salvação

(in. Salvation; fr. Salut; al. Heil; it. Salvezzà).
VIDE redenção

O fato de ser salvo. — O termo pode designar concretamente o fato de escapar a um perigo, a uma desgraça. No sentido geral, designa a felicidade eterna que nos é concedida quando somos salvos do estado de pecado e dos sofrimentos ligados à nossa existência corporal. Em filosofia, a salvação é o conhecimento individual da verdade e a felicidade que esse conhecimento nos traz (Spinoza). (Larousse)


O pensamento e a religião do Ocidente, a partir de Platão, ou talvez a partir da misteriosofia órfica consolidou fortemente a concepção que no homem, a alma, o espírito ou a mente constituiriam o elemento indestrutível e imortal vis-à-vis ao elemento corpóreo ou material. A transcendência espiritual e a alma como representando o ser dessa transcendência traduziriam a autêntica perfectio hominis. Platão demonstrou que no homem só a alma é indestrutível e portanto imortal, e só o exercício das virtudes intelectuais ou dianoéticas poderíam salvar-nos, ainda em vida, das incertezas e dependências do mundo corpóreo. Não haveria nenhuma possibilidade de salvação ou sublimação no eterno para o “corpo”, desde que justamente salvação significaria o corisma, a separação do corpo, a superação da voragem material. A orientação soteriológica platônica foi mantida por Aristóteles em sua concepção metafísica do homem e, através da confluência da religião cristã com o pensamento plotiniano e aristotélico, se apresenta ainda hoje como o modelo inexcedível de uma filosofia e de uma crença impostadas na eternidade. A participação e mesmo a nossa possível passagem para o outro plano transmundano só são pensados em geral, em termos de atividades espirituais-intelectuais, ou em outras palavras, somente o nosso Eu espiritual pode empreender a viagem para a eternidade. [VFSTM:183-184]


ESCATOLOGIA — SALVAÇÃO
Se, no cristianismo, a salvação repousa na condição de Filho, que é originalmente a do homem transcendental, e se é essa condição que foi perdida — esquecida, mas antes rompida no pecado de idolatria que substituiu a relação primitiva com a Vida pela relação com o ídolo –, então a salvação consiste seguramente em reencontrar, praticamente e não só teoricamente, tal condição. Os Filhos adotivos de que falam Paulo e João são aqueles em que a condição — inicialmente, a de todos os homens — foi restaurada. Se a passividade radical da vida — de uma vida como a nossa, gerada na autogeração da Vida em seu Verbo — contém a via da salvação, é porque não há outra salvação para uma vida gerada dessa maneira senão além dessa geração em que ela vive originalmente da vida mesma de Deus. É porque, para tomar as coisas com todo o rigor, não se trata de uma vida indeterminada, mas de uma vida marcada em sua essência por uma Ipseidade radical, porque é no Verbo de Deus que nossa vida foi gerada, porque, tendo rompido esse laço na idolatria de uma carne finita com respeito a si mesma, a seu pretenso poder, a prazeres que ela imagina produzir por si mesma, é por essa razão que a re-ge(ne)ração supõe a vinda do Verbo numa carne desse modo e que, segundo os pensadores do cristianismo, Irineu e Agostinho notadamente, a Encarnação se produziu. (Michel Henry, ENCARNAÇÃO MHE)

Hans Jonas: A RELIGIÃO GNÓSTICA

No Gnosticismo a natureza radical do dualismo determina a doutrina da salvação. Tão estrangeiro quanto o Deus Transcendente é “deste Mundo” é o eu pneumático no meio dele. A meta do esforço gnóstico é liberar o “Homem Interior” das garras do Mundo e seu retorno ao reino nativo da Luz. A condição necessária para isto é que ele “conheça” sobre este Deus Transmundano e sobre ele mesmo, ou seja, sobre sua origem divina assim como sua situação presente, e da mesma forma também sobre a natureza do Mundo que determina esta situação. Como uma fórmula de Valentino coloca:

O que libera é o conhecimento de quem somos, o que nos tornamos, onde estávamos, onde fomos jogados; a onde apressarmo-nos, de onde redimirmo-nos; o que é nascimento e o que é renascimento. GNOTHI SEAUTON

Este conhecimento, entretanto, é negado ao homem por sua própria situação, posto que a “ignorância” é a essência da existência mundana, assim como era o princípio do mundo vir a existir. Em particular, o Deus Transcendente é desconhecido no mundo e não pode ser descoberto dele e nele; portanto a revelação é necessária. A necessidade dela é fundada na natureza da situação cósmica; e sua ocorrência altera esta situação em seu aspecto decisivo, aquele da “(agnoia|ignorância)), e é assim ela mesma já uma parte da salvação. Aquele que aporta é um mensageiro do mundo de luz que penetra as barreiras das esferas, supera os Arcontes, desperta o espírito de sua sonolência terrestre, e concede-o o conhecimento salvador “de fora”. A missão deste salvador transcendente começa mesmo antes da criação do mundo (posto que a queda do elemento divino precedeu à criação) e corre paralelo a sua história. O conhecimento assim revelado, mesmo chamado simplesmente “o conhecimento de Deus”, compreende o conteúdo por inteiro do mito gnóstico, com tudo que tem para ensinar sobre Deus, homem e mundo; ou seja, contém os elementos de um sistema teórico. Do lado prático, entretanto, é mais particularmente “conhecimento do caminho”, ou seja, do Caminho da alma para fora deste Mundo, compreendendo as preparações sacramentais e mágicas para sua futura Ascensão e os nomes secretos e fórmulas que forçam a passagem através de cada esfera. Equipado com esta gnosis, a alma depois da morte viaja para cima, deixando para trás em cada esfera a Vestimenta psíquica contribuída pela esfera: assim o espírito despido de todas os estranhos acréscimos alcança o Deus além do mundo e se torna reunida com a substância divina. Na escala do drama divino total, este processo é parte da restauração da própria integridade da Deidade, a qual em tempos pré-cósmicos se tornou enfraquecida pela perda de porções da substância divina. É através destas somente que a Deidade se faz envolvida no destino do Mundo, e é para reencontrá-las que seu mensageiro intervém na história cósmica. Com a finalização deste processo de reunião (de acordo com alguns sistemas), o Cosmo, privado de seus elementos de luz, irá chegar a um fim.