noûs

νοῦς: inteligência, intelecto, espírito

1. A busca de uma ordem ou de um princípio ordenador está implícita tanto na mitologia como na filosofia gregas desde os princípios, nos mitos pela aplicação de um arranjo genealógico que remonta a uma fonte original ou «pai» para a confusão de deuses derivados de uma variedade de fontes, e entre os filósofos milésios pela sua procura de uma arche. Esta última procura de um «pai» das coisas recebeu a sua confirmação inicial com a descoberta de um «pai» que consumiu todos os seus «filhos», i. e., o on de Parmênides. Mas o regresso a uma fonte é só um tipo de ordem, e os pensadores com orientação de espírito muito diferente investigaram o problema noutras direções. Há, insiste Heráclito, uma ordem oculta sob as aparências das coisas, ordem que ele descreve como o logos (q. v. 1). Os pitagóricos foram ainda mais longe: descobriram que esta ordem podia ser expressa em termos matemáticos (ver harmonia) e, tornada explícita, que podia ser aplicada ao universo como um todo (ver kosmos).

2. As condições cinéticas impostas por Parmênides haviam levado os seus sucessores a postular uma espécie de motor externo para explicar a mudança no mundo sensível (ver kinesis 2, kinoun 1). Para o fazer Empédocles entrara na esfera moral por hipostasiações (v. hypostasis) das forças motoras humanas do «Amor» e do «Ódio» (ver kinoun 2), mas pela sua escolha de um motor Anaxágoras voltou-se para outra tradição. O que Parmênides fizera na ontologia fora já realizado na teologia por Xenófanes. Parte da luta de Xenófanes contra o antropomorfismo (ver mythos 1, theos 1) foi a sua insistência em que Deus deve ser completamente imóvel (frg. 26; aqui o argumento baseia-se em «o que é adequado», prepon, um motivo estético, moral e teológico recorrente) e realiza os seus fins pelo poder do seu espírito (noûs) apenas (frg. 25). Estes pontos de vista estão prenhes de futuros desenvolvimentos. Além de estabelecer, aqui no começo do discurso teológico, a natureza intelectual de Deus, a opinião de Xenófanes enfrenta o problema da sua atividade no mundo e tira a conclusão de que esta deve realizar-se sem qualquer mudança no próprio Deus (ver Esquilo, Suppl. 96-103). Dada a dificuldade do tratamento deste tema, a sua determinação fica para outros (ver kinoun 9, pronoia 2, proodos 2).

3. Anaxágoras volta à noção de Deus de Xenófanes com noûs ao postular uma força motriz que faz com que a «mistura» original rode e se separe em vários elementos (ver genesis 7). Porque a hipóstase moral de Empédocles foi substituída por um princípio intelectual, noûs, que é separado da massa sobre a qual atua (frg. 12; mas também é curiosamente imanente; ver noesis 4). A sua operação é descrita como «ordenadora» (diakosmesis), e conhece todas as coisas, o passado, o presente e o futuro (frg. 12 cont.). Aqui, portanto, a ordem pitagórica e heraelítica do universo, governada, segundo Heráclito (frg. 64), pelo fogo todouniversal, é posta sob a tutela de uma força intelectual e finalizada cujo conhecimento abarca não só os acontecimentos do passado e do presente mas também os do futuro.

4. O aer de Diógenes de Apolónia, o qual no seu estado aquecido é o noûs (ver noesis 5), é mais uma arche dos Milésios do que um kinoun pós-parmenidiano (ver noesis 4), mas tem um sentido de finalidade ainda mais fortemente desenvolvido (telos). Tanto Sócrates (Fédon 97b) como Aristóteles (Metafísica 984b) tinham criticado Anaxágoras pelo seu uso mecanicista do noûs, mas Diógenes é um pouco mais cuidadoso no tratamento do problema. A operação do aer – noûs é testemunhada pelo fato de que todas as coisas operam de acordo com um princípio de medida (metron) e da melhor maneira possível (frg. 3; o seu próprio exemplo é a sucessão regular das estações).

Para a história subsequente destes motivos teleológicos, ver telos.

5. Em adição ao noûs imanente nas almas humanas (o logistikon; ver psyche 15, 18) cuja operação é conhecer os eide e governar todas as outras partes da alma (ver noesis 8-9), há, em Platão, um noûs cósmico. Esta razão cósmica emerge no Phil. 26e-27c onde é chamada «o fautor» (demiourgoun, poioun), a «causa da mistura» que é o mundo da genesis. Quase os mesmos termos são aplicados ao demiourgos do Timeu onde o kosmos noetos é chamado a obra do noûs (47e). Ora o noûs é uma propriedade essencial dos deuses partilhada apenas por alguns homens (ibid. 51e) e parece mais que provável que este noûs cósmico é divino (ver Phil. 30d, Timeu 30b). Governa tudo (Leis 875c-d), ordenou o universo (ibid. 966e), e a sua revolução, refletida no movimento dos céus, é um paradigma moral para o homem (ibid. 897d-898a; ver noesis 10).

6. Mas qualquer tentativa para localizar este noûs divino, a causa cósmica do universo, dentro do quadro da metafísica geral de Platão é recebida com frustração, e não o é menos em virtude da natureza «mítica» do relato no Timeu. Com frequência somos informados de que o noûs tem de existir numa alma (ver Soph. 249a, Phil. 30c, Timeu 30b), e não há razões para pensar que isto se refere apenas aos intelectos humanos. Se isto é verdade localiza o noûs, cósmico ou não, abaixo dos eide. O estatuto intermediário da alma no sistema platônico é bem frisado (imortal e imaterial como os eide, plural e sujeita aos pathe como os aistheta; ver psyche 14 e, para a tradição posterior, 29), e somos informados muito especificamente de que o noûs tem uma relação dependente dos eide que são a causa da existência do noûs na alma: o noûs é a capacidade da alma perceber os eide (República 508e). Assim se frustram quaisquer tentativas para encontrar um Deus ou deuses transcendentes em Platão (no Fedro Platão diz que os deuses devem a sua divindade à sua proximidade dos eide), ou mesmo de o ou os identificar com o Bem que está «para além do ser» na Republica 509b. Outra escola de pensamento, todavia, vê o noûs cósmico como o noûs da Alma do Mundo (psyche tou pantos), rejeitando como mito o fato de no Timeu a Alma do Mundo ser criada pelo demiourgos (34c).

7. Deste modo, pois, Platão cumpre o desiderato da queixa de Sócrates contra o noûs de Anaxágoras: primeiro, está declarado em termos já formulados por Diógenes que o kosmos é como é por ser o trabalho de uma causa inteligente, ajustada para ser «tão boa quanto possível» (Timeu 30 a-b), e depois, numa formulação particularmente platônica, que é uma imagem (eikon) do inteligível, um deus visível (ibid. 92c; sobre a teoria geral, ver mimesis).

8. O princípio transcendente de Aristóteles é, primeiro e antes de tudo, um «motor», desenvolvido a partir de uma série de argumentos que derivam da natureza da kinesis e da genesis (ver kinoun 7-10) e que Aristóteles, tal como Anaxágoras, escolheu para identificar como um princípio inteligente, o noûs. Mas diferentemente de Anaxágoras, ele está agora perante uma «separação» entre o material e o imaterial e assim tem de recorrer, mesmo no caso desta causa eficiente, à força motriz da causalidade final (ver kinoun 7, sympatheia 7). Tem, geralmente, uma explicação da intelecção (noesis) superiormente desenvolvida, baseada na sua teoria da energeia/dynamis que aplica também ao seu proton kinoun.

9. No De anima Aristóteles descrevera o conhecimento, em todas as suas manifestações, como o tornar-se outro, mas só quanto à sua forma, não quanto à sua matéria (III, 425b, 431b 432a). Para falar mais especificamente da noesis (q. V. 12), é uma passagem da potência ao ato (energeia) ao tornar-se a forma inteligível de outro, e isto é efetuado ao conhecer este inteligível na sua imagem sensível (III, 431b). Agora o proton kinoun é descrito como noûs e a sua energeia como noesis (Metafísica 1072b), mas é evidente que isto deve diferir um pouco das operações descritas no De anima. No primeiro caso, o noûs cósmico não é ativado por nada Visto que isto seria dizer que está em potência em relação a qualquer outra coisa e que, portanto, não é um motor imóvel. O noûs cósmico, assim, não se torna o seu objeto; é o seu objeto e isto eternamente visto que o seu objeto está sempre presente (loc. cit.). Deus pensa-se a si próprio; ele é pensamento do pensamento (noesis noeseos; ibid. 1074b), ou talvez pensamento acerca dele próprio pensando. Esta atividade contrasta explicitamente com todas as outras formas de pensamento, episteme, aisthesis, doxa, dianoia, cujo primeiro objeto de operação é «outro» (allon) e então pensando-se a si próprias, mas este último só acidentalmente (parergon; loc. cit.; para o corolário disto, desenvolvido por Proclo, de que Deus se conhece a si próprio diretamente e os noeta múltiplos só acidentalmente, ver. noeton 4).

10. Em vários lugares Aristóteles compara a noesis humana com a divina. Dado que o homem é um composto (syntheton) compreendendo um corpo e uma alma noética, a sua noesis é intermitente e exaustiva porque envolve uma passagem da potência ao ato (Metafísica 1050b, 1072b; Ethica Nichomacos X, 1175a). Mas a noesis, não obstante a natureza exaustiva da sua operação em nós, é, contudo, a função (ergon q. v.) própria tanto de Deus como do homem. E quando praticamos a contemplação (theoria) aproximamo-nos muitíssimo da vida de Deus e contribuímos muito para a nossa própria felicidade (Ethica Nichomacos X, 1177b-1178a, 1178b). Mas a noesis humana difere da sua contraparte divina em mais do que a sua intermitência. A primeira não é apenas mediata (i. e., conhece os noeta em imagens visíveis), é também discursiva; julga combinando e separando conceitos (ver noesis 12). Aristóteles tem de fato uma forma intuitiva de conhecimento humano, que chama noûs, mas parece ser postulada em bases epistemológicas e nunca aparece num contexto «místico» (ver epagoge 3, gnorimon 2).

11. O funcionamento da faculdade aristotélica do noûs é claro nas suas linhas gerais, mas a aplicação estrita dos princípios do ato e da potência levam a uma série de obscuridades. Parece haver uma distinção da faculdade dentro da alma. O intelecto tem de ser potencialmente qualquer coisa que ela conhecerá atualmente. Mas toda a passagem da potência ao ato requer um princípio já em ato (o mesmo argumento que leva ao Primeiro Motor) e assim Aristóteles postula outro intelecto que «faz todas as coisas». Estas são distinções (diaphorai) que ocorrem na alma e os dois intelectos estão um para o outro como a matéria para a forma (De anima III, 430a). Um, o intelecto passivo (pathetikos noûs), posteriormente chamado «hílico» (hylikos), é perecível. O outro, descrito como «uma espécie de estado (hexis) semelhante ao sol», é separável (choristos), não afetado (apathes), não misturado (amiges), e essencialmente uma energeia. Quando é separado (choristeis), ele por si é imortal e eterno (aidion).

12. Tudo isto ocorre num breve passo no De anima (III, 5), e esse juntamente com um passo paralelo no De gen. anim. II, 736b que afirma que o noûs, que só por si é divino e não tem ligação com qualquer energeia física, vem «do exterior» (thyrathen), provocou mais comentários do que qualquer outro texto de Aristóteles. Parece bastante claro que conhecemos porque o noûs pathetikos está ativado, i. e., torna-se a forma inteligível do objeto conhecido em virtude de operação de outra «parte» do noûs que já está em ato (ver Metafísica 1049b). Mas a origem e a natureza exata da operação deste último noûs poietikos ou inteleccão agente, como veio a ser conhecido, foram muito debatidas.

13. A maioria das complexidades posteriores entronca numa série de ensaios sobre o assunto do peripatético Alexandre de Afrodísias que distinguiu outra fase entre o noûs pathetikos e o poietikos. Esta é o intelecto in habitu que resulta do intelecto puramente passivo (também mais tarde identificado com a imaginação) que se torna potencialmente inteligível por ser iluminado paio noûs poietikos e deste modo adquire um «estado» (hexis, habitus) de inteligibilidade (De intellectu, p. 107). Além disso compara o noûs poietikos como é descrito no De anima com o do Primeiro Motor na Metafísica e conclui que o intelecto agente é, de fato, a primeira causa (proton aition; De anima, p. 89), identificação que mais tarde seria adaptada à crença neoplatônica duma série de inteligências intermediárias, em que a última emanação, o noûs poietikos de Aristóteles, se torna o dador de formas, i. e., as formas inteligíveis não são extraídas das phantasiai materiais, como em Aristóteles, mas são dadas ao intelecto humano por uma inteligência superior (ver 20 infra e noeton 6).

14. Os epicuristas reconheceram o noûs (Lucrécio: animus) como uma faculdade cognitiva distinta da aisthesis (ver noesis 14), mas num sistema materialista sem providência (pronoia) não tem qualquer papel cósmico importante. No estoicismo, todavia, o noûs humano ou hegemonikon (ver noesis 15) é uma manifestação do noûs cósmico ou logos que invade, dirige e governa tudo (D. L. VII, 135, 138). Chamar ao logos tanto noûs (no seu aspecto providencial) como physis (no seu aspecto criativo) é obscurecer a distinção que Aristóteles traçara entre os dois, mas o ponto de vista mais aristotélico (e platônico) começa uma vez mais a prevalecer na tradição a partir do tempo de Posidônio quando o noûs reaparece como uma característica exclusiva dos homens, imortal, produto do mundo supralunar (ver noesis 17, sympatheia 5). Os platônicos deste período, por outro lado, puderam afirmar a transcendência do noûs sem as restrições imanentistas impostas pela tradição estóica.

15. Desde o renascimento da teoria do eidos com Antíoco de Ascalão (ver Cícero, Acad. post. I, 30-33 onde Varrão dá o ponto de vista filosófico de Antíoco) houve um novo interesse pelos problemas da causalidade no kosmos noetos. Para resolver alguns dos problemas, os estudiosos platônicos deste período não hesitaram em recorrer a Aristóteles. Assim, os elementos puramente platônicos emergem de uma síntese do Bem para além do ser na República, do Uno do Parmênides, do noûs do Filebo, e do demiourgos do Timeu: a primeira causa é o noûs, fonte de todo o bem no universo, para além da qualificação e descrição (Albino, Epit. X, 1-4; sobre a causa «inefável», ver agnostos). Este protos noûs do Filebo é também o demiourgos do Timeu que contempla os eide na sua criação do kosmos, só que os eide estão agora localizados no espírito do demiourgos (ibid. XII, 1 e noeton 2).

16. Mas também há para isto uma posição aristotélica. O primeiro noûs pensa-se a si próprio e, embora ele próprio seja imóvel (akinetos), move outros como objeto de desejo (orekton, loc. cit.). Aristóteles designara ainda o proton kinoun como Deus e os seus comentadores posteriores identificaram ambos com o noûs poietikos do De anima. Albino, na descrição do protos noûs como pensando-se a si mesmo à maneira prescrita por Aristóteles (Epit. X. 3), tem um outro princípio subordinado, um segundo noûs transcendente que é sempre ativado e que é «o noûs de todo o céu», descrição que pelo menos sugere o proton kinoun da Metafísica. O que parece provável é que Albino tenha distinguido a causalidade final e eficiente que Aristóteles unira, atribuindo a primeira ao protos noûs que se move «como um objeto de desejo» (X, 2) e a segunda ao noûs subordinado. Há, finalmente, um terceiro noûs transcendente, uma faculdade da Alma do Mundo (X, 3). São aqui visíveis todos os motivos do neoplatonismo: três princípios transcendentes hipostasiados que podem ser denominados, em função da sua ênfase, o Bem, noûs, psyche, procedendo toda a causalidade do primeiro, mesmo aqui descrito como «semelhante ao sol» ou «Pai».

17. Está também presente um outro traço caraterístico não só do platonismo tardio mas igualmente de toda a tradição filosófica pós-aristotélica. Platão considera as estrelas como seres vivos inteligentes (ver ouranioi 6) e Aristóteles dá a cada uma um motor inteligente (ver kinoun 11-12, ouranioi 3). Os platonistas médios incorporaram também isto nos seus sistemas. Os planetas são seres vivos intelectuais que habitam no aither (Albino, Epit. XIV, 7) e abaixo deles encontram-se os daimones do aer, deuses também, filhos do «Pai», mais perfeitos do que os homens e responsáveis por augúrios e prodígios (ibid. XV, 2; Máximo de Tiro XI, 12; Apuleio, De deo Socr. 6; ver daimon 3-4, psyche 35).

18. Como já se indicou (ver 6 supra), o noûs – demiourgos em Platão parece estar subordinado aos eide e, por isso, ao Bem da República de igual modo. O primeiro noûs de Albino abarca todas estas entidades, mas, além disso, podem ver-se novas ênfases. O protos noûs começa a dar lugar ao henagathon do Parmênides e da República e a função do noûs – demiourgos a centralizar-se na segunda hipóstase. Estas são as opiniões de Numênio (ver Eusébio, Praep. Evang. XI, 356d-358b), como serão as de Plotino, roubadas, como dizem alguns, a Numênio (ver Porfírio, Vita Plot. XVII, 1). Mas há também diferenças. A segunda hipóstase de Numênio é dupla; a sua função primária, é a noesis, que degenera em dianoia discursiva devido ao seu envolvimento com a matéria (Eusébio, op. cit. XI, 537; Proclo, In Timeu III, 103). Em Plotino, que também faz uso do conceito de «atenção» (phrontis; ver noesis 21), a polaridade é transferida para a terceira hipóstase; é a alma cósmica que tem um lado «superior» e um «inferior» (ver psyche tou pantos, physis).

19. Plotino segue a tradição platônica geral ao fazer do noûs a segunda das três hipóstases. É o demiourgos na medida em que lhe fornece a psyche com os logoi que são as formas das coisas sensíveis (Eneadas V, 9, 3), mas em geral a função criadora pertence mais propriamente à physis, a parte inferior da psyche, cuja contemplação decai em atividade (praxis, III, 8, 4). Proclo dá mais ênfase ao noûs como arche deste mundo sensível mas concorda com Plotino em que a criação (ver também proodos) é uma consequência da theoria ou noesis (Eleni. theol. prop. 174).

20. O primeiro princípio, o Uno, é perfeitamente auto-suficiente e de nada necessita de nada; o noûs cósmico, por outro lado, tem necessidade de si próprio, necessidade de se pensar a si próprio, e assim a sua operação da noesis é, em certo sentido, um regresso a si próprio (Eneadas V, 3, 13). O noûs é a energeia e o logos do Uno (V, 1, 6; confrontar a opinião de Fílon na rubrica logos 5) e um tipo de exteriorização pluralística da unidade absoluta do Uno, tal como o nosso raciocínio discursivo é um eikon da operação relativamente unificada do noûs cósmico (ver noesis 18). A atividade própria do noûs é uma compreensão directa e intuitiva dos noeta como unidade, não no sentido de que o noûs «pensa» os noeta, mas antes de que é os noeta (ver noeton 5).

21. O noûs cósmico, herança platônica, está ligado ao poder de raciocínio imanente no homem por uma espécie de ponte aristotélica. A distinção aristotélica da dissolução do noûs numa energeia activa e numa dynamis passiva é tomada e modificada por Plotino. Em Eneadas V, 9, 3 Plotino interroga-se a si próprio, na sua habitual maneira aporemática, sobre se há um noûs choristos, e depois passa a responder distinguindo entre um noûs que está na alma como um eidos na matéria e um noûs que «dá a forma à alma como o criador (poiotes) dá forma à estátua». Assim o noûs poietikos aristotélico transforma-se no dator formarum. O mesmo passo descreve seguidamente uma distinção entre os próprios eide. Os eide que o noûs dá à alma estão «perto da realidade», os recebidos pela matéria são «imagens e imitações» (eidola, mimemata: ver noeton 6).

22. Há, então, três graus de realidade entre os eide plotinianos. Os inferiores, os eide aistheta nas coisas materiais, são eikones das verdadeiras Formas. Servem tanto um propósito cognitivo como paradigmático. Existindo nos outros formam a base da sensação no modelo aristotélico (ver aisthesis 26); existindo em si são os paradigmas causais da produção dos outros seres (ver logoi spermatikoi, physis). Há também os eide noeta ou, como são chamados do platonismo médio em diante, as ideai, que existem primariamente no noûs cósmico onde constituem o kosmos noetos ou, depois da doação, no noûs humano imanente onde, como «traços do noûs», fornecem os fundamentos para alguns dos nossos juízos (ver noesis 19 e, para um tratamento mais lato das ideai, noeton). [FEPeters]


noûs (ho): espírito. Latim: spiritus, intellectus.

Esse termo tem dois sentidos:

substância: espírito;

faculdade mental: inteligência.

Essa forma, usual nos filósofos clássicos, é a contração de nóos (noos), que se encontra no dialeto jônio; o radical no designa pensamento. A linguagem filosófica emprega vários derivados:

nóesis / noesis: Razão contemplativa.

noerós / noeros: Intelectual.

nóema / noema: Pensamento. Arcaico, empregado por Parmênides.

noetón / noeton: Aquilo que é pensado. Platão e Plotino empregam a palavra no plural: noetá / noeta.

noeîn (verbo) / noein: Ato de pensar. É encontrado em Parmênides, Platão, Aristóteles e Plotino.

énnoia / ennoia: Pensamento (intelectual). Empregado por Platão e Epicteto.

diánoia / dianoia: Razão raciocinante.

epínoia / epinoia: Pensamento. Em Pitágoras.

eúnoia / eunoia: Benevolência. Em Aristóteles.

prónoia / pronoia: Providência divina. Especificamente nos estoicos.

hypónoia / hyponoia: Conjectura. Em Marco Aurélio.

ágnoia / agnoia: Ignorância.

Encontramos o termo noûs empregado desde a origem tanto no sentido metafísico quanto no psicológico. Diógenes Laércio (I, 35) cita um aforismo de Tales: “De todos os seres, […] o mais rápido é o Espírito (noûs), pois ele percorre tudo.” Essa palavra pode ser entendida nos dois sentidos. Pitágoras também emprega alternadamente os dois sentidos. Diz ele: “A Mônada, que é Deus e Bem, é o próprio Espírito” (Aécio, I,VII, 18).Trata-se, pois, de uma realidade substancial. Mas, em outro lugar: “Nossa alma é formada da tétrade, a saber: inteligência (noûs), ciência, opinião, sensação” (íbid., I, III, 8). Aqui se trata de uma faculdade mental. [Gombry]