σωφροσύνη: autodomínio, moderação, temperança
1. Sophrosyne é o tema de uma das investigações éticas de Sócrates, conforme é descrita no Cármides, onde se não chega a nenhuma definição segura, O seu significado etimológico como «sanidade moral» é discutido no Crát. 411e, mas a verdadeira posição platônica de sophrosyne tem raízes na noção pitagórica de harmonia. Os dois conceitos aparecem unidos na Republica 430e-432a, e mais adiante, 442c, estão em íntima ligação com a divisão tripartida que Platão faz da alma (ver psyche): a sophrosyne é a sujeição harmoniosa das duas partes inferiores à parte racional dominante (confrontar Fedro 237e-238a onde a harmonia abrange apenas dois elementos).
2. Para Aristóteles sophrosyne é o meio (meson) entre os extremos do prazer e da dor (Ethica Nichomacos II, 1107b); a sua área está restringida aos prazeres do corpo (ibid. III, 1118a) e, particularmente, aos do tato e do gosto. Zenão (Plutarco, Stoic repugn. 1034c), tal como Platão (República 435b), faz da sophrosyne uma das quatro principais virtudes (Ethica Nichomacos I, 1103a). A Stoa mais intelectualizante negou esta distinção (ver arete), e definiu a sophrosyne como o «conhecimento do bem a ser escolhido e do mal a ser evitado» (SVF III, 256, 262). Plotino tem uma definição semelhante (Enéadas I, 6, 6), mas relaciona-a com a purificação preparatória para o «retorno» (epistrophe); ver katharsis. (FEPeters)
A sophrosyne, “a sabedoria” é a princípio esta saúde (de sos, são) do espírito (phren) que, em Homero como em Ésquilo, os líricos ou Aristófanes, se manifesta pelo respeito das leis divinas ou humanas determinando nosso lugar no mundo, a submissão ao destino, o sentido daquilo que cabe a cada um, o belo ordenamento da vida (kosmiotes).
Mestre se si mesmo e consciência de seus limites, ela é exatamente oposta a hybris, a “desmedida”. O Carmides de Platão arrola os contextos que as definem. Virtude política (a aspiração á sophrosyne nasce com a cidade grega) e cultural: ela designa a contensão do homem diferenciado, ela é também virtude ética (temperança) e intelectual – efeito próprio do conhecimento de si. Aristóteles na Ética a Nicômaco (III, 13-15) dela só guarda a dimensão ética: regulando os prazeres (hedone) ela garante a soberania da razão (dianoia). A unidade da noção passa pelo ideal grego de moderação e de justa medida; só varia a determinação desta justeza. (Les Notions Philosophiques)
A tradução usual de σωφροσύνη é «temperança». Como teremos, porém, oportunidade de ver, este sentido é uma especificação daquela alma que tem ο φρήν [phren] posto a salvo e tranquilo. Cf. Shirley M. Darcus, «Noos Precedes Phren in Greek Lyric Poetry«, AC, 46, 1977, pp. 41-51. A análise procura mostrar como o φρήν pode perturbar a visão do νοῦς [noûs]. [CaeiroArete:31]
Com o Cármides e também, de modo mais ínvio mas finalmente mais definitivo, com o Eutidemo, é contudo um novo passo que se dá: pois aí é a própria noção de «saber do saber» que se apresenta e que se apresenta como a própria determinação da excelência.
No Cármides, através da própria definição da σωφροσύνη como «saber do saber e do não saber» (ἐπιστήμην ἐπιστήμης καὶ ἀνεπιστημοσύνης, 169b) e de toda a discussão em que aporética e enigmaticamente intervém.
O caráter platônico desta definição tem sido questionado. Os principais motivos para tal prendem-se fundamentalmente com o fato de ela vir a ser refutada no próprio diálogo, mas também com os argumentos que nele a visam estabelecer e que têm, inegavelmente, uma forma pouco comum. Perante o que ficou anteriormente estabelecido sobre a natureza da refutação em Platão, a primeira razão está longe de ser incontomável ou definitiva; e bem assim a segunda, que só a própria interpretação do diálogo poderia verdadeiramente combater. Julgamos, todavia, que existem alguns argumentos que fortemente sugerem a sua validade. Tais são: 1 — Tal como aqui, a definição de σωφροσύνη como τὸ εαυτόν γιγνῶσκειν é também postulada no Alc. I, 131b, 133c, e no Ti., 72a; para mais, apesar da sua aparente rejeição no Cármides, ela é por diversas vezes recuperada por Sócrates no próprio diálogo como o verdadeiro saber: veja-se as duas formulações do método em 158e-159a e em 160d, bem como a auto–descrição socrática em 166d. 2 — A definição da σωφροσύνη como «ciência de si mesma», embora não seja postulada em nenhuma outra obra, é possibilitada por um largo conjunto de ocorrências perfeitamente análogas àquelas que o diálogo parece refutar. Assim: a) a noção de uma ciência sem qualquer objecto distinto de si mesma é pesquisada no Eutidemo (280d-281d, 291b) e parece realizar-se na alusão da República à ideia de bem, que, a ser saber, seria apenas «saber do bem» (VI, 505ac; mas cf. Smp., 21 lc); b) a noção de uma «visão da visão», sugerida como analogon do saber do saber e aliás não negada no texto, mas apresentada como estranha e virtualmente inacreditável (168ab), embora passível de solução para um «grande homem» (169a), alcança igualmente um paralelo nas diversas referências à «visão da alma», que vê o seu congénere ou afim (Phd65b-67b, 79ae), que se une a ele (Smp., 212a, R., VI, 490b) ou se lhe assimila (Tht., 176ac, Ti., 90ad; cf. Phd., 83b-84b, R., VI, 500bc); do mesmo modo, o «movimento do movimento» reaparece no Phdr., 245e ss, no Ti., 89c, e nas hg., X, 894c, 895e-896a; c) a aporia do maior e do menor, tomada como definitiva em 168e, pode encontrar esclarecimento na relação senhor/escravo interna ao σώφρων, tal como é definida na R., IV, 430e–431b, onde se detecta igualmente o paradoxo de uma duplicidade contraditória, fazendo-se então intervir a dupla natureza da alma para justificar uma tal contradição; o mesmo sucede com as relações «superior a si mesmo» e «inferior a si mesmo» que dão origem à discussão das Leis (1, 626d-627c) e que virão a ser enquadradas na metáfora dos títeres (644d-645c), onde precisamente se justifica a possibilidade de uma coexistência, no mesmo, daquelas duas relações opostas. 3 — A descrição do σώφρων, tal como Sócrates a desenvolve em 167a («só o próprio σώφρων se conhecerá a si mesmo e será capaz de examinar a fundo o que precisamente sabe e o que não sabe …»), embora negada na sua possibilidade pelo debate posterior, é muito claramente a descrição do próprio Sócrates, quer pela sua caracterização habitual, quer pela própria caracterização que Sócrates traça de si mesmo no momento exactamente anterior, ao declarar que o empenho que coloca na refutação se deve unicamente ao intuito de «examinar a fundo o que digo, temendo acreditar que sei algo que de fato não sei» (166d). 4 — Finalmente, toda a aporia em que o diálogo finalmente desemboca é posta entre parênteses pelo próprio Sócrates, ao considerar que ela se deve apenas à sua «má condução» e que, ao contrário do que foi estabelecido, é necessário acreditar que «a σωφροσύνη é um grande bem e que, se tu a possuis, és venturoso « (175e). Para a validação desta definição, veja-se, no entanto, também, com variadas soluções: Friedlãnder, Plato, II, Ch. IV; Grube, Plato’s Thought, p. 219; Moreau, La construction de T idéalisme platonicien, Paris, Boivin et C., 1939, pp. 119-133; Santas, Socrates, n. 10, p. 196, e p. 202; Μ. H. Cohen, «The Aporias in Plato’s Early Dialogues» (Journal of the History of Ideas, 23, 1962, pp. 163-174), p. 168; Irwin, Plato’s Moral Theory, p. 88; Kosman, «Charmides’ First Definition», pp. 215-216; Desjardins, «Why Dialogues? Plato’s serious play», p. 118. [MesquitaPlatão:66-67]
A virtude guerreira não é mais da ordem do thymos; é feita de sophrosyne: um domínio completo de si, um constante controle para submeter-se a uma disciplina comum, o sangue frio necessário para refrear os impulsos instintivos que correriam o risco de perturbar a ordem geral da formação. A falange faz do hoplita, como a cidade faz do cidadão, uma unidade permutável, um elemento semelhante a todos os outros, e cuja aristeia, o valor individual, não deve jamais se manifestar senão no quadro imposto pela manobra de conjunto, pela coesão de grupo, pelo efeito de massa, novos instrumentos da vitória. Até na guerra, a Eris, o desejo de triunfar do adversário, de afirmar sua superioridade sobre outrem, deve submeter-se à Philia, ao espírito de comunidade; o poder dos indivíduos deve inclinar-se diante da lei do grupo. Herodoto, ao mencionar, após cada narrativa de batalha, os nomes das cidades e dos indivíduos que se mostraram os mais valentes em Plateia, dá a palma, entre os espartanos, a Aristodamo: o homem fazia parte dos trezentos lacedemônios que tinham defendido as Termópilas; só ele tinha voltado são e salvo; preocupado em lavar o opróbrio que os espartanos ligavam a essa sobrevivência, procurou e encontrou a morte em Plateia ao realizar façanhas admiráveis. Mas não foi a ele que os espartanos concederam, com o prêmio da bravura, as honras fúnebres devidas aos melhores; recusaram-lhe a aristeia porque, combatendo furiosamente, como um homem alucinado pela lyssa, tinha abandonado seu posto. (Vernant).
EVANGELHO DE JESUS:
*E foram ter com Jesus, e viram o endemoninhado, o que tivera a legião, assentado, vestido e em perfeito juízo (sophroneo), e temeram. (Mc 5:15)
*E saíram a ver o que tinha acontecido, e vieram ter com Jesus. Acharam então o homem, de quem haviam saído os demônios, vestido, e em seu juízo (sophroneo), assentado aos pés de Jesus; e temeram. (Lc 8:35)
*Porque pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação (sophroneo), conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um. (Rm 12:3)
*Porque, se enlouquecemos, é para Deus; e, se conservamos o juízo (sophroneo), é para vós. (2Co 5:13)
*Exorta semelhantemente os jovens a que sejam moderados (sophroneo). (Tt 2:6)
*E já está próximo o fim de todas as coisas; portanto sede sóbrios (sophroneo) e vigiai em oração. (1Pe 4:7)
*Porque Deus não nos deu o espírito de temor, mas de fortaleza, e de amor, e de moderação (sophronismos). (2Ti 1:7)
Ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria (sophronos), e justa, e piamente, (Tt 2:12)
*Mas ele disse: Não deliro, ó potentíssimo Festo; antes digo palavras de verdade e de um são juízo (sophrosyne). (At 26:25)
PATROLOGIA
Citações dos Padres — em nosso site francês
PERENIALISTAS
Julius Evola: PATIENTIA
Abade Stephane
sophrosyne é um termo grego que significa o “estado são do espírito ou do coração”, e igualmente a “moderação dos desejos” (Platão, Banquete), a temperança e a sabedoria. Na Igreja do Oriente, este termo designa a castidade dos ascetas.
A castidade ontológica (v. hagneia), aquela do Ser puro, supera infinitamente o plano das fragmentações contingentes, quer dizer o plano da vida ordinária. E ela é evidentemente irrealizável no plano humano, ela é, no entanto, a norma, o arquétipo, o “centro luminoso”. A perspectiva evangélica daqueles “que se fazem eunucos eles mesmos por causa do Reino dos Céus” (Mt XIX,12) supera infinitamente todas as considerações psicológicas ou sociais que se debitam habitualmente a respeito da castidade. Mas o Cristo adiciona: “Todos não compreendem esta palavra, mas somente aquele a quem ela foi dada” e “Que aquele que pode compreender compreenda”.
Logo trata-se de um mistério assim como o “mysterium fidei”, ou ainda o “mysterium caritatis”. Os filósofos, os cientistas, os romancistas e multidão de ignorantes, são mantidos na calçada do Templo; eles receberão a iniciação se dela forem dignos, mas não se tem o direito de jogar pérolas aos porcos.
Paul Evdokimov define a “castidade ontológica” — sophrosyne — como “integridade conforme à sabedoria”. Trata-se bem entendido da Sabedoria incriada — ante saecula creata sum — que nada tem a ver com a sabedoria humana. O Ícone da santa Sophia a representa sob os traços de um Anjo com face de fogo, e a integridade arquetípica da Sophrosyne se encarna aqui na Theotokos. Quanto ao fogo divino, ele transforma aquele que dele se aproxima em “Sarça Ardente” que queima pela luz incriada sem ser consumida, símbolo da Virgem que dá a luz sem perder sua integridade original.
Percebe-se assim um dos mais altos mistérios da Revelação: Sophrosyne, a castidade do Ser puro, a integridade conforme à Sabedoria, encarnada na Theotokos, e simbolizada pela Sarça Ardente e o Anjo de face de fogo.
sophrosyne: autodomínio, moderação
1. Sophrosyne é o tema de uma das investigações éticas de Sócrates, conforme é descrita no Cármides, onde se não chega a nenhuma definição segura, O seu significado etimológico como «sanidade moral» é discutido no Crát. 411e, mas a verdadeira posição platônica de sophrosyne tem raízes na noção pitagórica de harmonia. Os dois conceitos aparecem unidos na Republica 430e-432a, e mais adiante, 442c, estão em íntima ligação com a divisão tripartida que Platão faz da alma (ver psyche): a sophrosyne é a sujeição harmoniosa das duas partes inferiores à parte racional dominante (confrontar Fedro 237e-238a onde a harmonia abrange apenas dois elementos).
2. Para Aristóteles sophrosyne é o meio (meson) entre os extremos do prazer e da dor (Ethica Nichomacos II, 1107b); a sua área está restringida aos prazeres do corpo (ibid. III, 1118a) e, particularmente, aos do tato e do gosto. Zenão (Plutarco, Stoic repugn. 1034c), tal como Platão (Republica 435b), faz da sophrosyne uma das quatro principais virtudes (Ethica Nichomacos I, 1103a). A Stoa mais intelectualizante negou esta distinção (ver arete), e definiu a sophrosyne como o «conhecimento do bem a ser escolhido e do mal a ser evitado» (SVF III, 256, 262). Plotino tem uma definição semelhante (Eneadas I, 6, 6), mas relaciona-a com a purificação preparatória para o «retorno» (epistrophe); ver katharsis. (FEPeters)
A sophrosyne, “a sabedoria” é a princípio esta saúde (de sos, são) do espírito (phren) que, em Homero como em Ésquilo, os líricos ou Aristófanes, se manifesta pelo respeito das leis divinas ou humanas determinando nosso lugar no mundo, a submissão ao destino, o sentido daquilo que cabe a cada um, o belo ordenamento da vida (kosmiotes).
Mestre se si mesmo e consciência de seus limites, ela é exatamente oposta a hybris, a “desmedida”. O Carmides de Platão arrola os contextos que as definem. Virtude política (a aspiração á sophrosyne nasce com a cidade grega) e cultural: ela designa a contensão do homem diferenciado, ela é também virtude ética (temperança) e intelectual – efeito próprio do conhecimento de si. Aristóteles na Ética a Nicomaco (III, 13-15) dela só guarda a dimensão ética: regulando os prazeres (hedone) ela garante a soberania da razão (dianoia). A unidade da noção passa pelo ideal grego de moderação e de justa medida; só varia a determinação desta justeza. (Les Notions Philosophiques)