ζωή (zôê, zoe): vida
1. Para os Milésios a vida era uma coordenada da alma (psyche) e do movimento (kinesis), uma atitude pré-filosófica que não requeria prova nenhuma, e o vitalismo prevalecente pode ser nitidamente observado em Tales (ver Aristóteles, Metafísica 983b), e em Anaxímenes (Aécio I, 3, 4) e em Diógenes de Apolônia tardio (frgs. 4, 5), os quais salientam a prioridade do ar como uma arche. Inversamente, a sua ausência depois da negação parmenidiana da mudança para o ser (on) é atestada pelas partículas dos atomistas que têm massa e movimento mas não vida (ver kinesis 4) e pela necessidade dos outros filósofos pós-parmenidianos fornecerem uma fonte externa do movimento (ver kinoun 1-2).
2. Mas se bem que a vida deixasse de ser algo inato às coisas, a sua ligação com a alma permaneceu constante e a prova da imortalidade da alma de Platão gira sobre esse mesmo ponto (Fédon 105b-107a). A postulação platônica de um ciclos da vida não é improvável à luz da ligação entre os eide e a predicação (ver eidos 11), e ele parece, de fato, mencionar isso no Fédon 106d (embora o comentário aí pudesse referir-se a algo imanente). Mas o que de longe é mais revolucionário é a sua admissão, no Soph. 248e, de todos os indesejáveis parmenidianos, a vida, a alma, o intelecto, a mudança, no reino do realmente real (ver psyche 18, kinesis 6), e o seu consequente interesse pelo «ser vivo inteligível» (ver zoon).
3. Para Aristóteles a vida é imanente não transcendente e a sua abordagem é funcional (ver ergon 3, psyche 25). Ele define zoe como a capacidade de auto-subsistência, crescimento e decadência (De anima II, 412a) e fornece (413a) critérios mais elaborados para a determinação da existência da vida: a presença do espírito (noûs), da sensação (aisthesis), do movimento e do repouso no espaço, nutrição, decadência, e crescimento. A sua sede está no coração (De part. anim. III, 665a; ver kardia e confrontar pneuma 3).
Para o tempo tratado em termos de vida, ver chronos; para a tríade neoplatônica de Ser, Vida e Intelecto, trias. [FEPeters]
zoe, “vida”; zao, “viver”; zoon, “ser vivente”; zoogoneo, “procriar”, “dar vida a, “conservar vivo”; zoopoieo, “vivificar”, “dar vida a”.
CL zao, contraído para zo, e seu subs. correspondente zoe, são encontrados de Homero em diante. Um pouco mais tarde, durante o período de Heródoto e dos precursores de Sócrates, surge o subs. zoon, que abrange os homens (logika zoa, “seres racionais”) e os animais (aloga zoa, “seres irracionais”), em contra-distinção com objetos inanimados. Fora do seu uso em Hb 13:11 e 2 Pe 2:12, zoon no NT se confina ao Apocalipse, e se refere aos quatro seres viventes ao lado do trono celestial Querubim). Os dois vbs. compostos, zoogoneo e zoopoieo têm sua origem em um período ainda mais avançado, o de Aristóteles e Teofrasto. Ambos os vbs. se referem aos processos vitais da natureza, usualmente a procriação dos animais e o crescimento das plantas. Este fato é especialmente aplicável azoogoneõ, que, portanto, ocorre de modo esporádico e incidental no NT. zoopoieo, do outro lado, é uma palavra mais técnica que ocasionalmente se emprega nos contextos soteriológicos onde não há referência alguma à história natural.
1. No Gr. clássico, a “vida” se refere em primeiro lugar àquela qualidade viva da natureza da qual os homens, os animais e as plantas compartilham juntamente (para aquilo que segue abaixo, cf. R. Bultmann, TDNT II 83243). Para os gregos, portanto, a vida pertence à categoria da ciência natural, sendo caracterizada pela capacidade de auto-locomoção, em contraste com o movimento mecânico (Platão, Leg. 10, 895c e segs.; Phaedr. 245c e segs.; Aristóteles, An. 2, 2 p. 412b, 16-17; p. 413a, 22 e segs.). Consideram como causa da vida a psyche (alma), que Diógenes da Apolônia imaginava como sendo uma substância etérea (aer), enquanto Xenofantes a considerava como o fôlego trêmulo (pneuma) (H. Diels, Die Fragmente der Vorsokratiker, I, 425, 42). Assim como psyche e zoe ficam estreitamente juntas no pensamento gr., assim também psyche e soma (corpo) (Platão, Phaedr. 105c e segs.; Aristóteles, An. 2, 1p412b, 7 e segs.); a vida natural consiste nos componentes “alma” e “corpo”.
Não somente cada indivíduo por si, como também o universo inteiro é considerado como sendo um organismo vivo (zoon empsychon, Platão, Tim. 30b) ou como sendo um mundo com uma alma Qcosmos empsychos). Até mesmo os deuses, segundo se imagina, são, em larga medida, criaturas vivas (zoa), tendo a natureza bipartida em analogia com o corpo e alma humanos (Aristóteles, Metaph 11, 7, p. 1072b, 28 e segs.). Assim, Platão faz distinção entre seres vivos que são thneta (“mortais”, i.é, “homens”), e athanata (“imortais”, i.é, “deuses”) (Tim. 38c e segs.).
Os gregos consideravam que um terceiro componente era específico na vida humana: a razão, mente ou entendimento (noûs). Enquanto o soma e, até certo ponto, a psyche entram na composição da vida natural, o noûs é um elemento divino que entra na vida humana de fora para dentro, realçando-a além da vida natural e.g. dos animais, e que produz um tipo de existência que é capaz de várias alternativas (bios). Esta ideia se expressa não meramente mediante a grande variedade de construções no dativo que se pode achar com zao (e.g. patridi, “para a pátria”, Demóstenes, Orationes 7:17; patri, “para o pai”, Dionísio de Halicarnasso, 3, 17, 7), como também mediante os adjs., advs. e preps. que podem ser acrescentados, e que qualificam a “vida” como sendo boa (agathe, v. agathon), “ordeira” (kosmios), “razoável” (kata logon) ou “má” (aischra) (Platão, Rep. 521a-Leg. 7,806e;3, 944c).
2. Entre os estoicos, o lema kata physin zen, “viver segundo a natureza”, assumiu grande importância. Esta frase, no entanto, não dá a entender a existência instintiva, mas, sim, a vida que é virtuosa (kat’ areten) ou vivida conforme a razão (kata logon) e que capacita o homem que de outra forma está “morto”, a cumprir o propósito da sua existência (eu zen, “viver bem”; cf. Epíteto, Dissertationes, 1,9, 19;2,9,7-8;3, 1, 25-26; 4, 11, 3). A frase bios kata physin, a “vida segundo a natureza”, também se acha, neste mesmo sentido. Embora os gregos do período clássico encarassem seu ideal como envolvimento ativo nas questões públicas da polis, os estoicos, no período helenístico, idealizavam a completa retirada do alvoroço externo do mundo, e a cultivação da vida interior de cada um.
3. Enquanto os estoicos distinguiam entre a vida externa e interna, o neoplatonismo diferenciava entre a vida neste mundo e a vida além deste mundo. Conforme Plotino, o homem realmente possui a vida natural, mas a vida que é perfeita (teleia) e verdadeira (alethine, v. aletheia) acha-se somente no único domínio divino do Único (hen). O caminho a esta vida verdadeira leva, através da abnegação do corpo e da purificação (katharsis) de todas as coisas terrestres, até o momento da vista ou visão (thea), quando o homem atinge a vida verdadeira e se une com ela (cf. Plotino, Enéadas 1,4,3; 6, 7,31; e assim frequentemente). Em outras palavras, a vida é encarada como ascensão em constante subida.
4. O gnosticismo, por contraste, encarava a vida como descida, zoe, que frequentemente se associa com phos, “luz” (e.g. Corp. Herm. 1, 12), é algo essencialmente divino, um fluido tangível no mundo divino, certamente uma entidade física, mas, ao mesmo tempo, uma coisa indestrutível que possui um poder vivificante; em uma palavra: a imortalidade (athanasia; Corp. Herm. 1, 28). No mundo humano, esta vida puramente divina se mistura com a matéria, pois fica aprisionada no corpo. Não está presente na sua plenitude, mas, sim, apenas na forma de centelhas minúsculas e espalhadas de vida. A pessoa deve, portanto, romper as cadeias da prisão do corpo a fim de desfrutar, pelo menos temporariamente, a visão extática (gnosis, conhecimento), i.é, chegar à união que existe entre as centelhas internas da vida e a vida sobrenatural do mundo divino (Corp. Herm. 1, 6). Esta vida verdadeira se atinge, aqui na terra, somente em momentos fugazes de êxtase. O pleno gozo dela forçosamente é reservado para o futuro, quando todas as partículas de vida e de luz que atualmente estão espalhadas na matéria voltam a se reunir no mundo divino (Corp. Herm. 12, 15:14, 10; e passim).
Desta maneira, há, na história da filosofia grega, duas tendências que se podem perceber dentro desta área de pensamento: em primeiro lugar, a vida verdadeira se divorcia progressivamente dos eventos concretos de todos os dias, e se transfere para um mundo sobrenatural e divino; e, em segundo lugar, a vida se encara sempre mais como coisa tangível, “científica”, de tal modo que a vida humana verdadeira se manifesta não tanto na continuidade dos eventos históricos quanto nos momentos descontínuos da visão extática, totalmente divorciados da história. H. -G. Link [DITNT]
Segundo Alexandre Costa (1999), zoe vale para todos os que vivem, para todos os viventes. Tudo o que vive participa de zoe. O termo vale, portanto, para todos os entes sem exceção, o que é facilmente perceptível no conjunto dos fragmentos (2, 20, 26, 30, 62, 63, 77a e 88). Mesmo os deuses vivem uma vida que é zoe, e isto não só em Heráclito, mas também na literatura grega de um modo geral, visto que é absolutamente frequente nos textos gregos sua associação aos deuses.
Zoe é a vida propriamente vivida, a vitalidade em todos os seus sentidos e aspectos: o caráter orgânico, o vigor, o brilho do aparecimento, a pujança do desenvolvimento, o pulsar que anima e dá alma a todas as coisas, a vida doada, o comportamento physico inerente a todos os entes. Zoe desmancha-se com o advento da morte fática; cessa com a concretização da facticidade de thanatos.