espiritualismo

A doutrina segundo a qual o espírito constitui a substância de toda realidade (contrapõe-se ao materialismo). — Diferencia-se da oposição entre idealismo e realismo, que são doutrinas sobre a origem do conhecimento e não sobre a natureza do ser. Leibniz, por exemplo, é um espiritualista na medida em que sustenta originar-se a matéria da energia, e a energia, de uma força impossível de perceber-se, logo, diz ele, de natureza espiritual. O espiritualismo contrapõe-se ao materialismo não apenas como o espírito à natureza, mas também como a vida contrapõe-se ao mecanismo: a filosofia de Bergson, que afirma a irredutibilidade da vida a qualquer forma de mecanismo físico-químico, conduz a um espiritualismo (em As duas fontes da moral e da religião) que identifica a espontaneidade da vida com a atividade criadora do espírito. Mais especificamente, a psicologia espiritualista é a que estuda os fenômenos psicológicos como produtos das faculdades da alma. (V. Cousin, Lachelier.) [Larousse]


Designa-se espiritualismo (do latim: spiritus = espírito), em oposição a materialismo, a doutrina que defende a realidade do espírito ou de seres espirituais. — O espiritualismo metafísico procura explicar o ser, a partir do espírito. A forma monista do espiritualismo supõe que toda realidade é espírito, e precisamente o espírito único e absoluto (assim no idealismo alemão); a forma pluralista propugna que a realidade consta de uma pluralidade de seres espirituais; segundo isso, ao corpo não corresponde nenhum ser substantivo (assim o idealismo de Berkeley, a monadologia de Leibniz, etc); a forma teísta afirma que o fundamento primário de toda realidade é espírito e, por tal motivo, as demais coisas reais possuem afinidade com ele. — O 8»pt-ritualismo psicológico professa a espiritualidade da alma humana, quer como corolário do espiritualismo metafísico, quer em contraposição ao corpo material. A doutrina de Descartes apresenta uma forma estreme do espiritualismo psicológico: espírito (= pensamento e liberdade) e matéria (= extensão e necessidade mecânica) opõem-se entre si imediatamente sem os graus intermédios da vida vegetativa e sensitiva, os quais entanto não são puramente materiais, embora dependam da matéria. — O espiritualismo ético-sociológico acentua a diferença essencial existente entre os interesses animais e os especificamente espiritual-humanos. Quando exagerado, considera o corpóreo em seu mero valor de servidor do espírito, ou simplesmente até como nãovalor ou mal. — Não se confunda o espiritualismo com o espiritismo. — [Brugger]


Colocam-se os espiritualistas numa posição inversa. A Psicologia não pode ser reduzida à Fisiologia, e os fatos fisiológicos, por si sós, não são suficientes para explicar os fatos psicológicos.

O espiritualista afirma a espiritualidade da alma, cuja atividade, bem como sua existência, são independentes da matéria.

Cabe ao espiritualista responder a um conjunto de perguntas que desde logo se colocam:

1) Qual é a natureza dessa alma?

2) Quais as relações entre a alma e o corpo?

3) Qual a origem e o destino da alma?

Muitas têm sido as respostas a essas perguntas fundamentais. Sintetizaremos apenas as mais importantes.

1) A alma é uma substância espiritual, imaterial, incorpórea. Não apresenta as características dos corpos que se dão no complexo tempo-espacial, que são extensistas com a tridimensionalidade própria do espaço. A alma, incorpórea, não tem a tridimensionalidade do espaço, embora atue no tempo. Como é simples, não é decomponível; portanto não conhece a morte, que é decomposição. É imortal, consequentemente. Esta é a opinião dos espiritualistas em geral.

2) A alma é uma coleção de fenômenos e de sensações. Não tem ela materialidade, mas é apenas um relacionamento coordenado de funções psíquicas. Esta opinião, acusada por muitos de materialista, tomou o nome geral de fenomenismo, e foi defendida por Taine, que fazia questão de que não o chamassem de materialista, mas podemos encontrá-la já esboçada em Hume.

“Quando penetro mais intimamente no que se chama eu mesmo, caio sempre sobre alguma percepção particular ou alguma outra, de calor ou de frio, de luz ou de obscuridade. .. Não posso, nunca, tomar a mim mesmo numa percepção, e pode-se dizer seguramente que eu não existo.” (Hume).

Não alcançamos nosso eu senão através de seus atos. É um fato observável. Conclui pela inexistência do eu, pelo fato de não ser alcançado. Mas como concluir daí a sua inexistência?

3) A explicação escolástica. Para os escolásticos, a substância e os acidentes (o que acontece à substância), não são dois seres, mas dois princípios de um mesmo ser.

Todo acidente, que pode surgir e pode desaparecer, supõe um suppositum, um suporte, o sujeito, uma realidade permanente, na qual se produzem tais modificações. Como conceber a côr, o calor, sem corpos coloridos, quentes?

Os fenômenos psicológicos são apenas acidentes, pois são transitórios, mutáveis. Ora estou triste, ora alegre, etc. Há, consequentemente, uma substância sub-jacente a esses fenômenos, a esses acidentes psicológicos.

Nós captamos a unidade do nosso eu. A memória atribui ao mesmo eu fatos passados. Sem essa permanência, como haver memorização de fatos passados? Haveria, ao contrário, apenas fatos atuais.

O acidente, como se viu na Ontologia, não é um ser com uma existência independente. Os acidentes dão-se na substância. O ser do acidente consiste em ser num ser (inesse). Também as relações, que são seres assistenciais, implicam os seus suportes. Mas a substância não é um ser sem acidentes, pois à substância tudo quanto acontece é acidente.

A substância é essencial aos acidentes, mas estes não o são de modo determinado à substância. Os fatos psíquicos implicam portanto uma substância, que realiza atos psíquicos.

Essa alma é simples, imaterial. Se fosse composta de partes, e portanto material, cada parte simples teria um conhecimento do todo. Teríamos então uma multiplicidade de almas, tenho cada uma um conhecimento próprio, o que é contrário à experiência que temos da unicidade do conhecimento. Ainda poderíamos observar que cada parte do princípio cognoscente conheceria uma parte do objeto, mas o próprio objeto não seria conhecido em seu conjunto, o que também é contrário aos fatos.

A ideia de espiritualidade supõe a simplicidade, a imaterialidade.

Os estudos sobre a memória mostram-nos que não se pode explicá-la como uma mera função do cérebro, como já o provaram tanto filósofos como fisiologistas.

A capacidade de construir ideias abstratas e gerais não se pode explicar apenas pelo que é singular. Uma imagem pode ser uma cópia da matéria, mas como concluir que o seja uma ideia abstrata? A ideia de justiça, de bem, de perfeição são puramente intelectuais, e não dadas pela experiência.

Ora, há um axioma ontológico que nos diz que cada ser atua segundo o que é (agere sequitur esse). O espírito humano tem representações intelectuais, portanto é uma inteligência pura.

Se por meio do material o espírito realiza o imaterial, espiritual, é porque ele sem dúvida é espiritual. Quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur, cada um recebe a ação que sofre segundo o que é. A fotografia de um triângulo, que o geômetra traça no papel, não é o pensamento sobre o triângulo. Só o homem intui do concreto e do particular o abstrato e o geral. Só o homem tem intuições eidéticas.

Além do mais, o homem capta ideias normativas, o ethos, que estudaremos na “Ética”. Elas não nascem da experiência sensível, afirmam os espiritualistas. A ideia do bem e do belo não surgem da nossa experiência, elas afirmam uma participação nossa em outro mundo que não este, onde tais valores se dão numa perfeição superior à que nós deles temos.

A vontade mostra-nos uma atividade espiritual. P. Lamy analisa o exemplo do soldado que, na guerra, tem um membro infeccionado. Não há anestésicos. É preciso amputá-lo. Todo o seu corpo diz não. Mas sua vontade diz sim, e aceita a proposta do médico. Como explicar tal ato, quando todo organismo se rebela à dor que o ameaça?

Ante as relações entre o corpo e a alma, explica o espiritualista : o homem não é um puro espírito, ele é também corpo. É o espírito que anima esse corpo, um princípio imaterial que o anima.

Mas como realidades tão heterogêneas podem agir uma sobre a outra? Os idealistas absolutos, que negam a matéria, resolvem este problema pela aceitação de um monismo espiritualista.

O paralelismo psico-fisiológico, que já estudamos na Psicologia, procura explicar, sem no entanto resolver, o problema da ação recíproca entre corpo e alma.

O problema coloca-se portanto deste modo:

a.) enquanto os idealistas não são capazes de explicar o problema da sensação, também não são os materialistas capazes de explicar o pensamento.

b) A aceitação de um dualismo não nos explica a ação recíproca.

Vejamos a resposta de Tomás de Aquino:

A alma é a forma do corpo. É a alma que dá ao corpo o ser, a vida, o sentimento, e é ao mesmo tempo o instrumento do pensamento. Eia pode atuar e existir independentemente da matéria. A alma não é uma forma como a dos seres corpóreos, como a da flor, que precisa da matéria para existir. A alma é uma forma subsistente, e pode subsistir sem a matéria.

Qual a origem e o destino da alma? A esta pergunta são dadas, pelos espiritualistas, as seguintes respostas principais:

Pondo-se de lado as opiniões evolucionistas, que não são aceitas por todos os. espiritualistas, senão sob certo aspecto, a opinião predominante, no Ocidente, é a criacionista.

Os evolucionistas, quando são espiritualistas, dizem que Deus atua por causas primeiras e causas segundas (e aqui aproveitam o raciocínio tomista). Se o homem é portador de uma alma, é porque Deus providenciou (pro-videre, viu com antecedência) ordenou o mundo de tal modo que se dessem tais ou quais consequências para que ela surgisse. A evolução processou-se pela conjunção de causas segundas favoráveis, que atuando como predisponentes, permitiram a emergência da alma, que nos animais é simplesmente vegetativa ou animal, mas que, no homem, é racional.

Esta posição realiza um compromisso entre o evolucionismo e o espiritualismo, e empresta à matéria uma virtualidade espiritual. No entanto, poderiam argumentar os defensores de tais ideias que não se empresta à matéria essa virtualidade, enquanto matéria. O material é um modo de ser, como o espiritual é um modo de ser. O ser que as antecede em dignidade e poder é que se atualiza como espiritual, quando um conjunto de condições favoráveis permitiram que a matéria fosse receptáculo de outro ser, o espiritual, que não é um desenvolvimento daquela enquanto tal, mas do ser, que a antecede.

O ser animal, graças à providência divina, alcançou um estado em que podia receber a alma, isto é, ter funções espirituais, afirmam os evolucionistas espiritualistas, ou a receber uma alma, afirmam os criacionistas, que admitem a evolução, que é um ponto intermédio entre os primeiros e os criacionistas puros.

Uma pergunta impõe-se aos criacionistas puros, que não admitem nenhuma procedência da animalidade: por que Deus preferiu a forma animal, aparentada aos primatas, e não outra para ser receptáculo de uma forma espiritual? Não deveria corresponder fisiologicamente ao psicológico?

Outras perguntas se impõem: ou a alma vem dos país, ou foi criada por Deus? E quando surge a alma da criança? Se ela preexistia, onde estava? Num animal, numa coisa, ou pairava em um mundo imaterial à espera da sua informação material?

A Igreja quanto à passagem bíblica que diz: “E Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus. Fê-lo do barro, e insuflou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem tornou-se um ser vivo” (II, 17), dá liberdade às investigações dos filósofos católicos. Reconhece que este texto não pode ser tomado ao pé da letra. A Encíclica “Divino afflante Spirito” permite que se considere essa passagem como uma exposição popular (exotérica), afim de ser melhor compreendida pelo homem do povo.

Fabre d’Olivet, traduzindo o texto hebraico, de cuja língua foi ele um restaurador, traduz deste modo: “E IHOAH, a Deidade Criadora, modelou a substância de Adão, o homem, com a sublimação das partes mais subtis dos elementos adâmicos, e soprei-lhe na inteligência uma essência exaltada de vidas; e Adão tornou-se uma semelhança da Alma Universal.”

Às perguntas que acima alinhamos, os espiritualistas afirmam preferentemente que a alma veio de Deus. Outros, porém, admitem que seja transmitida pelos pais, o que explicaria o pecado original, que é transmitido deste modo, por geração.

Admitem outros que a alma animal é transmitida por geração. Mas o espírito não o é. Se se admite essa explicação, como surgiriam as funções espirituais? É esta dificuldade que leva a construir a ideia de espírito, que agora se torna clara.

Quanto ao seu destino, afirmam os espiritualistas a imortalidade da alma, por ser imaterial e espiritual, a qual não sofre a dissociação dos elementos, pois é simples. Desligada do corpo, não pode sofrer o destino do corpo. [MFS]


(in. Spiritualism, Personalism; fr. Spiritualisme; al. Spiritualismus; it. Spiritualismo).

1. Entende-se por esse termo toda doutrina que pratique a filosofia como análise da consciência ou que, em geral, pretenda extrair da consciência os dados da pesquisa filosófica ou científica. Essa palavra começou a ser utilizada no século passado por V. Cousin, que, no prefácio à edição de 1853 de sua obra Du vrai, du beau et du bien, assim escrevia: “Nossa verdadeira doutrina, nossa verdadeira bandeira é o espiritualismo, essa filosofia tão sólida quanto generosa, que começa em Sócrates e Platão, que o Evangelho difundiu pelo mundo, que Descartes colocou nas formas severas do pensamento moderno, que no séc. XVII foi uma das glórias e das forças da pátria, que pereceu com a grandeza nacional no séc. XVIII e que no início deste século Royer Collard reabilitou no ensino público, enquanto Chateaubriand e Madame de Staël a transportavam para a literatura e para a arte… Essa filosofia ensina a espiritualidade da alma, a liberdade e a responsabilidade das ações humanas, as obrigações morais, a virtude desinteressada, a dignidade da justiça, a beleza da caridade; e além dos limites deste mundo mostra um Deus, autor e modelo da humanidade, que, depois de tê-la criado evidentemente para um propósito excelente, não a abandonará no desenrolar misterioso de seu destino. Essa filosofia é a aliada natural de todas as causas justas. Sustenta o sentimento religioso, favorece a verdadeira arte, a poesia digna desse nome, a grande literatura; é o apoio do direito; rejeita igualmente a demagogia e a tirania, etc”. Esse programa do espiritualismo, magistralmente delineado por Cousin, foi adotado por todas as numerosíssimas formas assumidas por essa corrente filosófica na filosofia moderna e contemporânea. O apoio às “boas causas”, isto é, aos valores morais, políticos, sociais e religiosos da tradição, continuou sendo preocupação constante do espiritualismo, que, sob esse aspecto, tem o comportamento e a natureza de uma escolástica. O meio de realizar seu programa foi também indicado por Cousin: o recurso à consciência, à reflexão interior ou introspecção para o inventário dos dados indispensáveis à especulação. O recurso à consciência, como o próprio Cousin observava, vincula o espiritualismo ao idealismo romântico, mas este não compartilha com o idealismo romântico a identificação entre consciência finita (humana) e Consciência infinita (divina). Como defensor da teologia cristã tradicional (a principal das suas “boas causas”), o espiritualismo não admite essa identificação, que lembra panteísmo ou ateísmo.

A figura principal do espiritualismo do século passado é Maine de Biran (1766-1824); a figura principal do espiritualismo do séc. XX é Henri Bergson (1859-1941). O espiritualismo tem congenialidade com a filosofia francesa, que hauriu em Montaigne e Pascal a prática de filosofar como interrogação da consciência. Mas em todos os países suas manifestações são numerosas, conquanto não muito diferentes. As grandes figuras da filosofia do risorgimento italiano, Galluppi, Rosmini, Gioberti e Mazzini, inspiraram-se na tradição espiritualista. Na Alemanha, a obra de Hermann Lotze inspirou e conduziu a retomada do espiritualismo, e a obra Microcosmo, desse autor, pode-se dizer que constitui o epítome do espiritualismo oitocentista, defendido de forma inteligente contra o cientificismo positivista. No mundo contemporâneo, a obra de Bergson renovou o espiritualismo ao ir ao encontro, na medida do possível, das exigências da ciência e ao re-propor suas teses fundamentais sobre problemas específicos, como liberdade, alma, vida, moralidade, religião, etc. Em todas as suas formas, porém, o espiritualismo tem em comum algumas teses fundamentais”, que derivam do seu conceito da filosofia como análise da consciência e que podem ser assim resumidas:

1a Negação da realidade do mundo externo, ou seja, o idealismo gnosiológico. Essa negação pode ser mais ou menos condicionada ou indireta, mas em última análise é inevitável, porque uma realidade exterior à consciência seria, por definição, inacessível a esta e contradiria o compromisso metodológico do espiritualismo. Logo, direta ou indiretamente, essa doutrina reduz a realidade a objeto imediato da consciência;

2a Consequente redução da ciência a conhecimento falso, imperfeito ou preparatório. Os espiritualistas mais avisados, como Lotze e Bergson, reduziram a ciência a conhecimento preparatório.

3a Inventário, na consciência, de dados aptos a construir o mundo da natureza e o mundo da história em seu caráter finalista ou providencial.

4a Inventário, na consciência — e, portanto, no mundo da natureza e da história —, de dados que remontariam a Deus ou a um princípio divino em alguma de suas especificações que se ajustasse à tradição teológica do cristianismo.

5a Defesa da tradição e das instituições em que a tradição se encarna, porquanto a tradição é interpretada como manifestação no mundo humano do mesmo princípio divino que se revela na consciência. A defesa das “boas causas”, de que falava Cousin, na maioria das vezes se traduz em conservadorismo político.

2. O mesmo que espiritismo. Esse uso é mais comum em inglês, mas pode ser encontrado também em italiano e em alemão (cf., p. ex., a obra de I. H. Fichte, Der neue Spiritualismus, 1878). [Abbagnano]