ele como ele mesmo, a ele como a essa alma; para que não esteja nele apenas em si (como disposição), nem como sensação e como representação transitória, nem como interioridade abstrata separada do fazer e da realidade. mas no seu ser”. Isto quer dizer que o hábito incorpora certo conteúdo no próprio ser da alma individual, como uma posse efetiva, que se traduz em ação real.
Na esteira de Maine de Biran, Ravaisson propôs uma metafísica do hábito, que expõe num famoso trabalho (Sobre o hábito, 1838). No hábito, Ravaisson viu uma ideia substancial, ou seja, uma ideia que se transformou em substância, em realidade, e que age como tal. O hábito não é um mecanismo puro, mas uma “lei de graça”, porquanto indica o predomínio da causa final sobre a causa eficiente. Permite. pois, que se entenda a própria natureza como espírito e como atividade espiritual, uma vez que demonstra que o espírito pode tornar-se natureza e a natureza, espírito. Permite organizar todos os seres numa série cujos limites extremos são representados pela natureza e pelo espírito. “O limite inferior é a necessidade, o destino, se quisermos, mas na espontaneidade da natureza; o limite superior é a liberdade do intelecto. O hábito desce de um para outro, reaproxima esses contrários e, reaproximando-os, revela sua essência íntima e sua conexão necessária.” A partir de Bergson, esses conceitos foram retomados com frequência no espiritualismo contemporâneo, para explicar de certa forma o “mecanismo da matéria” e reintegrá-lo na espontaneidade espiritual.
(gr. ethos; lat. habitus; in. Habit; fr. Disposition; al. Fertigkeit; it. Abito).
É preciso distinguir o significado deste termo do significado de costume, com o qual é frequentemente confundido. Significa uma disposição constante ou relativamente constante para ser ou agir de certo modo. P. ex., o “hábito de dizer a verdade” é a disposição deliberada, neste caso um compromisso moral de dizer a verdade. É coisa bem diferente do “costume de dizer a verdade”, que implicaria o mecanismo de repetir frequentemente essa ação. Assim, “o hábito de levantar-se cedo pela manhã” é uma espécie de compromisso que pode representar esforço e sofrimento; “o costume de levantar-se cedo pela manhã” não representa esforço algum, porque é um mecanismo rotineiro.
Essa palavra foi introduzida na linguagem filosófica por Aristóteles (Met., V, 20, 1022b, 10), que a definiu como “uma disposição para estar bem ou mal disposto em relação a alguma coisa, tanto em relação a si mesmo quanto a outra coisa; p. ex., a saúde é um hábito, porque é uma dessas disposições”. Nesse sentido, Aristóteles julga que a virtude é um hábito, por não ser “emoção” (como a cupidez, a ira, o medo, etc), nem “potência”, como seria a tendência à ira, do sofrimento, à piedade, etc. A virtude é, antes, a disposição para enfrentar, bem ou mal, emoções e potências; p. ex., dobrar-se aos impulsos da ira ou moderá-los (Et. Nic, II, 5). O mesmo significado é retomado por Tomás de Aquino, que o expõe da seguinte maneira (Contra Gent, IV, 77): “O hábito difere da potência porque não nos capacita a fazer alguma coisa, mas torna-nos hábeis ou inábeis para agir bem ou mal”.
Esse conceito manteve-se praticamente inalterado até nossos dias. Dewey assim o expõe: “A espécie de atividade humana que é influenciada pela atividade precedente e, neste sentido, é adquirida; que contém em si certa ordem ou certa sistematização dos menores elementos da ação; que é projetante, dinâmica em qualidade, pronta para a manifestação aberta; e que é atuante em qualquer forma subordinada e oculta, mesmo quando não é atividade obviamente dominante. Hábito, mesmo em seu emprego ordinário, é o termo que denota mais esses fatos do que qualquer outra palavra” (Human Nature and Conduct, 1921, pp. 40-41). Dewey achava que os termos “atitude” e “disposição” também eram apropriados a esse conceito; na verdade, estes dois últimos termos são usados com mais frequência que hábito e com significados muito semelhantes. [Abbagnano]
Chama-se hábito uma disposição de uma potência da alma tendo em vista o fim intencionado pelo sujeito, in ordine ad finem. Dessa relação essencial ao fim, segue-se que o hábito é necessariamente uma modificação boa ou má: uma disposição orientando para o fim autêntico é boa, no caso contrário, é má. Isto posto, ser-nos-á possível perceber o sentido da definição clássica do hábito:
dispositio secundum quam aliquis disponitur bene vel male.
Sob o ponto de vista predicamental, o hábito pertence à categoria qualidade, da qual ele é a primeira das quatro espécies (habitus, potentia, passibiles qualitates, figura). – Observemos ainda que os hábitos podem encontrar-se em diversas potências da alma: apetite sensível, vontade, inteligência. Evidentemente, aqui nos interessam os hábitos que têm como sujeito a inteligência, os hábitos intelectuais.
Aristóteles enumerou cinco deles, três especulativos, (inteligência, ciência, sabedoria) e dois práticos (prudência e arte). Estes dois grupos de hábitos distinguem-se pelo fim intencionado: os hábitos especulativos têm como fim o puro conhecimento, enquanto que os hábitos práticos são ordenados para a ação. Falemos, de início, dos segundos.
Hábitos práticos. – A prudência se distingue da arte por ter como matéria a atividade imanente ou moral, os atos humanos: ela é a regra desses atos (recta ratio agibilium); a arte é o conhecimento racional como regra da atividade exterior ou prática (recta ratio factibilium).
Hábitos especulativos. – A inteligência é a percepção imediata dos princípios. Como já o sabemos, ela não é o resultado da ciência, mas se encontra em seu próprio princípio. A ciência e a sabedoria são igualmente hábitos que nos dispõem ao conhecimento pela causa; porém, enquanto a ciência demonstra pela causa própria e imediata, a sabedoria vai até às causas primeiras. Todas estas distinções são bem analisadas neste texto de Tomás de Aquino (I-II. q. 57, a. 2):
“A virtude intelectual especulativa é a que aperfeiçoa o intelecto especulativo na consideração do verdadeiro, que é sua melhor obra. Ora, o verdadeiro pode ser atingido de duas maneiras: ou enquanto conhecido por si próprio, ou enquanto conhecido por intermédio de um outro. O que é conhecido por si tem papel de princípio e é percebido imediatamente pela inteligência. É devido a isto que o hábito que aperfeiçoa a inteligência com relação a tal percepção é chamado “inteligência”, no sentido de hábito dos princípios. Quanto ao verdadeiro que é conhecido por um outro, ele não é imediatamente percebido pela inteligência, mas por uma pesquisa da razão, e tem um papel de termo final. E isto pode-se produzir de duas maneiras diferentes: de uma parte, de tal maneira que ele seja último em seu gênero particular (de conhecimento); de outra parte, de maneira que ele seja termo último de todo o conhecimento humano… Neste último caso, tem-se a “sabedoria” que considera as causas mais elevadas… Com relação ao que é o último em tal ou tal gênero das coisas conhecíveis, tem-se a “ciência” que desse modo aperfeiçoa a inteligência.”
Vê-se que a ciência é tomada, nesta classificação, segundo sua significação mais restrita, como a demonstração pelas causas inferiores e próximas; neste sentido, as matemáticas e a física são ciências. A sabedoria filosófica superior, a metafísica, é tomada, neste texto, como algo à parte, relativamente à ciência. Relembremos que Aristóteles dá muitas vezes a esse termo de “ciência” uma extensão bem maior, de sorte que a metafísica, que é também um conhecimento pelas causas (pelas causas supremas), pode reivindicar o qualificativo de ciência. [Gardeil]
Distinguiremos entre vários sentidos de hábito:
1) Chama-se às vezes hábito a uma das categorias: a categoria que Aristóteles chama ter, quer dizer, ter qualquer coisa (por exemplo, uma arma), de modo que um exemplo de tal hábito ou ter é armado (está armado).
2) Chama-se também hábito ao pós-predicamento que Aristóteles chama também ter; neste caso o hábito é um estado ou disposição. O hábito designa então uma qualidade como o mostra um dos exemplos aristotélicos quando diz que “alguém tem uma ciência ou uma virtude, quer dizer, possui o hábito da ciência ou da virtude em questão. O mais comum é distinguir o hábito como predicamento ou categoria e o hábito como uma das quatro espécies de qualidade que falou Aristóteles (as outras espécies são: as faculdades ou potências ativas, as receptividades ou potências passivas e a forma enquanto configuração externa). Como categoria, o hábito é uma disposição do ente. Como qualidade, é o modo como alguém tem uma coisa ou caraterística. O sentido do hábito como qualidade tem sido o que os filósofos dilucidaram mais amiúde. A este respeito, distingue-se entre o hábito e a disposição, pois o primeiro é de maior duração que a segunda. O hábito aparece como uma possessão permanente, ao passo que a disposição é uma possessão acidental e transitória. Os escolásticos ocuparam-se especialmente da noção de hábito como qualidade. Tomás de Aquino define-o como “uma qualidade, pois por si mesma estável e difícil de remover, que tem por fim assistir à operação de uma faculdade a facilitar tal operação” (Suma Teológica). O hábito supõe a faculdade que possui, além disso, a operação ou operações desta faculdade; Por si mesmo, não executa operações. O hábito adquire-se por meio de um treino ou repetida execução de certos atos. Costuma-se distinguir entre um hábito intelectual e um moral. Por meio do primeiro facilitam-se ao espírito as operações conceptuais básicas.
É o hábito dos princípios superiores. O hábito moral é o hábito dos princípios práticos superiores. Mas embora os escolásticos tenham examinado a noção sobretudo em relação com os “hábitos humanos”, consideram sempre que os hábitos humanos são uma espécie dos hábitos em geral. Na época moderna tem-se tendido para dar à noção de hábito um sentido ao mesmo tempo psicológico e biológico. Isto sucede por exemplo em Locke e em Hume. O sentido psicológico predomina em Locke, que escreve que “quando esse poder ou habilidade no homem de fazer qualquer coisa foi adquirido mediante frequente execução da mesma coisa, é a ideia que chamamos hábito, a qual quando vai para diante e está disposta em qualquer ocasião a converter-se em ação chama-se disposição” (Ensaio). Em Hume, em compensação, há certo predomínio do gnoseológico. Para ele, o costume ou o hábito é “o grande guia da vida humana” e “todas as inferências da experiência… são efeitos do costume, não do raciocínio”. O hábito é único princípio que torna a experiência útil e nos permite esperar para o futuro um curso de acontecimentos semelhante ao que se verificou no passado. Por meio do costume ou hábito torna-se possível a predição e fundamenta-se o conhecimento dos fatos. [Ferrater]