(do lat. simil, simul, semelhante. Caráter do que é semelhante). A semelhança é uma relação de equiparação. Diz-se que algo é semelhante a algo, quando e no em que ambos se equiparam.
Crítica: Na verdade a semelhança não é apenas uma relação. Nela há uma concordância da qualidade (parcial, portanto), porque um ser, que a outro se assemelha, não é apenas qualidade, pois esta é um acidente de alguma coisa, que é substância. A igualdade é uma concordância na quantidade. Na identidade há igualdade e mesmidade completa, quantitativa e qualitativa, que pode ser real quando há coincidência de vários conteúdos do pensamento, ou real–formal, real–ontológica, que é a da substância perdurante. Ora, há relação quando há o prós ti dos gregos, o ad dos latinos, um, ad áliquid. Duns Scot dizia que o ser essencial do relativo é o ad aliud se habere, é habitudo ad aliud, dá-se na referência, no haver-se de uma coisa a outra coisa, que é a definição de Tomás de Aquino.
Mas a semelhança não se reduz a um mero ad áliquid, a um referir-se a outro, mas a uma analogia, na presença de um logos analogante de que participam duas coisas referidas uma à outra. A concordância na qualidade, nos aspectos qualitativos, revela que as coisas relacionadas são participantes de um logos analogante que as analoga. Em suma, ela é a referência entre dois entes que participam, concordantemente, de um logos analogante qualitativo. É, portanto, sempre parcial.
As relações, para as quais não admitiam os platônicos uma forma em si, são as da mera referência, do mero prós ti, do ad áliquid. O prós ti não é a essência total da semelhança. O que é fundamental nela, é a concordância de um logos, de que ambas coisas relacionadas participam. É aqui que está a forma, a estrutura ontológica da semelhança. [MFSDIC]
Estudam os psicólogos uma lei que eles chamam de “lei de semelhança” ou também “lei da similaridade”, nome que dão à disposição geral do espírito que consiste em evocar um objeto percebido ou rememorado, ante a ideia de um objeto semelhante. Analisemos: o que há na natureza, o que se apresenta ao homem, tem caracteres que se assemelham. Como poderia viver o homem, se cada experiência fosse sempre uma nova experiência? Como poderia ele manter a sua existência se tivesse que experimentar cada fato como algo novo? Bergson exemplificava, imaginando um homem que houvesse perdido totalmente a memória, e que não tivesse qualquer memória. Quando ele praticava um ato, esquecia-o totalmente logo após à prática, e o ato seguinte era-lhe inteiramente novo, sem qualquer ligação com os atos anteriores. Esse homem não poderia viver, se entregue a si mesmo, pois não lhe guiaria memória nenhuma de seus atos. Poder-se-ia queimar no fogo tantas vezes quantas dele se aproximasse; morreria de fome, pois não guardaria a memória dos alimentos para satisfazer aquela necessidade imperiosa.
Notamos que, na natureza, os corpos ocupam um lugar e têm uma dimensão. Que esses corpos são mais brandos ou mais duros; isto é, oferecem maior ou menor resistência ao tato. Uns, ao receberem a luz, emitem cores, ou seja, vibrações luminosas, mais ou menos intensas. Assim, as árvores emitem raios luminosos verdes mais ou menos intensos. A memória tem graus diferentes, como veremos. Mas verificamos que existe entre a cor verde de uma árvore e a cor verde de outra árvore, menor diferença que entre ela e a da cor cinzenta de um animal. Assim, verificou logo o homem que entre a cor de umas árvore ou melhor entre a árvore-esta e a árvore-aquela; havia um quê que se assemelhava, isto é, ambas participavam de uma semelhança maior que a da árvore, como a do animal. Os graus de diferença foram permitindo ao homem perceber as semelhanças. Oras, era um imperativo vital para o homem, como o é para os animais superiores, simplificar a experiência, classificar a experiência isto é, reunir os semelhantes ou os menos diferentes entre si e excluir os mais diferentes. Vejamos como se processou esse trabalho de diferenciação. O homem comparou uma árvore a outra árvore. Elas não eram totalmente iguais, quer dizer, uma não podia identificar-se com a outra. No entanto, nessa comparação, verificou ele que a cor de uma se assemelhava à cor de outra. Se as duas árvores eram diferentes, havia entre elas um ponto em que parecia à outra. O que era dado pelo parecido, o homem retirou, separou de uma e de outra, ou seja, abstraiu, que significa, separar, do verbo latino abstrahere.
Essa função de comparação necessária para a vida do homem, criou no seu espírito o que poderíamos chamar de “órgão”, aproveitando o termo da fisiologia para a filosofia, num sentido porém, um tanto rude. Esse órgão, essa função de comparação do espírito, é que gera posteriormente, no homem, a razão. A razão é algo de posterior, no homem, como podemos observar nas crianças. Em face da natureza, o homem primitivo intuía os fatos. Mas esses fatos mostravam conter algo que parecia idêntico. É a razão já desenvolvida que abstrai esse “idêntico” e lhe vai dar um nome, uma denominação comum, que é o conoto.
Em face do fato verde da árvore tal e do fato verde da árvore tal-outra e de muitas outras árvores, a razão abstrai o que há de semelhante numa árvore, que é o verde. Essa denominação comum da cor de uma árvore, de outra, é que forma aquele conceito. -Na sua forma, esta árvore era semelhante àquela outra árvore e à mais outra. Abstraiu-se de uma árvore, de outra e de outra, um fato comum nelas, que consistia no ser um corpo enraizado na terra, com troncos, galhos, folhas etc., e denominou-se de árvore. Eis, portanto, o conceito da árvore. E assim quanto aos galhos, quanto aos troncos, quanto às folhas.
Não é difícil verificarmos ainda hoje, entre nós, que cada dia surgem novos conceitos de fatos específicos que antes não tinham um nome. Por exemplo: descobre-se um fato novo e logo sentimos a necessidade de lhe dar um nome. É que já tendo surgido o conceito, que é uma operação mental, precisamos uma palavra que o enuncie, que é o termo correspondente. É fácil verificar-se que certos conceitos, que até então eram gerais, alargaram-se em novos conceitos especiais. É que a busca da semelhança é cada vez mais exigente. Por exemplo: no conceito de animal, encerramos todos os seres vivos que a zoologia considera animais, mas entre esses estão outros, como os vertebrados e os invertebrados. Estes dois conceitos já não são gerais como o de animal: são mais específicos.
A característica do nosso espírito ao se desdobrar em duas funções: a que procura o semelhante e a que recebe o diferente, como dissemos permite fundamentar o processo da razão e da intuição. Enquanto a primeira função, a de comparar para apreender o semelhante, é a que melhor corresponde à natureza do homem, por simplificar e assegurar uma economia ao trabalho mental, a segunda, cale apreender o diferente, o individual, é-lhe mais cansativa. Por isso, a racionalidade do homem é constante. Mas, por essa racionalização, penetra o homem no terreno das abstrações, pois, como veremos, a razão trabalha com abstrações e tende para o parecido e daí para a identidade. A razão, por uma exigência do semelhante, cada vez maior, chega à ideia da identidade. O movimento, a fluidez, a transformação constante das coisas, que nos revela a intuição, choca-se com a tendência a estatificar, a parar, a homogeneizar, da razão. A razão funciona com o parecido e a intuição com o diferente, por isso cada uma forma, a posteriori, seus próprios conceitos, como veremos. [MFS]