(in. Rite; fr. Rite; al. Ritus; it. Rito).
Técnica mágica ou religiosa que visa a obter sobre as forças naturais um controle que as técnicas racionais não podem oferecer, ou a obter a manutenção ou conservação de alguma garantia de salvação em relação a essas forças. O conceito de rito como “prática relativa às coisas sagradas” foi esclarecido por Durkheim (Formes élémentaires de la vie religieuse, 1912, passim) (cf. T. Parsons, The Structure of Social Action, 2a ed., 1949, pp. 420 ss., 673 ss., etc; cf. religião). (Abbagnano)
É pelo mito que se manifesta a potência das origens. Pela iniciação, o homem tornar-se companheiro delas. É durante o rito que a energia mítica é utilizada pelo iniciado para furar o absoluto e recriar o princípio divino em terra.
De fato, pelo rito, o homem realiza em terra o modelo arquetípico. Segundo sua etimologia sânscrita (rita), a palavra “rito” designa o que é conforme à ordem.
Se ele constrói um templo, é por um ritual de consagração que ele lhe confere força e eficácia pondo-o em concordância perfeita com o arquétipo. Se ele ocupa um território, ele lhe confere valor e forma para que possa habitá-lo. É o papel do ritual. Separando-os do hábito profano, o rito dá valor de realidade a esse tempo, a esse território. O efeito do ritual é conferir uma dimensão de realidade e um sentido. A realidade manifestar-se, para a mentalidade arcaica, como força, eficácia e duração. Dessa maneira, o real por excelência é o sagrado; pois somente o sagrado é de uma maneira absoluta, age eficazmente, cria e faz durar as coisas. Os inúmeros gestos de consagração — espaços, objetos, homens, etc. — traem a obsessão do real, o desejo do primitivo para o ser. Assim, a ação do homo religiosus refere-se a um arquétipo que lhe confere sua eficácia. No Egito, a vida da natureza está ligada à ação primordial de Osíris que se torna o arquétipo da fertilidade. E também pela ação primordial de Osíris entrando na vida eterna que cada ser humano poderá conquistá-la. Houve um ato inicial de reconstituição do corpo de Osíris. É necessário refazer esse ato. Todos os rituais de embalsamamento e dos funerais no Egito antigo prendem-se ao mito osiriano. Definitivamente, todo ritual tem um modelo divino, um arquétipo.
A Festa constitui a expressão ritual mais importante das sociedades tradicionais. Ela é a representação, por excelência, do mito em terra, cada participante tornando-se o princípio mediador indispensável à encarnação do mito e à regeneração do que foi.
O Sacrifício é, sem dúvida, o rito religioso por excelência: ele tem por objeto interpor uma vítima entre os mundos profano e sagrado, tratando de colocar em contato um com o outro. O sacrifício pode ser combinado com a comunhão, quando a vítima consagrada é imolada e dividida entre os membros do grupo. Passar-se em seguida a uma elaboração mais decisiva, quando a ideia de Deus, ele próprio vítima, morre e ressuscita para fazer a ligação entre o mundo humano e o sagrado.
Podemos distinguir principalmente três espécies de ritos ou de cerimônias:
– os ritos de fecundidade, que asseguram o renascimento da Natureza.
– os ritos religiosos, que asseguram a manutenção do mundo e dos homens.
– enfim, os ritos iniciáticos, que asseguram a passagem da consciência humana do profano ao Sagrado.
Trataremos em particular da Iniciação, já que esse rito é distintivo de toda a sociedade tradicional viva. [Fernand Schwarz]
Pierre Gordon
Não se deu suficiente atenção a que os ritos são sempre, por essência, comemorativos. Eles se propõem fixar a lembrança de eventos importantes e autênticos, ligados ao sagrado. É por aí que eles se referem à experiência, e não a simples visões mentais. Eles repousam, em outros termos, sobre uma realidade, e não sobre símbolos. Eles não são menos profundamente iniciáticos, pelo fato mesmo de serem comemorativos: o que com efeito eles comemoram, são relações estabelecidas, por um ancestral, entre a humanidade espaço–temporal e a energia transcendente própria ao universo dinâmico. O grande cenário litúrgico dos capítulos II e III do Gênesis, — cenário que constitui o proto-ritual ou ritual edênico — é significativo a este respeito; relata fatos, como a vida inicial do homem no estado de super-homem e seu recuo mental posterior, — recuo que provocou uma modificação tanto em sua visão das coisas quanto nas modalidades de sua ação sobre elas. Ora estes fatos são a base mesma de todo iniciatismo, posto que indicam ao mesmo tempo a existência original de um nível de conhecimento e de poder superior ao nível atual e a causa do desnivelamento (a saber, a recusa do dom total de si, oposto pelo super-homem-primeiro homem ao Ser); o processo da descolagem e da queda deixa de sobra pressentir aquele da elevação e da restauração.
Em todos os povos, a Imagem do Mundo se acompanhou, e se acompanha ainda, de métodos rituais precisos, destinados a pôr o homem em relação com a energia transcendente oculta nas dobras do universo fenomenal.
Estes métodos se resumem, grosso modo, aos três pontos seguintes: 1) determinar o onfalos do cosmos, dito de outro modo o foro de onde irradia o mana da sobrenatureza; 2) voltar-se para ele (orientação); 3) girar ao redor dele, a fim de se penetrar de seus eflúvios (circunvolução, danças em giro). ( Gordon Imagem Mundo )
Titus Burckhardt
El rito es el acto cuya propia forma resulta de una Revelación divina. Por consiguiente, la perpetuación del rito es en sí misma un modo de Revelación, que está presente en el rito en su noble aspecto intelectual y ontológico, pues cumplir un rito no sólo es evocar un símbolo sino participar, virtualmente al menos, en un cierto modo de ser, que tiene una extensión extrahumana y universal. El significado del rito coincide con la esencia ontológica de su forma.
Por lo general, el hombre de espíritu moderno es propenso a no ver en un rito más que un apoyo de una actitud ética, que es la única que le parece puede dar eficacia al rito, si es que le reconoce algún tipo de eficacia. Lo que no ve es la naturaleza implícitamente universal de la forma cualitativa del rito. Con seguridad, un rito sólo produce frutos si se cumple con una intención (niyya) conforme con su sentido, pues, según una máxima del Profeta, «Las acciones no valen sino por las intenciones». Pero evidentemente esto no significa que la intención sea independiente de la forma de la acción. Precisamente es porque la actitud interior se adapta a la cualidad formal del rito, cualidad que manifiesta una realidad ontológica e intelectual a la vez, por lo que el acto se separa de la esfera psíquica individual.
La quintaesencia de los ritos musulmanes, su elemento sacramental como si dijéramos, es la Palabra divina que transmiten. Palabra que además está contenida en el Corán; la recitación del texto coránico constituye por sí sola un rito. En algunos casos esta recitación se concentra en una sola frase que se repetirá un número determinado de veces, con el fin de actualizar su verdad profunda y su gracia particular. Esta práctica es tanto más corriente en el Islam por cuanto el Corán se compone, en gran parte, de fórmulas concisas, con sonoridad rítmica, que se prestan a las letanías y a la «encantación». Para el exoterismo las prácticas jaculatorias no pueden tener más que una importancia secundaria; fuera del esoterismo, que hace de ellas un medio básico, nunca se las utiliza de manera metódica. (Burckhardt Sufismo)
René Guénon
La Liberación, con las facultades y los poderes que implica en cierto modo “por añadidura”, y porque todos los estados, con todas sus posibilidades, se encuentran comprendidos necesariamente en la absoluta totalización del ser, pero que, lo repetimos, no deben considerarse más que como resultados accesorios e incluso “accidentales”, y de ninguna manera como constituyendo una finalidad por sí mismos, la Liberación, decimos, puede ser obtenida por el yogi ( o más bien por el que deviene tal en razón de esta obtención ) con la ayuda de las observancias indicadas en el yoga-Shâstra de Patanjali. Puede ser facilitada también por la práctica de algunos ritos[[Estos ritos son completamente comparables a los que los musulmanes colocan bajo la denominación general de dhikr; reposan principalmente, como ya lo hemos indicado, sobre la ciencia del ritmo y de sus correspondencias en todos los órdenes. Tales son también, en la doctrina, por otra parte parcialmente heterodoxa, de los Pâshupatas, los que se llaman vrata ( voto ) y dwâra ( puerta ); bajo formas diversas, en el fondo todo eso es idéntico o por lo menos equivalente al Hatha-yoga.]], así como de diversos modos particulares de meditación ( harda-vidyâ o dahara-vidyâ )Chhândogya Upanishad)), 8 Prapâthaka.; pero, entiéndase bien, todos estos medios no son más que preparatorios y no tienen, a decir verdad, nada de esencial, ya que “el hombre puede adquirir el verdadero Conocimiento, incluso sin observar los ritos prescritos ( para cada una de los diferentes categorías humanas, en conformidad con sus caracteres respectivos y concretamente para los diversos âshramas o periodos regulares de la vida )[[Por lo demás, del hombre que ha alcanzado un cierto grado de realización se dice que es ativarnâshrami, es decir, más allá de las castas ( varnas ) y de los estados de la existencia terrestre ( âshramas ); ninguna de las distinciones ordinarias se aplica ya a un tal ser, desde que ha rebasado efectivamente los límites de la individualidad, incluso sin haber llegado todavía al resultado final.]]; y, en efecto, se encuentran en el Veda muchos ejemplos de personas que han descuidado cumplir tales ritos ( cuya función el mismo Veda la compara a la de un caballo de silla que ayuda a un hombre a llegar más fácil y más rápidamente a su meta, pero sin el cual puede llegar no obstante también ), o que han sido impedidos de hacerlo, y que, sin embargo, a causa de su atención perpetuamente concentrada y fijada sobre el Supremo Brahma ( lo que constituye la única preparación realmente indispensable ), han adquirido el verdadero Conocimiento que Le concierne ( y que, por esta razón, se llama igualmente “supremo” )”Brahma-Sûtras)), 3er Adhyâya, 4 Pâda, sûtras 36 a 38.. ( Guenon Ritos Iniciaticos )
DUAS NOITES
Bajo la relación de la realización, lo que hay que retener sobre todo de estas consideraciones, si la realización se cumple a partir del estado humano, es que el cuerpo mismo es el que debe servirle de base y de punto de partida; el cuerpo es su «soporte» normal, contrariamente a algunos prejuicios corrientes en occidente, según los cuales no se querría ver en él más que un obstáculo o tratarle como «cantidad despreciable»; la aplicación al papel que juega un elemento de orden corporal en todos los ritos, en tanto que medios o auxiliares de la realización, es demasiado evidente como para que haya necesidad de insistir más en ello. Por lo demás, ciertamente habría que sacar de todo eso muchas otras consecuencias que no podemos desarrollar al presente; concretamente, ahí se puede entrever la posibilidad de algunas transposiciones y «transmutaciones» muy inesperadas para quien jamás ha pensado en ello; pero, bien entendido, no es concibiendo el cuerpo según las teorías «mecanicistas» y «psicoquímicas» de los modernos como será posible comprender nunca nada de él.
Fernand Schwarz
É pelo mito que se manifesta a potência das origens. Pela iniciação, o homem torna-se companheiro delas. É durante o rito que a energia mítica é utilizada pelo iniciado para furar o absoluto e recriar o princípio divino em terra.
De fato, pelo rito, o homem realiza em terra o modelo arquetípico. Segundo sua etimologia sânscrita (rita), a palavra “rito” designa o que é conforme à ordem.
Se ele constrói um templo, é por um ritual de consagração que ele lhe confere força e eficácia pondo-o em concordância perfeita com o arquétipo. Se ele ocupa um território, ele lhe confere valor e forma para que possa habitá-lo. É o papel do ritual. Separando-os do hábito profano, o rito dá valor de realidade a esse tempo, a esse território. O efeito do ritual é conferir uma dimensão de realidade e um sentido. A realidade manifestar-se, para a mentalidade arcaica, como força, eficácia e duração. Dessa maneira, o real por excelência é o sagrado; pois somente o sagrado é de uma maneira absoluta, age eficazmente, cria e faz durar as coisas. Os inúmeros gestos de consagração — espaços, objetos, homens, etc. — traem a obsessão do real, o desejo do primitivo para o ser. Assim, a ação do homo religiosus refere-se a um arquétipo que lhe confere sua eficácia. No Egito, a vida da natureza está ligada à ação primordial de Osíris que se torna o arquétipo da fertilidade. E também pela ação primordial de Osíris entrando na vida eterna que cada ser humano poderá conquistá-la. Houve um ato inicial de reconstituição do corpo de Osíris. É necessário refazer esse ato. Todos os rituais de embalsamamento e dos funerais no Egito antigo prendem-se ao mito osiriano. Definitivamente, todo ritual tem um modelo divino, um arquétipo.
A Festa constitui a expressão ritual mais importante das sociedades tradicionais. Ela é a representação, por excelência, do mito em terra, cada participante tornando-se o princípio mediador indispensável à encarnação do mito e à regeneração do que foi.
O Sacrifício é, sem dúvida, o rito religioso por excelência: ele tem por objeto interpor uma vítima entre os mundos profano e sagrado, tratando de colocar em contato um com o outro. O sacrifício pode ser combinado com a comunhão, quando a vítima consagrada é imolada e dividida entre os membros do grupo. Passar-se em seguida a uma elaboração mais decisiva, quando a ideia de Deus, ele próprio vítima, morre e ressuscita para fazer a ligação entre o mundo humano e o sagrado.
Podemos distinguir principalmente três espécies de ritos ou de cerimônias:
- os ritos de fecundidade, que asseguram o renascimento da Natureza.
- os ritos religiosos, que asseguram a manutenção do mundo e dos homens.
- enfim, os ritos iniciáticos, que asseguram a passagem da consciência humana do profano ao Sagrado.
Trataremos em particular da «iniciação», já que esse rito é distintivo de toda a sociedade tradicional viva.
Um rito pode ser definido como uma série de gestos, respondendo a necessidades essenciais, gestos que devem ser executados de acordo com uma certa eurritmia. Segundo sua etimologia sanscrítica, a palavra designa aquilo que se realiza de acordo com a ordem (rita). Sua origem se perde na noite dos tempos e permanece desconhecida até mesmo daqueles que o praticam, ainda que dela tenham guardado uma memória hereditária.
Nada há de gratuito em tais cerimônias. 0 conjunto destes gestos é um processo de realização composto de cânticos, músicas, palavras, reproduzindo atitudes naturais que de início correspondiam a reflexos provocados espontaneamente em circunstâncias análogas, atendendo às mesmas necessidades. São gestos elementares que realizamos todos os dias e que acompanham nossa maneira de viver, de andar, de vestir, de manifestar nossa benevolência ou nossa hostilidade.
Os ritos do banho, da refeição, do amor, da morte, santificam os momentos, importantes da existência, o nascimento de uma criança, as abluções do batismo, o casamento, que exigia o rapto da noiva, os funerais, com o enterro do defunto como uma semente destinada a renascer, enfim o banquete, que complementa toda verdadeira cerimônia e que é santificado pelo simbolismo nutritivo da Eucaristia.
Todos os ofícios têm o seu ritual. A agricultura antiga obedecia a regras religiosas, assim como a arquitetura, notadamente a dos templos, que disso conservaram vestígios de orientação e consagração, ou a metalurgia, da qual vimos o simbolismo transformar-se em alquimia.
Na aurora dos tempos arcaicos não havia diferença entre um gesto profano e um rito sagrado, já que não existia o domínio do profano. Numa civilização tradicional, toda função era sacerdócio. Nada ficava excluído do sagrado e, por conseguinte, nada era impuro. Essa noção de impureza, como a de um pseudo-rito “negativo”, não passa de uma não-interpretação do caráter sempre “positivo” dos ritos autênticos e um desconhecimento de sua ambivalência essencial.
Toda ocupação cotidiana era ritual. Nós mesmos, homens de hoje, quando retiramos o chapéu por respeito, quando inclinamos a cabeça com deferência, quando estendemos a mão por cortesia, repetimos um rito antigamente sagrado e tornado profano, um símbolo transformado em simples hábito, embora seja muitas vezes perigoso para a nossa segurança, ou simplesmente para a nossa reputação, o não executá-lo. Como dizia um texto confuciano, os ritos permitiam unir as vontades, orientar as ações, harmonizar as almas e atingir um equilíbrio geral de forças, tanto físicas como sociais. Isso pode levar-nos a considerar Confúcio um Pitágoras chinês. Na China antiga, era crime modificar um rito por pouco que fosse, e punido como tal. Essa harmonização coletiva não passava de uma aplicação da lei das correspondências sutis que reúne os diferentes níveis do ser humano. Se pedirmos à ciência a legitimação desses atos, ela mostrará facilmente que sua importância depende de relação psicossomática que os une ao espírito do celebrante, como já o foi amplamente demonstrado na primeira parte desse trabalho. Certos ritos religiosos, chamados sacramentos, permitiram e permitem transmitir uma influência espiritual que facilitará uma realização metafísica.
Os ritos acabaram por delimitar um círculo reservado, isto é, sagrado, nas civilizações que laicizaram no conjunto o seu domínio. Ora, tornar sagrado aquilo que fazemos, aquilo que somos, chama-se sacrificar, fazer um sacrifício, dedicando estes atos às potências invisíveis, das quais esperamos em retribuição ajuda e proteção, ainda quando estas potências se escondam sob a aparência da lei dos grandes números ou do cálculo das probabilidades.
Inumeráveis foram as formas desta súplica muda, desde os sacrifícios dos astecas ou dos egípcios no tempo das primeiras dinastias, até a matança das grandes guerras. Os sete sacramentos cristãos tornaram-se puros símbolos, cuja significação é precisada pelas orações comunitárias. Essa noção de sacrifício sobre a qual repousa sua tradição teve um desenvolvimento extraordinário entre os arianos védicos A. Daniélou nos revela que houve na Índia sacrifícios de cavalos que duraram anos, utilizaram milhares de sacerdotes e absorveram o lucro de grandes reinos.
A atividade ritual se insere no correr do ano, dos meses e dos dias, obedecendo aos ritmos fundamentais que determinam a vida, o ritmo cardíaco e o da respiração. O ritmo do pé tocando o solo gerou a dança a que acompanham geralmente o canto e a música. Trata-se de um gesto primitivo e primordial explicitado na China e entre os negros da África pelas danças do urso, e entre os ameríndios pelas do bisão, da águia, do condor e da serpente.
Deste ponto de vista, a Índia nos oferece o estágio mais elaborado dessa pulsação vital com a figura de Shiva, o deus da atividade e da alegria cósmica, cuja aparência popular é a de Rei da Dança (nataraja). Manifesta a energia vital no incessante defrontar de duas forças opostas. A mão direita do deus bate um pequeno tambor que marca o ritmo de sua dança. A mão esquerda mostra na palma uma língua de fogo. Dança sobre o corpo esmagado de um anãozinho que representa o homem mergulhado na sua ignorância. A auréola de chamas que o envolve simboliza a vitalidade inexaurível da natureza, assim como as luzes de seu conhecimento.
Sobre o mesmo tema, em nível mais humano, as dançarinas hindus desenvolvem a expressão dos oito sentimentos codificados pela sua arte: o amor, a compaixão, a surpresa, o riso, a cólera, a coragem, o terror e a paz, graças aos 50 gestos de suas mãos (mudras = selos das alianças) e às 125 atitudes de seu corpo.
As danças sagradas nos introduzem nos bastidores do teatro grego, onde reinava também a “choreia”, a rítmica, que unia a poesia, a música e a dança e que tinha na vida dos helenos uma importância maior que a das artes plásticas. Os mistérios órficos e dionisíacos comportavam danças como os nossos mistérios da Idade Média. E Platão dizia: “Seria necessário que nossos jovens dançassem, não apenas com perfeição, mas a perfeição”.
Encontramos no Japão um exemplo comparável da simbólica do teatro com o nô, cujos atores faziam acompanhar de um texto salmodiado suas atitudes hieráticas. Representam-se geralmente cinco nô por sessão. Vê-se no palco um peregrino ou um viajor chegando a um local ilustrado por uma antiga lenda, narrada a guisa de introdução por um camponês do lugar. Surgem em seguida as personagens do drama sob formas de espíritos ou de fantasmas, representados pelos habitantes do lugarejo. Alguns destes atores usam máscaras e todos se deslocam numa lentidão ritual. À esquerda dez figurantes formam o corpo, e à direita uma flauta, dois tamborins e um tambor constituem a orquestra.
Prosseguindo nessa linha do ritmo, que nos conduziu da dança à música e ao teatro, temos as festas rituais celebradas no início e no fim do ano, cuja finalidade essencial visa à renovação. Ela é geralmente simbolizada pela extinção e reanimação do fogo, o que não é um rito em desuso, já que fazemos ainda a fogueira de São João e que o mesmo rito periodicamente se efetua no Arco do Triunfo diante do túmulo do soldado desconhecido. Isso mostra que, além dos ritos religiosos, existem também ritos cívicos que deles se tornaram contrafações modernas.
Atividades que hoje nos parecem simples jogos, como o xadrez, as cartas, a pelota, o balanço, foram rituais. Sem esquecer as máscaras de Carnaval que permitem, como as Saturnais antigas ou as Orgias primitivas, restringir a alguns dias ou semanas excessos não consentidos em outras épocas.
Todos os povos praticaram mais ou menos esses ritos fundados na necessidade de uma certa coerência social. Mas existem outros inesperados, ainda que nos pareçam tão bem adaptados quanto os primeiros aos prazeres cotidianos, como um fumar cachimbo ou tomar uma xícara de chá.
Entre os Sioux concentrados nas reservas do Dakota, o Cachimbo sagrado, Calumet descido do céu, cuja fumaça se eleva como um incenso, representa como nos diz F. Schuon, uma síntese doutrinal e um instrumento ritual sobre o qual está centrada a vida espiritual dos Peles-Vermelhas. O ritual completo do Cachimbo supõe três fases, da purificação pela fumaça, sua expansão pelas dimensões do universo até o simbolismo do sacrifício pelo fogo.
No Japão, a cerimônia do chá provém de um ritual.instituído pelos monges zen que tinham o hábito de tomar seu chá numa tigela diante da imagem de seu fundador Bodhidharma. Tudo o que era necessário a esse rito, da casa de chá ao jardim que a cerca e à aleia que aí nos conduz, dá impressão de simplicidade, de serenidade e de pureza. Em luz tênue, envolvida de silêncio e onde se esbate o tom discreto das paredes nuas, foram dispostos fogareiros de ferro e escuta-se apenas o murmúrio da água que canta na chaleira, cujo marulhar surdo parece vir de uma catarata ou de um mar longínquo…
São as mesmas Nippons fiéis do zen que praticam o rito do tiro de arco. Sucedendo à moca de madeira dura, ao machado de pedra e à funda, o arco foi a primeira arma um pouco mais precisa do homem pré-histórico. No domínio das artes e das armas, tendo como condição o domínio de si, o uso do arco tornou-se no Japão uma escola de concentração espiritual. O atirador deveria tornar-se bastante hábil, bastante desligado, para retesar o arco tão naturalmente quanto respira e soltar a flecha de tal forma despreocupado que atinja o seu objetivo até de olhos fechados. Sendo a flecha o arqueiro e Deus o alvo, só se pode atingi-lo num despojamento absoluto.
O teatro e o tiro de arco conduzem-nos aos rituais antigos da caça e da guerra que, na cavalaria, tornaram-se ritos de iniciação. Nós nos deteremos em duas práticas mais reveladoras da significação geral desses costumes, as práticas das peregrinações e das viagens, que, aliás, tiveram seguramente uma relação entre si.
É difícil precisar, por exemplo, os motivos que determinaram as Cruzadas, a fé ou a guerra, sem dúvida inseparáveis no espírito cavaleiresco. Quanto ao teatro, não se trata apenas de um símbolo completo da vida humana, mas acha-se ligado às viagens em sua origem e, entre todos os povos, começou por ser ambulante.
Em muitas tradições os diferentes estágios iniciáticos são considerados como etapas de uma viagem ou de uma navegação. Este estado de vagabundagem é um estado de provação do qual as diversas aventuras, como as de Ulisses na Odisséia ou as do herói chinês de Si-Yeou-Ki, podem ser consideradas como uma ilustração dos Pequenos Mistérios.
Existe enfim um último rito, o mais importante talvez, ainda que não seja habitual considerá-lo dessa perspectiva, e que é a escrita. É um símbolo da linguagem falada, que é também simbólica. É portanto um símbolo de segundo grau. Mas, se o homem fala desde que existe, só escreveu de uns 30.000 anos para cá”, durante os quais a escrita ultrapassou as etapas sucessivas: dos pictogramas pré-históricos que transmitem mensagens em “fitas desenhadas”, ideogramas egípcios e chineses que apenas comunicavam a ideia, até os alfabetos silábicos e fonéticos dos fenícios que transmitem a palavra e o som, sem que tenha forçosamente havido evolução de uns para os outros.
Os ¡deogramas constituem o que se poderia chamar a escrita absoluta, já que independem da língua falada. Constituem uma linguagem sintética e muda, puramente visual, como os algarismos ditos arábicos que podem ser compreendidos por todos os povos, ainda que não se refiram às mesmas palavras.
Praticada na origem pelos sacerdotes, pelos secretários dos antigos soberanos, a escrita por muito tempo foi um depósito sagrado protegido, como o eco de uma língua original, onde a forma das letras era hierática, já que estava destinada a veicular uma ideia cuja transcendência original correspondia à transcendência do mundo. Pois o mundo era considerado como um livro que desvelava a mensagem divina, e as escritas tradicionais não passavam de traduções disso numa língua visível. Realmente a “ciência das letras”, diz René Guénon, era o conhecimento de todas as coisas e a caligrafia, que reproduzia o processo cosmogônico, era um rito prévio á iniciação dos escribas, iodos clérigos por natureza. (Benoist)