(gr. anthropos; lat. homo; in. Man; fr. Homme; al. Mench; it. Uomó).
As definições de homem podem ser agrupadas sob os seguintes títulos: 1) definições que se valem do confronto entre o homem e Deus; 2) definições que expressam uma característica ou uma capacidade própria do homem; 3) definições que expressam a capacidade de auto-projetar-se como própria do homem.
1) As definições do primeiro grupo são de natureza religiosa e teológica, mas também podem ser encontradas em doutrinas que nada têm de religioso e teológico. Qualquer definição desse gênero baseia-se na expressão do Gênese. “E Deus disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gên., I, 26). Esta expressão servia frequentemente de ponto de partida para especulações sobre a alma, especialmente sobre suas divisões (v. Alma): na realidade, ela é a definição explícita do homem e, como tal, foi considerada pelos teólogos da Reforma. Por outro lado, Aristóteles, ao tratar da vida contemplativa, falou de um “elemento divino” do homem, que, na mesma medida em que excede no todo que constitui o homem, torna o homem virtuoso e bem-aventurado (Et. Nic, X, 6, 1177b 26). Mas esse tipo de definição do homem na tradição filosófica teve como inspiração constante a Bíblia. Viram o homem como imagem de Deus: Calvino (Institutie, I, 15, 8) e Zwinglio (Deutsche Schrifter, I, 56). Através das ricas amplificações de Jacob Boehme (cf, p. ex., Aurora oder die Morgenröthe im Aufgang, VI, I), esse conceito passou para a filosofia romântica alemã. Spinoza dizia que “a essência do homem é constituída por certas modificações dos atributos de Deus” (Et., II, 10. Corol.). Nas lições sobre a Destinação do douto, em 1794, Fichte apontava como tarefa do homem adequar-se à unidade e à imutabilidade do Eu absoluto, segundo a máxima “age de tal forma que possas considerar a máxima da tua vontade uma lei eterna para ti” (Über die Bestimmung des Gelehrten, 1794, I). Mas o Eu absoluto é o princípio ou a substância do homem, e sua unidade e sua imutabilidade são apenas a unidade e a imutabilidade de Deus, de tal forma que a melhor maneira de expressar a doutrina de Fichte a esse respeito é que o homem, em seu princípio ideal, é Deus e deve esforçar-se por tornar-se tal. Analogamente, para Hegel o homem é essencialmente Espírito e o Espírito é Deus. Diz: “Conquanto considerado finito por si mesmo, o homem é também imagem de Deus e fonte da infinidade em si mesmo, pois é o fim de si mesmo e tem em si mesmo o valor infinito e a destinação para a eternidade” (Philosophie der Geschichte, ed. Gloekner, p. 427). Hegel define cristianismo como a posição de “unidade do homem e de Deus” (Ibid., p. 416). Nessas definições de homem, a relação do homem com Deus é vista de forma positiva.
Mas essa relação pode ser vista de modo negativo ou invertido, permanecendo substancialmente a mesma. Feuerbach, p. ex., diz que o homem se revela e se define no seu conceito de Deus. “O ser absoluto, o Deus do homem, é o ser do homem”, diz ele (Wesen des Christentum, § 1). Aquilo que o homem pensa de Deus é a definição de homem: “Pensas o infinito? Então pensas e afirmas a infinidade do poder do pensamento. Sentes o infinito? Sentes e afirmas a infinidade do poder do sentimento” (Ibid.). As teses de existência ou inexistência de Deus não influem nessas definições de homem, que se ancoram ao confronto entre o homem e Deus. Assim, em Nietzsche, após a proclamação de que “Deus morreu”, Zaratustra anuncia o Super homem, como aquilo que está além do homem “A grandeza do homem está no fato de que ele é ponte e não fim: o que pode fazê-lo amar é o fato de ser ele uma passagem e um ocaso” (Also sprach Zarathustra, Prol., § 4). Em sentido análogo ao de Feuerbach e Nietzsche, mas acrescido do conceito de fracasso ao qual o homem está destinado, Sartre disse: “Se o homem possui uma compreensão pré-ontológica do ser de Deus, ela não lhe foi conferida pelos grandes espetáculos da natureza nem pelo poderio da sociedade: mas Deus, valor e objetivo supremo da transcendência, representa o limite permanente a partir do qual o homem se anuncia aquilo que ele é. Ser homem é tender para Deus; ou, se assim preferirem, o homem é fundamentalmente desejo de ser Deus” (L’être et le néant, pp. 653-54).
2) As definições que exprimem uma característica ou uma capacidade atribuída ao homem são numerosas; a primeira e mais famosa é a definição de homem como “animal racional”. Essa definição expressa bem o ponto de vista do Iluminismo grego e o espírito das filosofias de Platão e Aristóteles. Mas não se encontra explicitamente em Platão, que teria dito somente que o homem é animal “capaz de ciência” (Def., 415a), determinação que Aristóteles repete, considerando-a como peculiaridade do homem (Top., V, 4, 133 a 20). Mas em Política Aristóteles afirma que “o homem é o único animal que possui razão”, e que a razão serve para indicar-lhe o útil e o pernicioso, portanto também o justo e o injusto (Pol, I, 2, 1253a 9; cf. VII, 13, 1382b, 5). Aceita pelos estoicos (Sexto Empírico, Pirr. hyp., II, 26; J. Stobeo, Ecl, II, 132), essa definição tornou-se clássica e a ela recorrem habitualmente os escritores medievais (cf, p. ex., Tomás de Aquino, S. Th., II, 1, q. 71, a. 2; II, 2, q. 34, a. 5). É essa a única definição que penetrou na cultura comum, e os filósofos também se referem a ela para introduzir variações que se coadunem com o sentido específico que deem à palavra razão. P. ex., a definição de Rosmini, “o homem é um sujeito animal dotado da intuição do ser ideal indeterminado” (Antropologia, § 23), expressa a mesma coisa que a definição tradicional, porque, para Rosmini, a “percepção do ser ideal indeterminado” é a razão (Nuovo saggio, § 396). A definição de De Bonald, famosa por algum tempo, “o homem é uma inteligência servida por órgãos” (CEuvres, 1864,1, p. 41; III, p. 149), também nada mais é que uma paráfrase da definição tradicional, porquanto nela o “serviço dos órgãos” é equivalente a “animalidade”. É ainda mais famosa a definição de Pascal, “o homem nada mais é que um junco, o mais frágil da natureza, mas é um junco pensante” (Pensées, 347), que também pode ser considerada variante da definição tradicional, em que a conotação da fragilidade natural do homem tomou o lugar da “animalidade”. Por outro lado, Descartes dispensara a animalidade e reduzira o homem a pensamento, como consciência imediata: “Para falar com precisão, sou apenas uma coisa que pensa, um espírito, um intelecto ou uma razão” (Méd., II). Mas, na definição tradicional, a animalidade servia, por um lado, para explicar a óbvia limitação da atividade pensante do homem e, por outro, para reconhecer no homem um ser terrestre ou mundano, que necessita de órgãos. Em sentido cartesiano, Husserl disse: “Se o homem é um ser racional (animal rationale), só o é na medida em que toda a sua humanidade é uma humanidade racional, na medida em que é latentemente orientado para a razão ou abertamente orientado para a enteléquia que se revelou e guia, conscientemente e por necessidade essencial, o devir humano” (Krisis, 1954, § 6). A última e mais atualizada versão da antiga definição diz que o homem é um animal simbólico, ou seja, um animal que fala (Cassirer, Essay on Man, cap. II). Esta característica, na verdade, estava presente no mesmo termo grego que significa razão: logos, que é o discurso racional ou a razão que se faz discurso. Na filosofia contemporânea, essa definição serve para expressar o poder condicionante da linguagem, do comportamento sígnico em todas as atividades do homem. Esse poder dificilmente poderia ser exagerado, e a definição em pauta está, com justiça, entre as mais difundidas e aceitas na filosofia contemporânea. Contudo, não pode ser compreendida sem levar em conta a característica da auto-projetabilidade, que o terceiro grupo de definições atribui ao homem.
Uma segunda e mais específica determinação, que tem servido frequentemente para definir o homem, é sua natureza política, sociável. Já mencionada por Platão (Def., 415a), esta determinação é estreitamente ligada por Aristóteles à natureza racional do homem. “Quem não pode fazer parte de uma comunidade ou quem não precisa de nada, bastando-se a si mesmo, não é parte de uma cidade, mas é fera ou Deus” (Pol., I, 2, 1253 a 27). Obviamente, para Aristóteles, é estreita a conexão entre racionalidade e política, podendo-se dizer o mesmo de todos aqueles que, depois dele, adotarem a mesma definição. Hobbes, que combatia essa definição, interpretava-a como se significasse: “O homem está apto, desde o nascimento, a viver em sociedade”; afirmava que, nesse sentido, ela é falsa, porque o homem só se torna apto para a vida social graças à educação (De cive, I, 2, e nota). Mas o significado mais óbvio dessa definição é que o homem não pode deixar de viver em sociedade; nesse sentido, nem mesmo Hobbes duvida de sua fundamental exatidão. No entanto, essa definição não foi proposta para determinar a natureza do homem em sua totalidade.
Quem tem a pretensão de expressar a totalidade do homem é Bergson: “Se pudéssemos despir-nos do nosso orgulho, se, para definir nossa espécie, nos ativéssemos estritamente àquilo que a história e a pré-história nos apresentam como característica constante do homem e da inteligência, talvez não disséssemos Homo sapiens, mas homo faber. Em conclusão, a inteligência, considerada naquilo que parece ser a sua tarefa original, é a faculdade de fabricar objetos artificiais, particularmente utensílios para fazer utensílios, e de variar indefinidamente a fabricação deles” (Évol. créatr., 8a ed., 1911, p. 151). Na realidade, porém, o próprio Bergson admite que em torno da inteligência há um “halo de instinto”, considerando possível o retorno da inteligência ao instinto, por meio da intuição-. isso deveria significar que o homem não é apenas homo faber.
3) O terceiro grupo de definições compreende as que interpretam o homem como possibilidade de autoprojeção. Quase todas as definições do segundo grupo, mesmo partindo de uma única determinação do homem, considerada própria e fundamental, interpretam-na, explícita ou implicitamente, como possibilidade, como capacidade ou disposição. Ao defender a definição do homem como animal racional, Leibniz observa que o fato de os idiotas carecerem da razão não é uma objeção contra ela: basta que eles, mesmo que apenas com seu corpo, mostrem um indício de racionalidade (Nouv. ess., HI, 6, 22). Mas, na realidade, já em Aristóteles está suficientemente claro que a razão é uma possibilidade ou capacidade de juízo, não uma determinação necessitante, que somente a esse título constitui a definição do homem. O caráter indeterminado do homem talvez estivesse disfarçado na expressão de Demócrito: “O homem é aquilo que todos nós sabemos” (Fr. 165, Diels), mas está claramente expresso nas especulações dos neoplatônicos da Antiguidade e do Renascimento sobre a “natureza média” ou “central” do homem. Plotino já afirmava a este propósito: “O lugar do homem é no meio, entre os deuses e os animais; às vezes tende para uns, às vezes para outros; alguns homens assemelham-se aos deuses; outros, às feras; a maioria fica no meio” (Enn., III, 2, 8). Esse pensamento foi ilustrado no séc. EX por Scotus Erigena: “Não foi sem razão que o homem foi denominado oficina de todas as criaturas, de fato, todas as criaturas estão nele contidas. Ele entende como o anjo, raciocina como o homem, sente como o animal irracional, vive como um germe, constitui-se de alma e corpo e não está isento de coisa alguma criada” (De divis. nat., III, 37). Esses pensamentos são repetidos no Renascimento por Nicolau de Cusa (De visione Dei, 6; Excitationes, V; De ludo globi, II) e por Marsílio Ficino (Theol. Plat, III, 2), e ambos transferem-nos para a alma do homem; Ficino chama a alma de cópula do mundo. Mas estão expressos de maneira clássica na oração De hominis dignitate, de Pico della Mirandola, em que Deus diz: “Não te dei, Adão, um lugar determinado, um aspecto próprio, nem prerrogativa alguma, porque esse lugar, esse aspecto e essas prerrogativas que venhas a desejar, tudo segundo tua vontade e teu discernimento, deves obter e conservar. A natureza limitada dos outros está contida em leis por mim prescritas. Tu determinarás as tuas sem seres impedido por barreiras, segundo o teu arbítrio, a cujo poder te confiei. — Pus-te no meio do mundo, para que de lá avistasses tudo o que nele existe. Não te fiz celeste nem terreno, mortal nem imortal, para que, como livre e soberano artífice de ti mesmo, te plasmasses e esculpisses na forma que melhor te aprouvesse. Poderás degenerar para as coisas inferiores; poderás, segundo o teu desejo, regenerar-te nas coisas superiores, que são divinas” (De hom. dign., f. 131 r). Com certeza, a ilimitada capacidade de autoprojeção do homem nunca mais foi exaltada com tanta eloquência e com otimismo tão confiante quanto nesta página de Pico della Mirandola. Todavia, o conceito iluminista de homem como razão projetante, limitada e impedida, mas eficaz, pode ser considerado decorrente do conceito renascentista do homem. Kant dizia: “Numa criatura, a razão é o poder de entender além dos instintos naturais as normas e os fins de uso de todas as suas atividades; ela não conhece limites para os seus desígnios. No entanto, a razão não age instintivamente, mas por tentativas, com o exercício e aprendendo, para elevar-se pouco a pouco e passar de um grau de conhecimento a outro” (Idee zu einer allgemeinen Geschichte in Weltbürgerlicher Absicht, 1784, tese II). Kant julga, portanto, que só através da história da espécie humana na terra o homem realiza a sua natureza, que é a liberdade de auto-projetar-se com a razão, especialmente de projetar para si uma sociedade civilizada alicerçada totalmente no direito. Essas ideias expressam bem o ponto de vista do iluminismo, ao qual o próprio Kant as atribuía. Com maior clareza ainda, Kant assim descrevia o caráter da espécie humana: “Para poder atribuir ao homem o seu lugar no sistema da natureza viva e assim caracterizá-lo, só resta dizer que ele tem o caráter que ele mesmo faz, porquanto sabe aperfeiçoar-se segundo os fins por ele mesmo criados; por isso, de animal capaz de raciocinar (animal rationabile), pode tornar-se sozinho animal que raciocina (animal rationale)” (Antr., II, e). Na filosofia contemporânea, esse conceito de homem foi herdado pelo existencialismo e pelo instrumentalismo americano. Por um lado, eles frisam que o homem é aquilo que ele mesmo pode e quer tornar-se, e por isso é constantemente problema para si mesmo e solução para esse problema, que projeta continuamente seu modo de ser ou de viver e que este projeto passa a constituir, em algum grau ou medida, seu modo de ser ou de viver efetivo. Por outro lado, ambas as correntes reconhecem as limitações dessa possibilidade de projetar, que agem especialmente no fato de que, em certa medida, cada projeto já encontra como dados(como relativamente não modificáveis) os elementos que utiliza, que tudo o que ele pode projetar para o futuro já foi, de qualquer modo ou forma, no passado, e que, portanto, o passado condiciona, em certos limites (considerados mais ou menos amplos), o futuro do homem. É neste sentido que Heidegger disse que o projeto é o modo de ser fundamental do homem (Sein und Zeit, § 31) e Sartre falou de um projeto fundamental do mundo (L’être et le néant, p. 540). No mesmo sentido, John Dewey falou da mutabilidade da natureza humana e dos seus chamados instintos ou impulsos fundamentais (Human Nature and Conduct, pp. 95 ss.; 106 ss.). Heidegger insistiu também sobre a limitação da possibilidade de projetar, uma vez que todo projeto incidiria e se achataria naquilo que já foi, nisso consistindo a facticidade do homem (v. Projeto). Sartre insistiu na liberdade absoluta da possibilidade de projetar e considerou puramente arbitrária ou gratuita a escolha de um projeto qualquer (L’être et le néant, p. 721). Por outro lado, Dewey retomou o conceito iluminista de racionalidade (que é ao mesmo tempo condicionamento e liberdade) dos projetos humanos, e o existencialismo positivo deu ênfase aos mesmos caracteres de auto-projeção (cf. Abbagnano, Possibilita e liberta, 1956,1, 7; II, 3; etc). Aliás, hoje parece que até os biólogos compartilham dessa concepção. G. G. Simpson diz: “O homem pode optar por desenvolver suas capacidades como animal superior e tentar erguer-se ainda mais, ou sua escolha pode ser outra. A escolha é responsabilidade sua e apenas sua. Não existe automatismo que o eleve sem escolha ou esforço, nem existe uma tendência unilateral na direção certa. A evolução não tem objetivos; o homem deve dar objetivos a si mesmo” (The Meaning of Evolution, 6a ed., 1952, p. 310). [Abbagnano]
O vocábulo alemão equivalente “Mensch” está relacionado com “Mann”: varão. Em seu sentido primitivo obscuro, e oriundo talvez de uma raiz ainda hoje existente em “mahnen”: advertir, exortar, “Mensch” significa “ser pensante”. Não se conhece também com exatidão o sentido originário do termo grego “anthropos”, interpretado hoje como “rosto varonil”, mas que anteriormente foi interpretado como “o que olha para cima ou para a frente”. Enfim, o termo latino “homo” significa “nascido da terra” (cf. humus). Estas considerações de ordem etimológica aludem já à essência do homem. Por um lado, o homem, ser formado de terra, como as restantes coisas terrestres, ergue-se, por outro lado, acima delas e penetra num mundo superior. Em todo caso, ele permanecerá sempre o ente mundano que maior número de questões suscita, o ente que, via de regra, evita formulá-las, mas também o ente cuja pesquisa resulta sobremaneira compensatória. A autêntica investigação do ser humano descobre constantemente sua grandeza incomparável, em conformidade com o canto imortal do coro da “Antígona” de Sófocles: “Muitas são as coisas grandiosas dotadas de vida, nenhuma delas supera o homem em grandeza”.
Multiforme estratificação caracteriza a natureza humana, ou seja, o homem em seu ser e operar. Primeiramente, oferece-nos um ser corpóreo, na estrutura do qual entram elementos do domínio inorgânico. Se, no entanto, pretendêssemos explicar o homem só por eles, teríamos o materialismo antropológico, que falseia pela raiz a essência daquele. Vemos, além disso, que o homem é um corpo vivo ou organismo, que em si congloba todos os fenômenos e atividades da vida corporal. Seu corpo assemelha-se ao dos animais superiores; daí, que as funções vegetativas (nutrição, crescimento, reprodução), se realizem segundo o tipo fundamental do animal, com o qual ele compartilha também a vida consciente sensitiva. O homem encontra-se tão vinculado aos organismos que, a propósito dele, podemos pôr a questão da descendência somática ou da evolução de seu corpo a partir de formas prévias inferiores (evolucionismo). Todavia o homem não pode ser explicado apenas partindo da vida corporal, como nem deve subordinar tudo o mais ao desenvolvimento desta. Tal primazia da vida seria materialismo biológico.
Consideramos até aqui, o homem como membro da natureza; contudo, no que tem de mais característico, ele supera a natureza. Possui uma vida espiritual intrinsecamente independente de tudo o que é corpóreo. Por isso, o conhecimento intelectual baixa ao mais profundo das coisas, até ao ser, e ergue-se até ao Ser absoluto (Deus), fundamento último de todo ser. Por isso, a vontade se revela soberanamente livre em face dos bens finitos e abarca todo o bem, incluindo o Bem supremo (Deus). Pelo que, a vida espiritual representa o grau mais elevado da vida, pois que, transcendendo todos os limites, se move no infinito.
Embora o homem possua esta vida só em medida finita e Deus, pelo contrário, a possua em grau infinito, ambos coincidem em possuí-la, sendo por isso o homem imagem de Deus. Daí resulta para o homem a primazia do espirito, ao qual tudo o mais está subordinado. Esta realidade superior, o espírito, vivifica e imprime também seu cunho nos demais elementos estruturais do homem, p. ex., em sua vida sensitiva e até em sua aparência exterior (porte erecto, etc), de sorte que, malgrado sua múltipla estratificação, apresenta um conjunto unitário. Esta harmonia global é particularmente garantida pelo fato de a alma espiritual una ser igualmente o princípio dos outros graus de vida e formar, juntamente com o corpo, um só existente.
A natureza espiritual do homem dota-o da dignidade e intangibilidade peculiar e exclusiva da pessoa. Seu caráter único e singular transparece sobretudo na imortalidade pessoal, mercê da qual, o homem, superando tudo quanto é terrestre, aspira a seu fim pessoal supra-terreno, que é a posse de Deus. Daí, o nunca ser lícito utilizar o homem como simples meio, bem como a obrigação de manter sempre intatos seus direitos fundamentais inalienáveis ( liberdade exterior e inviolabilidade, liberdade de consciência, livre exercício de religião, propriedade privada, etc). O autêntico valor do homem é determinado por sua comprovada pureza ética, não por sua operação visível. Todavia esta lhe é recomendada como campo de sua atuação moral. Além disso, sua natureza espiritual manifesta-se também na plasmação criadora da cultura histórica.
A polaridade sexual do homem não é menos informada pelo espírito do que os restantes domínios de sua atividade. O sexo é, primariamente, algo de biológico; homem e mulher guardam entre si mútua correspondência como ser fecundante e ser receptor respectivamente. Todavia tal fato implica no homem a nobreza da paternidade e na mulher a da maternidade, entrando então em jogo a personalidade total tanto dos pais quanto a do filho. Ao invés, a personalidade integral do ser humano apresenta o cunho de sua destinação à paternidade ou, respectivamente, à maternidade. Tal peculiaridade, superando sua repercussão no matrimônio e na família, reveste-se de suma importância para o cumprimento das diversas tarefas da humanidade, principalmente para a edificação da humana comunidade. Esta, vivificada pelo fator espiritual, sobrepuja as demais associações infra-hu-manas; ela constitui o espaço vital do homem, o qual sem ela não conseguiria desdobrar plenamente suas virtualidades; por tal motivo não deve o indivíduo negar-lhe seu concurso.
O desenvolvimento integral das disposições e forças da natureza do homem conduz à nobre humanização, que o humanismo preconiza como fim da humana coletividade. Seus ideais devem subscrever-se, na medida em que não excluam da humanidade Deus e o sobrenatural. — Lotz. [Brugger]
ser vivo dotado de razão. —A questão do homem (quer se trate da questão metafísica de sua “natureza” ou da questão moral de sua “destinação”) constitui o interesse fundamental da filosofia moderna. Esta se distingue assim das filosofias do passado, para as quais o problema central era o da existência do mundo exterior (Ber-keley, Hume, Kant) ou o da existência e da natureza da alma só (Descartes). O homem designa a totalidade concreta de um corpo animado e de uma alma inteligente. Poder-se realmente conhecer o que é humano e como se poder conhecê-lo: tal é o problema filosófico de hoje.
I. A formação da ciência do homem. Depois de Hegel, que descobriu poderia a história ser um método de conhecimento das realidades humanas, foi A. Comte o primeiro a falar de uma “ciência do homem”. Seu problema era fundar uma verdadeira ciência, uma sociologia e uma psicologia “positivas”, que destacariam o conhecimento do homem das interpretações subjetivas que as paixões e emoções nos sugerem. Nada achou de melhor que transpor os métodos das ciências da natureza para o domínio das “realidades humanas”. Desse ponto de vista, a “filosofia positiva” não traz nenhum método adaptado ao conhecimento do homem como interioridade e personalidade. Dilthey foi o verdadeiro fundador da “ciência do homem”. Segundo ele, a ciência deveria definir-se como a “teoria das intuições do mundo” (Weltanschauungslehre); agrupava essas intuições do mundo em três rubricas segundo dominassem nelas o elemento sentimental (religião), o racional (ciência) ou o voluntário (moral): a ciência do homem decompunha-se fundamentalmente em filosofia da religião, teoria da ciência e moral. O método geral da ciência do homem deveria ser a “compreensão”, e Dilthey contrapunha à “explicação” das realidades físicas a “compreensão” dos fenômenos humanos. “Não explicamos um homem encolerizado, compreendê-mo-lo”, escreverá Jaspers; e todos os homens podem compreender a relação entre a injúria e a cólera, ainda que não se trate de uma relação causal de tipo físico e sim de uma relação espiritual. Essa universalidade confere ao método de compreensão uma certa objetividade. Atualmente, o conhecimento do homem aprofundou-se graças à psicologia e à sociologia: 1.° a psicanálise ou “psicologia em profundidade” revelou a existência de uma segunda personalidade, inconsciente e atuante, escondida sob os traços da personalidade superficial e social; 2.° a sociologia descobriu que um indivíduo pode mudar totalmente se o consideramos isoladamente ou em grupo. O homem parece então “ondulante e diverso”; e, ainda que Jung tenha deduzido de suas análises psicanalíticas a existência de uma vocação religiosa do homem, a psicanálise e a sociologia mais modernas recusam-se a falar de uma “natureza” do homem: o sociólogo constata os infinitos recursos da adaptação humana, e o psicólogo descobre a impossibilidade, para as pessoas analisadas, em se reconhecerem totalmente em suas próprias imagens descobertas pela análise. O homem é livre, e por isso rebelde a qualquer ciência objetiva.
II. O problema filosófico do homem. Define-se como a busca de uma síntese global de todos os aspectos do homem. A tarefa é “revelar a unidade de uma função geral que coordena todas as criações do homem e apresenta o mito, a religião, a arte etc. como variações sobre um mesmo tema” (Cassirer). O homem seria sempre idêntico a si próprio em todas as suas manifestações. Toda a dificuldade vem do fato de que a filosofia contemporânea (o existencialismo, a fenomenologia, a filosofia reflexiva, o marxismo) quer apreender o homem total, não mais dividido arbitrariamente em “atividade, afetividade e conhecimento”, mas, simultaneamente, em ação, sentimento e razão. Digamos que ela ainda não o conseguiu. Entretanto, não é contraditório querer-se conhecer “através de seu pensamento” uma existência em si mesma irracional? E uma vez que somente na experiência da vida o homem pode realmente conhecer o homem, não seria preciso concluir que, na ausência de qualquer solução especulativa, a solução se encontre numa “filosofia engajada” (Sartre, Merleau-Ponty, Jaspers)? O homem é menos para “conhecer” que para “realizar”. III. A verdadeira ciência do homem é a moral. Seu problema é o da destinação do homem no mundo. Pode-se distinguir, a este respeito, as morais “formais” (Kant), que afirmam que o homem deve agir “por dever”, sem precisar concretamente o conteúdo dos deveres que deve realizar; e as morais “concretas” (Fichte, Max Scheler), que identificam o dever à “vocação”, a lei profunda e criadora de uma personalidade. Como pode o homem conhecer seu destino? Ele não tem um conhecimento teórico positivo dele, e sim uma consciência prática negativa: toma conhecimento de falsas orientações que dá à sua vida, e seu verdadeiro destino ressalta de seus erros por uma “teologia negativa praticamente vivida” (Scheler). É trabalhando, tomando consciência de seus limites e de suas verdadeiras possibilidades que cada homem pode conhecer e realizar seu caminho, que poderá “fazer, e fazendo, fazer-se” (Nietzsche). [Larousse]