VIDE Budismo
O budismo, oriundo da pregação de Buda (morto por volta de 480 a. C.) foi originariamente uma seita do bramanismo. Não sendo possível fixar com certeza os ensinamentos do próprio Buda, limitamo-nos a descrever o budismo na mais antiga forma que nos é acessível. O budismo é uma doutrina de salvação, que pressupõe a doutrina do ciclo de nascimentos (metempsicose). Tem como fundamentais as “quatro verdades”: 1. A vida inteira do homem é sofrimento, porque tudo é transitório. Não existe nenhum fundamento último firme, nenhuma substância: tudo é devir, transformação. Não existe alma, nem eu pessoal, afora a mudança perene dos estados internos. O renascimento não consiste no retorno da mesma pessoa, mas na rigorosa conexão causal que impera de uma existência a outra, não menos que entre os vários estados da mesma existência. 2. A origem do sofrimento é o desejo, a ânsia, o apetite dos sentidos. O fundamento do sofrimento é exposto pormenorizadamente na doutrina do nexo causal de doze partes. A velhice e a morte pressupõe o nascimento, o qual não existe sem o devir. Por sua vez, o devir tem como condição a apreensão do mundo sensível, pois sem esta não teria sido possível a vida que conduz ao novo nascimento. A apreensão realiza-se à base do desejo ou apetite sensível, o qual ee alimenta mediante a percepção causada pelo contacto dos sentidos com as coisas. Os sentidos pressupõem o corpo e a alma (“nome” e “forma”). Corpo e alma formam-se, quando a consciência do futuro homem penetrou na mãe. A nova consciência é efeito da persistência operativa que as realizações da consciência precedente possuem, realizações que têm sua causa na ignorância daquilo que Buda, como salvador, ensinou (as quatro verdades). Esta ignorância deve ser suprimida. Serão então suprimidas igualmente as causas intermédias e o efeito último, que é o sofrimento. 3. A cessação do sofrimento resulta da, completa anulação do desejo. A anulação meramente parcial conduz ou a uma existência celestial ou só a uma existência terrena extraordinária, a partir da qual se alcança o objetivo supremo: o nirvana. Todavia este estado pode igualmente já ser encontrado antes , da morte, se a chama do desejo se tiver extinto completamente. O nirvana não é o nada, mas sim a plena libertação de tudo o que é caduco, doloroso. Além desta determinação negativa, não é possível dizer em que consista o nirvana, porque transcende toda experiência e todo conceito, que são caducos. Descrições ou figurações intuitivas, que procuraram adaptar-se à compreensão de círculos mais vastos, apontaram frequentemente o nirvana como um estado paradisíaco. 4. O caminho para esta meta é a senda de oito partes, que contém em substância as mesmas exigências do ioga. No cimo das exigências éticas, que não são fins em si, mas meios destinados a apartar os obstáculos para a ascensão espiritual, encontra-se o respeito a toda vida em ações, palavras e pensamentos.
O budismo foi-se aperfeiçoando sucessivamente em sua rota através da história. Enquanto no budismo meridional (hinayãna = pequeno veículo) este aperfeiçoamento consistiu principalmente numa sistematização da velha concepção budista do universo, o budismo setentrional (mahãyãna = grande veículo) enveredou por uma orientação em parte muito afastada do budismo antigo. Da veneração do Buda histórico transitou-se para a veneração amorosa do Buda divino ou de múltiplos Budas divinos de caráter puramente espiritual, a qual, acabando por remontar a um Buda primário, deu origem a uma espécie de panenteísmo. Enquanto no budismo antigo só o monge podia, mediante a concentração, chegar ao nirvana, a nova forma confere também ao leigo a possibilidade de, por meio do amor e da liberdade, alcançar a perfeição. Esta, porém, no mahãyãna, não consiste mais no estado de santidade, mas na expectativa de “budificação”, a fim de assim contribuir, através de inúmeros renascimentos, para a salvação de toda a humanidade. — A gnoseologia do hinayãna é realista; a do mahãyãna, idealista. Ulterior variedade do budismo mahãyãna é o budismo mágico do chamado veículo diamantino. — Dor. [Brugger]
Em linhas gerais, chama-se budismo o resultado dos ensinamentos e das pregações que Gautama Buda (480 a. C) produziu sobre temas filosóficos, religiosos, éticos, sociológicos, etc. O budismo origina-se de uma seita do bramanismo. Em sua forma mais antiga, apresentava-se como uma doutrina da salvação. Fundada na metempsicose (emigração das almas), estabelecia quatro verdades fundamentais, que eram as seguintes: 1) a vida humana é apenas dor, porque tudo é passageiro, não há nenhum fundamento útil, firme, não há nenhuma substância, porque tudo flui. Nem a alma, nem o eu existem fora da mutação de todas as coisas.
2) A dor tem sua origem no desejo e no apetite dos sentidos. Há velhice e há morte, porque há nascimento, e tudo isso porque há o devir (vir-a-ser).
3) A anulação da dor é alcançada pela anulação do desejo, que pode ser conseguida parcial ou totalmente. O ideal supremo de toda doutrina é o nirvana, que é a anulação do desejo. O nirvana não é propriamente o nada, mas apenas o estado, onde não há mais deficiências nem dor. Pela nossa conceituação se alcança ao nirvana, apofaticamente, isto é, por negações, sem que se possa estabelecer em que positivamente ele consiste. No entanto, pode-se dizer que o nirvana é um estado paradisíaco.
4) Para alcançar o nirvana existem oito caminhos, que têm as exigências do yoga. As exigências éticas são apenas meios para remover obstáculos.
O budismo é classificado, historicamente, em budismo meridional, ou do pequeno veículo (hinayana), e o budismo setentrional, ou do grande veículo (mahayana). O primeiro é uma visão sistemática da antiga concepção budista; no segundo, passa-se da veneração do Buda histórico para o Buda divino, puramente espiritual. Esta é uma doutrina panenteísta. Vide panenteísmo. Pela doutrina do hinayana, do pequeno veículo, só os monges alcançavam o nirvana, enquanto pelo mahayana, a budificação pode ser alcançada pelo leigo.
Entre os grandes budistas podemos citar Sunyavada, Iocacara, Saltrantika, Bhasika, etc.
O budismo teve e tem sua influência na Índia, mas em maior escala no Tibete e na China. [MFSDIC]
VIDE BUDISMO tântrico; BUDISMO chinês; BUDISMO coreano; BUDISMO japonês; BUDISMO tibetano.
Após o seu funeral (parinirvana), a sucessão do Buda à frente de samgha fica a cargo de Mahakasyapa, e não de Ananda, o discípulo fiel que por ter estado vinte e cinco anos ao serviço do Iluminado, nunca tinha tido tempo de estudar as técnicas de meditação e de se tornar um arhat, isto é, um ser que atingiu o nirvana e que não voltará mais ao ciclo das reencarnações. Quando Mahakasyapa convoca os arhats para o Concílio de Rajagrha, Ananda não é convidado. Recolhendo-se na sua solidão, ele passa a dominar rapidamente as técnicas do ioga e torna-se ele próprio um arhat. Questionado por Mahakasyapa, Ananda recita os sutras enquanto o discípulo Upali formula as regras da disciplina (vinaya).
Qual teria sido, segundo os veneráveis documentos, a forma original da pregação do Buda?
Contrariamente ao que muitos estudiosos possam ter dito, o BUDISMO não é «pessimismo». Na sua origem, trata-se de uma doutrina muito característica no conjunto das religiões do mundo, uma doutrina não afirmativa, mas primeiramente negativa. O caminho do BUDISMO é o caminho da desvalorização do Eu e, consequentemente, do mundo dos fenômenos. As certezas que o Buda permite, na sua exemplar desconfiança, em relação a todo o discurso metafísico, são de natureza negativa; é por essa razão que aqueles que gostam do rigor da lógica puderam sentir uma certa afinidade entre o método de Buda e de certos neopositivistas, em particular Wittgenstein.
Neste sentido, o exemplo mais representativo é do monge Malunkyaputta (Majjhima Nikaya, sutta 63), perturbado pelo fato de o Buda pregar ao mesmo tempo «que o mundo é eterno e que o mundo não é eterno, que o mundo é finito e que é infinito, que a alma e o corpo são idênticos e que não são idênticos, que o arhat existe para além da morte, e que não existe para além da morte, que ele existe e não existe após a morte, que ele nem existe nem não existe…» Apresentando-se perante o Buda para que este lhe explique, obtém a seguinte resposta: «É como se um homem tivesse sido ferido por uma flecha envenenada e, quando os seus amigos e familiares procuravam um médico, esse homem dissesse: “Não retirarei a flecha antes de saber se aquele que me feriu é um guerreiro, um sacerdote, um vaisya ou um sudra… Qual é o seu nome e a que tribo pertence… Se é de estatura grande, média ou pequena… Se é negro, moreno ou loiro…”», etc.
Da mesma forma, quando o asceta itinerante Vaccha lhe apresenta todas as teses que acabamos de enunciar e as suas antíteses, tentando dar uma ideia da doutrina do Buda, este nega, por sua vez, as teses e antíteses, proclamando-se «livre de toda a teoria». Perante a perplexidade de Vaccha, que raciocina em termos de uma lógica simplista (se A não é verdade, então não-A é verdade), o Buda pergunta-lhe se ele seria capaz de responder à questão: Para onde é que foi um fogo extinto, para Este, Oeste, Sul, ou Norte? O reconhecimento da ignorância do seu interlocutor permite ao Buda comparar o arhat a um fogo extinto: toda a afirmação que diz respeito à sua existência será conjectural (Majjhima Nikaya, sutta 72).
Pelas mesmas razões que o levam à negação de toda a teoria, o Buda opõe-se à doutrina brâmane do Eu (atman) como elemento invariável do agregado humano, sem apesar disso afirmar o contrário, nomeadamente que a morte leva à extinção completa do arhat (cf. Samyutta Nikaya 22,85), pela simples razão de que o que se chama «arhat» sendo, como tudo o resto, uma simples convenção linguística (cf. Milindapanha 25), não se saberia dar-lhe uma existência real. E por isso que os únicos atores do universo são o sofrimento e a extinção:
Há só Sofrimento,
não há sofredor.
Não há agente, só há
a ação.
O Nirvana é, mas não
aquele ou aquela que o procura.
O Caminho existe, mas não aquele ou aquela que por lá vai.
(Visuddhi Magga, 16)
Recusando deixar-se envolver no caminho sem saída da especulação, a pregação do Buda visa essencialmente a salvação. Ao formular a lei da «produção condicionada» (pratitya samutpada; Samyutta Nikaya 22, 90), o Buda faz derivar todo o processo cósmico da Ignorância: «E a Ignorância (avidya) que produz a Informação inata (samskara); é a Informação inata que produz a Consciência (vijnana); é a Consciência que produz os Nomes-e-Formas (riamarupa); são os Nomes-e-Formas que produzem os Seis órgãos dos sentidos (sadatyayana); são os Seis órgãos que produzem o Contato (sparsa); é o Contato que produz a Sensação (vedaria); é a Sensação que produz o Desejo (trsna); é o Desejo que produz o Apego (upadana); é o Apego que produz a Existência (bhava); é a Existência que produz o Nascimento (jati); é o Nascimento que produz a Velhice e a Morte (jaramarana).» O remédio para a Velhice e para a Morte é, portanto, a cessação da Ignorância, que equivale à adoção do Buda, da sua Lei (dharma) e da sua Comunidade (samgha).
O samgha cinde-se após um segundo Concílio em Vaisali, dando lugar a um sistema de seitas budistas que examinaremos de seguida.
O imperador Asoka (274/268-236/234), neto de Chandragupta (ca. 320-296), fundador da dinastia dos Maurias, converteu-se ao BUDISMO, tendo enviado missões para a Báctria, Sogdiana e Sri Lanka (Ceilão). O sucesso desta última foi espantoso, dado que os Cingaleses ficaram até hoje budistas. De Bengala ao Sri Lanka, o BUDISMO conquista os países da Indochina e as ilhas da Indonésia (século I d. C). Por Caxemira e pelo Irão oriental, o BUDISMO propaga-se na Ásia central e China (século I d. C), da China para a Coreia (372 d. C), da Coreia ao Japão (552 ou 538 d. C). Implanta-se no Tibete no século VII d. C.
De 100 a 250 d. C, desenvolve-se uma nova forma de BUDISMO que tem como objetivo criar um meio de libertação superior às doutrinas do passado. É por essa razão que ele se proclama Mahayana, «Grande Veículo», por contraste com o BUDISMO anterior, que recebe a designação de Hnayana ou Pequeno Veículo. Ligeiramente desdenhoso na sua origem, este termo pode ser incluído na cronologia e taxinomia do BUDISMO, na condição de se lhe retirar todo o sentido pejorativo. O processo de formação do Mahayana não é inteiramente conhecido, mas uma etapa intermédia (por volta de 100 d. C.) leva-nos até documentos importantes. Sensivelmente no século VII d. C, o Mahayana perde a sua vitalidade. Será suplantado pelo BUDISMO tântrico, do qual o Vajrayana, ou Veículo de Diamante, é uma variante. O tantrismo propaga-se muito cedo na China (716 d. C).
O Mahayana e o Vajrayana são ensinados nos centros universitários indianos sendo os mais importantes Nalanda e Vikramasila. Quando estes forem destruídos, em 1197 e 1203, pelos conquistadores turcos, o BUDISMO desaparecerá praticamente da Índia. E impossível explicar o seu desaparecimento ante o islão, quando o hinduísmo e o jainismo resistiram. Mas, tal como o BUDISMO tinha sido hinduizado, o hinduísmo teria assimilado um grande número de ideias e práticas budistas. (Eliade e Couliano)