gr. ἰδέα/εἶδος, idea/eidos, ideia/forma (gr. idea; lat. idea; in. idea; fr. idée; al. Idee; it. idea).
Este termo foi empregado com dois significados fundamentais diferentes: 1) como a espécie única intuível numa multiplicidade de objetos; 2) como um objeto qualquer do pensamento humano, ou seja, como representação em geral. No primeiro significado, essa palavra é empregada por Platão e Aristóteles, pelos escolásticos, por Kant e outros. No segundo significado, foi empregada por Descartes, pelos empiristas, por boa parte dos filósofos modernos e é comumente usada nas línguas modernas.
1) No primeiro significado, a ideia, como unidade visível na multiplicidade, tem caráter privilegiado em relação à multiplicidade, pelo que é frequentemente considerada a essência ou a substância do que é multíplice e, por vezes, como o ideal ou o modelo dele. Este é, claramente, o ponto de vista de Platão, que, em Parmênides, atribui a Sócrates o conceito de que a ideia é a unidade visível na multiplicidade (tos objetos e, por isso, também a sua espécie (eidos). “Creio que acreditas haver uma espécie única toda vez que muitas coisas te aparecem, p. ex., grandes e tu podes abrangê-las com um só olhar: parece-te então que uma única e mesma ideia está em todas aquelas coisas e por isso julgas que o grande é uno” (Parm., 132 a). Como unidade, a ideia se mostra, em Platão, o exemplar das coisas naturais: “Essas espécies” — diz ele — “estão como exemplares na natureza e as outras coisas se assemelham a elas e são imagens delas; a participação dessas outras coisas na espécie consiste apenas «n serem imagens da espécie” (Ibid., 132 d). No mesmo diálogo, Platão diz quais as coisas de que admitia L, quais as coisas de que não admitia e quais as coisas de que tinha dúvida, quanto a admiti-las. “Parece-te que há uma semelhança em si, separada da semelhança que nós temos, e um uno e muitos em si, bem como outras coisas deste tipo? — Parece-me que sim, disse Sócrates. — E admites que haja — continuou Parmênides — a espécie do justo em si, do belo em si, do bem em si e outras coisas assim? — Sim, respondeu Sócrates. — E admites que haja uma espécie do tornem separada de nós e de todos os nossos semelhantes, uma espécie em si do homem, do fogo, da água? — Sempre tive dúvida — respondeu Sócrates — se convinha ou não reconhecer essas espécies assim como as outras. — E das coisas que pareceriam até ridículas, como chapéu, lama, imundície e todas as outras destituídas de valor ou vis, também duvidas que haja ou não uma espécie de cada uma delas, separada das coisas correspondentes que podemos manipular? — Certamente não — respondeu Sócrates —, essas coisas são tais e quais nós as vemos, e seria absurdo acreditar que há uma espécie delas” (Ibid., 130 b-d). Deste trecho do Parmênides resulta que existem três classes de objetos: 1) Objetos dos quais com certeza existem ideias, que são: d) os objetos matemáticos: igualdade, um, muitos, etc; b) os valores: o belo, o justo, o bem, etc; 2) Objetos dos quais é duvidoso que existam ideia: as coisas naturais, o fogo, a água ou o homem; 3) Objetos dos quais com certeza não há ideia, que são as coisas vis ou geralmente as que não têm valor. Ora, pode-se tomar ao pé da letra essa espécie de confissão platônica, pois um olhar nos demais diálogos demonstra que ele sempre falou de ideia nos sentidos constantes das letras d) e b), que ele admitiu, ou melhor, introduziu, com o fim de chegar a certas demonstrações, formas naturais como o calor, o frio, a doença e a febre (Fed, 105 b e ss.) ou formas artificiais, como a da cama (Rep., X, 597 b), mas nunca falou, a não ser para excluí-las, de formas correspondentes à terceira classe de objetos. Disso pode-se deduzir o que Platão entendia ao afirmar (como ainda o fazia na fase crítica — Parm., 135 b) a existência das ideias “em separado das demais coisas”, da multiplicidade das coisas. Existem ideia de conceitos matemáticos ou de valores: portanto, como já reconhecera Natorp (Platos Ideenlehre, 1903), as ideias não são supra-coisas, ou seja, objetos transcendentes cuja existência tem como modelo a existência das coisas, mesmo constituindo uma esfera à parte, mas normas, regras ou leis. Desse ponto de vista, o fato de estarem “separadas” das outras coisas significa simplesmente a independência da regra das coisas que serve para julgar. E por regra entende-se: 1) que são critérios para julgar as outras coisas no sentido que, por exemplo, a igualdade permite julgar se duas coisas são iguais ou não, e assim o belo por meio das coisas belas, etc. (Fed., 74 ss.); 2) que são causas das coisas no sentido de serem as razões pelas quais as coisas “geram-se, destroem-se e existem”, porquanto constituem “a melhor maneira de existir, de modificar-se ou de agir” (Ibid., 97 c). Por fim, em correspondência com as duas classes de ideia (as ideias matemáticas e as ideias-valores), Platão admitia duas ordens de conhecimento científico: o conhecimento dianoético, próprio das ciências propedêuticas (ciências matemáticas), e o conhecimento intelectual ou filosófico, próprio da dialética (Rep., VII, 531 e ss.).
A reiterada crítica de Aristóteles a essa doutrina (Met., I, 9, 990 b ss.; XIII e XIV passim) tem como alvo o ponto central dela: as ideias não são princípios de explicação nem causas. Só a substância ou essência necessária é causa e princípio de explicação, e isso vale para o bem e para aquilo que Platão denominava ideia, assim como para todas as outras coisas. Aristóteles diz: “A ciência de uma coisa consiste em conhecer a essência necessária da coisa. Isso é verdadeiro no que se refere ao bem, assim como a todas as outras coisas, de tal modo que, se o bem não tivesse a essência necessária do bem, não teria ser e não seria uno. O mesmo pode ser dito sobre todas as outras coisas, que são o que são com base em sua essência necessária ou não são nada; portanto, se a sua essência não é, nada delas é” (Ibid., VII, 6, 1031 b 6). Em outros termos, o status ontológico das ideias, se é que possuem algum, é o de todas as outras coisas: são reais porque são substâncias, não porque são unidades ou valores. Portanto, as ideias, como formas ou espécies, são certamente reais, segundo Aristóteles, mas são reais apenas na medida em que as formas ou espécies são a substância das coisas compostas (v. forma). A teoria da substância possibilitou a Aristóteles retirar das duas determinações, unidade e valor, o primado ontológico que Platão lhes atribuíra nas primeiras fases de sua filosofia. A teoria das ideias não tem mais validade para Aristóteles, no sentido de as ideias não constituírem substâncias privilegiadas e muito menos exemplares ou modelos das coisas. Contudo, atribui à palavra ideia o mesmo significado que Platão lhe dera: unidade que é ao mesmo tempo perfeição ou valor. Em seguida, ao longo de sua história, acabam prevalecendo as determinações míticas ou popularescas que esse termo recebera na filosofia platônica: modelo, arquétipo, perfeição, etc. Na escolástica judaica e neoplatônica, as ideias são consideradas objetos da Inteligência divina e identificadas com essa Inteligência. Fílon já as considerava como “potências incorpóreas”, das quais Deus se serve para formar a matéria (De sacrif., II, 126). E Plotino as identificava com a própria Inteligência, mais precisamente com a inteligência “em estado de repouso, unidade e calma, que é distinta mas não separada da Inteligência que contempla e pensa” (Enn., III, 9, 1). Neste sentido a ideia é o objeto “interno” da inteligência divina, e como a inteligência não se distingue do ser e do ato do ser, a ideia, a forma do ser e o ato do ser são a mesma coisa (Ibid., V, 9, 8). Essa doutrina tornou-se lugar-comum da Patrística e da escolástica. S. Agostinho reproduziu-a ao afirmar que o Logos ou Filho tem em si as ideias, ou seja, as formas ou razões imutáveis das coisas, que são eternas, assim como ele mesmo é eterno, em conformidade com tais razões ou formas, são formadas todas as coisas que nascem e morrem (De diversis quaest., 83, q. 46). A partir de S. Agostinho, inúmeras vezes os escolásticos repetem essa doutrina quase nos mesmos termos. Anselmo considera a ideia como uma espécie de “palavra interior”: Deus exprime-se nas ideias como o artífice em seu conceito, mas essa expressão não é uma palavra externa, um enunciado; é a coisa para a qual se volta a acuidade da mente criadora (Monol., 10). Tomás de Aquino dizia: “O termo grego idea diz-se em latim forma, por ideia entendem-se as formas de algumas coisas, existentes fora das próprias coisas. Essa forma pode servir para duas coisas: ou como exemplar daquilo cuja forma é, ou como princípio de conhecimento e, neste segundo sentido, diz que a forma das coisas cognoscíveis está no cognoscente” (S. Th., I, q. 15, a. 1). Ockham, que nega o caráter universal das L, não nega, todavia, que as ideias existem em Deus, como “as coisas produzíveis por Deus” (In Sent., I, d, 35, q. 5). O emprego desse conceito continuou mesmo fora da tradição platônica (Nicolau de Cusa, De coniecturis, II, 14; Ficino, em Parmenid., 23) O Renascimento repete-o sem variantes: p. ex., Bacon (Nov. org., I, 23). E quando o segundo significado desse termo já havia sido introduzido por Descares e difundido por cartesianos e empiristas, Kant restituiu-lhe seu significado platônico, entendendo por ideia uma perfeição não real, “que supera a possibilidade da experiência”. “As ideias” — diz Kant — “são conceitos racionais dos quais não pode existir na experiência nenhum objeto adequado. Não são intuições (como espaço e tempo) nem sentimentos (que pertencem à sensibilidade), mas conceitos de perfeições, dos quais é sempre possível aproximar-se, mas que nunca se alcança completamente” (Antr, § 4.3). As três ideias que Kant enumera como “objetos necessários da razão” (alma, mundo e Deus) são desprovidas de realidade exatamente porque estão além da experiência possível; no entanto, são regras para estender e unificar a experiência. Assim, para Kant, a ideia conserva de alguma forma o caráter regulativo que Platão lhes atribuíra. Em todo caso, Kant julga “intolerável ouvir chamar de ideia algo como, p. ex., a representação da cor vermelha” (Crít. R. Pura, Dialética, seç. I). No idealismo pós-romântico a noção de ideia recuperou todo o alcance metafísico e teológico que já tivera no neoplatonismo tradicional. Schelling considera as ideias, por um lado, como as determinações da razão de Deus e, por outro, como as formas da objetivação corpórea: em outros termos, são o ponto de encontro e de identificação entre a infinidade divina e o finito corpóreo (Werke, I, II, p. 497). Para Goethe, a ideia é a força divina formadora de natureza (Werke, ed. Hempel, XIX. pp. 63, 158). Schopenhauer considera a ideia como a primeira e imediata objetivação da vontade de viver, portanto como “forma eterna” ou “o modelo” das coisas (Die Welt, I, § 25). Hegel, por fim, vê na ideia “o verdadeiro em si e para si, a unidade absoluta do conceito e da objetividade”. Nesse sentido, ela não é representação nem conceito determinado. “O absoluto é a I.universal e única que, com o julgar, se especifica no sistema das ideias determinadas, que no entanto voltam para a ideia única, sua verdade. Por força desse juízo, a ideia é, em primeiro lugar, apenas a única e universal substância, mas, na forma verdadeira e desenvolvida, ela é como sujeito, por isso como espírito” (Enc., § 213). Nesta forma verdadeira e desenvolvida ela é ideia absoluta, ou seja, Razão Autoconsciente, que se manifesta nas três determinações do espírito absoluto (arte, religião, filosofia) e se realiza no estado, também denominado por Hegel” realidade da ideia” (Fil. do dir., § 258, comentário). Isso não passava de uma tradução para termos modernos da identidade que o antigo platonismo estabelecera entre a ideia como objeto inteligível e a Inteligência. O idealismo contemporâneo, mesmo se inspirando em Hegel, não adotou a terminologia hegeliana nesse aspecto: deu à razão autoconsciente os nomes de Espírito, Absoluto ou Consciência, e não o de Ideia. Em todos os demais aspectos, a noção de ideia permanece ligada à noção platônica de exemplar ou arquétipo eterno, e isso tanto para os que a aceitam quanto para os que a negam.
2) No segundo significado, ideia significa representação em geral. Esse significado já se encontra na tradição literária (p. ex., em Montaigne, Essais, II, 4), mas Descartes introduziu-o na linguagem filosófica, entendendo por ideia o objeto interno do pensamento em geral. Nesse sentido, afirma que por ideia se entende “a forma de um pensamento, para cuja imediata percepção estou ciente desse pensamento” (Resp. II, def. 2). Isso significa que a ideia expressa aquele caráter fundamental do pensamento graças ao qual ele fica imediatamente ciente de si mesmo. Para Descartes, toda ideia tem, em primeiro lugar, uma realidade como ato do pensamento e essa realidade é puramente subjetiva ou mental. Mas, em segundo lugar, tem também uma realidade que Descartes denominou escolasticamente de objetiva, porquanto representa um objeto: neste sentido as ideias são “quadros” ou “imagens” das coisas (Méd., III). Esta terminologia era amplamente aceita pela filosofia pós-cartesiana. A Lógica de Port-Royal adotou-a, entendendo por ideia “tudo o que está em nosso espírito quando podemos dizer com verdade que concebemos uma coisa, seja qual for a maneira como a concebemos” (Arnauld, Log., I, 1). Também foi aceita por Malebranche (Rech. de la ver., II, 1) e Leibniz, que considera as ideias como “os objetos internos” da alma (Nouv. ess. II, 10, § 2). Este último, porém, pretendia reservar o termo ideia apenas para o conhecimento claro, distinto e adequado, passível de ser analisado em seus constituintes últimos e isento de contradições (Phil. Schriften, ed. Gerhardt, IV, pp. 422 ss.) Spinoza, por sua vez, entendia por ideia “o conceito formado pela mente enquanto pensa” e preferia a palavra “conceito” a “percepção” porque a percepção parece indicar a passividade da mente diante do objeto, enquanto o conceito exprime sua atividade (Et., II, def. 3). Por outro lado, Hobbes já definira a ideia como “a memória e a imaginação das grandezas, dos movimentos, dos sons, etc, bem como da ordem e das partes deles, coisas estas que, apesar de serem apenas ideias ou imagens, ou seja, qualidades internas da alma, aparecem como externas e independentes da alma” (De corp., 7, § 1). Mas, sem dúvida, foi Locke quem difundiu esse significado (Ensaio, I, 1, 8) e o impôs ao em-pirismo inglês e ao iluminismo, através dos quais entrou para o uso comum. Para Locke, assim como para Descartes, a ideia é o objeto imediato do pensamento: ideia é “aquilo que o homem encontra em seu espírito quando pensa” (Ibid., II, 1,1). No prefácio da IV edição do Ensaio, Locke insistia na conexão da ideia com a palavra. “Escolhi esse termo” — dizia ele — “para designar, em primeiro lugar, todo objeto imediato do espírito, que ele percebe, tem à sua frente e é distinto do som que ele emprega para servir-lhe de signo; em segundo lugar, para mostrar que essa ideia assim determinada, que o espírito tem em si mesmo, conhece e vê em si mesmo, deve estar ligada sem mudanças àquele nome, e aquele nome deve estar ligado exatamente àquela ideia” (Ibid., trad. it, I, p. 23). Estas observações permaneceram como fundamento dessa noção que, nesse aspecto, acabou por identificar-se com a noção de representação. Wolff dizia: “A representação de uma coisa denomina-se ideia quando se refere à coisa, ou seja, quando é considerada objetivamente (Psychol. empírica, § 48). O iluminismo alemão aceitou esse significado atribuído por Wolff ao termo, mas este, como dissemos, depois seria impugnado por Kant. Nesse segundo significado, esse termo não se distingue de representação, e os problemas a ele relativos são os mesmos relativos a consciência em geral. Contudo, há um significado no qual a palavra ideia (aliás, a única usada na linguagem comum) continua distinguindo-se de “representação”: é aquele graças ao qual, tanto na linguagem comum quanto na filosófica, ela indica o aspecto de antecipação e projeção da atividade humana, ou, como diz Dewey, uma possibilidade. “Uma ideia é, acima de tudo, uma antecipação de alguma coisa que pode acontecer: ela marca uma possibilidade” (Logic, II, 6; trad. it., p. 164). Com este significado, esse termo conserva ainda hoje uma utilidade específica. [Abbagnano]