vida vegetativa

Nascer, nutrir-se, crescer, gerar, perecer, são atividades reconhecidas nos seres que vivem em volta de nós e que correspondem ao mais modesto grau de vida: a vegetativa. Este grau, já o sabemos, tem por característica referir-se, como a seu objeto, ao corpo que é informado pela alma (cf. Ia Pa, q. 78, a.1)

“vegetativum… habet pro objecto ipsum corpus vivens per animam”.

Neste nível encontramos três grandes tipos de funções especificamente distintos: a nutrição, o crescimento e a geração.

A função nutritiva.

Consideremos os fenômenos vitais mais comuns. Um dos mais manifestos em sua constância é o da nutrição. Os seres vivos que nos cercam não podem subsistir se não se alimentam. É a própria evidência: cesse um animal ou uma planta de se alimentar e deixará de viver. A mais imediata razão da nutrição é, pois, a conservação do ser. Tal necessidade parece radicar-se no caráter orgânico da substância viva. Os elementos simples não têm, propriamente falando, necessidade de uma atividade conservadora: são ou não são. Os viventes, pelo contrário, não podem manter o equilíbrio de suas diversas partes se não forem dotados de uma tal atividade.

Ainda há outros motivos que parecem justificar a existência da função nutritiva. As duas outras grandes funções da vida vegetativa, o crescimento e a geração, só podem entrar em exercício se o ser vivo estiver alimentado. É um fato de experiência. Assim, neste grau da atividade vital, ocupa a nutrição o lugar de função de base.

“Dizemos que se nutre o ser que em si recebe algo para a sua conservação”:

“id proprie nutriri dicimus quod in seipso aliquid recipit ad sui conservationem”.
Tal é a definição dada por Tomás de Aquino no De Anima (II, l.9). Algumas precisões não serão inúteis. Nem a absorção do alimento, nem as alterações químicas que o alimento sofre na digestão –processo que Aristóteles atribuía ao fogo, comparando-o a um cozimento – não constituem, propriamente falando, a nutrição. Esta consiste formalmente na conversão do alimento na substância daquele que ele nutre, isto é, na assimilação, pelo vivente, de uma substância estranha que o conserva em seu ser e lhe permite exercer suas outras atividades. Tal operação, é preciso notar, não pode ser reduzida a uma simples adição ou justaposição de partes, mas supõe uma verdadeira transformação substancial.

Algumas aproximações a operações vitais de tipo análogo serão aqui de grande interesse.

Já sabemos que a assimilação do alimento não pode ser reduzida a uma simples justaposição material. Mas não se pode compará-la à geração física dos elementos? Sem dúvida, nos dois casos há aparentemente transformação de uma substância em outra com a corrupção de uma das duas, mas as condições destas duas operações são completamente diferentes. Na geração dos elementos, o princípio e o termo da transformação são diferentes: o fogo, conforme teoria antiga, origina-se do ar; enquanto que na nutrição, o princípio e o termo da operação são, na realidade, o próprio ser vivo. A nutrição, em outras palavras, é uma atividade imanente, enquanto que a geração dos elementos físicos não o é.

Nos níveis superiores da vida sensitiva e da vida intelectiva, outras aproximações podem ser feitas. Encontra-se aqui, com efeito, uma atividade, o conhecimento, que tem suas relações com a nutrição corporal. O ser senciente e o ser inteligente, de certo modo, nutrem-se, e falamos mesmo de alimentos espirituais, de fome e sede de verdade. Mas ainda aqui é preciso sublinhar as diferenças. A chamada união intencional do cognoscente com o conhecido é algo completamente singular. Nem o cognoscente, nem o conhecido, encontram-se, como o alimento, destruídos em seu ato comum e deve-se dizer que é antes o cognoscente que se transforma no conhecido. Por fim, enquanto as capacidades da nutrição corporal são estreitamente limitadas, as das potências de conhecer, pelo menos as da inteligência, parecem dilatar-se ao infinito.

A função de crescimento.

É um fato que os viventes não atingem imediatamente seu pleno desenvolvimento, em particular porque não têm de início todo o seu tamanho, mas crescem até ao ponto máximo que corresponde a seu perfeito acabamento. O crescimento, e em especial o aumento quantitativo, apresenta-se como um movimento original que parece exigir uma faculdade especial: a vis augmentativa.

Coloca-se preliminarmente uma questão: é o crescimento dos viventes uma operação especificamente caracterizada de modo a requerer uma potência especial? Não se poderia dizer que é apenas uma resultante da atividade de outras funções vegetativas? Há indícios disto. Com efeito, o crescimento de um ser vivo parece depender de sua alimentação. Por outro lado, parece que a função que gera substancialmente um ser, a ele confere igualmente a quantidade que lhe convém. Apesar destes argumentos, Tomás de Aquino não vê no crescimento uma determinação específica que possa ser reduzida à determinação das outras funções da vida vegetativa e defende, consequentemente, a existência de uma faculdade original explicativa deste fenômeno. Portanto, o objeto próprio do crescimento é precisamente a quantidade do ser vivo, podendo-se definir assim, a faculdade que lhe é correspondente: o poder graças ao qual o ser corpóreo, dotado de vida, pode adquirir a estatura ou a quantidade que lhe convém, como também a potência que lhe corresponde:

“secunda autem perfectior operatio est augmentum quo aliquid proficit in majorem perfectionem, et secundum quantitatem et secundum virtutem” De Anima, II, 1-9

Como toda operação vital, o crescimento, que tem seu princípio no ser vivo e nele termina, é uma operação imanente.

Os seres inanimados são suscetíveis de aumento por justaposição mas, colocado à parte talvez o caso dos cristais e daquilo que a ciência contemporânea chama de ultravirus, não são suscetíveis de um crescimento verdadeiro. O crescimento é um movimento próprio dos seres vivos.

Nos diversos graus da hierarquia dos seres vivos encontra-se proporcionalmente um processo de desenvolvimento ou de crescimento. Mas deve-se notar que fora do mundo corporal não se pode falar propriamente de aumento quantitativo: aqui só podemos encontrar um crescimento segundo a qualidade. Tomás de Aquino, em seu tratado sobre os “habitus”, estudou bem de perto as condições muito especiais deste processo. Aqui basta-nos assinalá-lo.

A função de geração.

Ao lado do poder de se nutrir e de atingir seu pleno desenvolvimento, os seres vivos têm o poder de gerar ou produzir um ser especificamente semelhante ao seu. A física peripatética já falava de geração a propósito dos elementos simples, tais como o fogo, a água, etc …. mas é claro que nos seres vivos esta operação reveste-se de modalidades especiais.

Para fixar a razão de ser da geração podemos nos colocar em dois pontos de vista diferentes:

– com relação ao indivíduo e ao conjunto de suas atividades, a geração aparece como um termo e como uma perfeição: um termo, relativamente às outras operações da vida vegetativa, nutrição e crescimento, que a preparam; uma perfeição: pois que procriar é comunicar seu ser, dar-se, isto é, realizar, de uma certa maneira, aquilo que se entende por esta expressão: “ato do perfeito”, “actus perfecti”.

– com relação ao conjunto dos seres vivos, a geração aparece como ordenada a um fim superior: a conservação da espécie. O que é perfeito, nesta perspectiva, é a espécie que dura; o que é imperfeito é o indivíduo, o qual não podendo perpetuamente subsistir deve, para sobreviver de algum modo, comunicar sua natureza a outros que a prolongam. Aqui a geração aparece como o ato do que é imperfeito: “actus imperfecti”. É fácil perceber que estes dois pontos de vista são complementares.

Tomás de Aquino (Ia Pa, q. 27, a. 2) define assim a geração dos seres vivos: “a geração significa a origem de um ser vivo, a partir de um princípio vivente conjunto, segundo uma razão de semelhança, em uma natureza da mesma espécie”.

“Generatio significat originem alicujus viventis a principio vivente conjuncto secundum rationem similitudinis in natura ejusdem speciei”.

Nesta fórmula que tornou-se clássica: – “a origem de um ser vivo” designa o caráter comum a toda a geração; “a partir de um princípio vivente conjunto” precisa a diferença específica da geração dos viventes; – pelas últimas expressões “segundo uma razão de semelhança” e “em uma natureza da mesma espécie”, são afastadas todas as produções de um corpo vivo, tais como o crescimento dos cabelos ou as diversas secreções, que não terminam em uma natureza especificamente semelhante.

Abaixo do nível da vida vegetativa encontra-se, nós o sabemos, um tipo inferior de geração, a dos elementos materiais, que se distingue, sobretudo do precedente, pelo seu caráter de atividade puramente transitiva.

Acima, isto é, no plano da vida intelectiva, não se encontra, no sentido próprio da palavra, geração, ao menos nos espíritos criados; o “verbum mentis”, ou o conceito no qual exprime-se o conhecimento intelectual, não é da mesma natureza que o princípio do qual procede. Exceção deve ser feita somente para Deus: pela somos levados a reconhecer n’Ele uma geração, a da segunda Pessoa da Trindade, cujo modo transcendente exclui qualquer imperfeição. A Teologia pertence precisar como tentar concebê-la (cf. Ia Pa, q. 27, a. 2).

Conclusão: o sistema da vida vegetativa.

Do que foi dito conclui-se que no peripatetismo a vida vegetativa constitui um conjunto de atividades bem caracterizadas e sistematicamente ordenadas, situadas em um certo plano de imaterialidade e, correlativamente, de imanência. Entre as três grandes funções distintas há uma ordem: a nutrição aparece como a operação fundamental pressuposta pelas duas outras. O crescimento completa a nutrição e, juntas, as duas têm como fim a geração, na qual a vida vegetativa, de certa maneira, atinge seu ponto culminante.

Restaria aqui submeter à crítica esta ingeniosa teoria. É claro que os progressos imensos realizados pelas ciências da vida exigiriam certos retoques. Não é certo, porém, que as profundas visões que presidiram a esta organização tenham perdido todo e qualquer valor. [Gardeil]


Nascer, nutrir-se, crescer, gerar, perecer, são atividades reconhecidas nos seres que vivem em volta de nós e que correspondem ao mais modesto grau de vida: a vegetativa. Este grau, já o sabemos, tem por característica referir-se, como a seu objeto, ao corpo que é informado pela alma (cf. Ia Pa, q. 78, a.1)

“vegetativum… habet pro objecto ipsum corpus vivens per animam”.

Neste nível encontramos três grandes tipos de funções especificamente distintos: a nutrição, o crescimento e a geração.

A função nutritiva.

Consideremos os fenômenos vitais mais comuns. Um dos mais manifestos em sua constância é o da nutrição. Os seres vivos que nos cercam não podem subsistir se não se alimentam. É a própria evidência: cesse um animal ou uma planta de se alimentar e deixará de viver. A mais imediata razão da nutrição é, pois, a conservação do ser. Tal necessidade parece radicar-se no caráter orgânico da substância viva. Os elementos simples não têm, propriamente falando, necessidade de uma atividade conservadora: são ou não são. Os viventes, pelo contrário, não podem manter o equilíbrio de suas diversas partes se não forem dotados de uma tal atividade.

Ainda há outros motivos que parecem justificar a existência da função nutritiva. As duas outras grandes funções da vida vegetativa, o crescimento e a geração, só podem entrar em exercício se o ser vivo estiver alimentado. É um fato de experiência. Assim, neste grau da atividade vital, ocupa a nutrição o lugar de função de base.

“Dizemos que se nutre o ser que em si recebe algo para a sua conservação”:

“id proprie nutriri dicimus quod in seipso aliquid recipit ad sui conservationem”.
Tal é a definição dada por Tomás de Aquino no De Anima (II, l.9). Algumas precisões não serão inúteis. Nem a absorção do alimento, nem as alterações químicas que o alimento sofre na digestão -processo que Aristóteles atribuía ao fogo, comparando-o a um cozimento – não constituem, propriamente falando, a nutrição. Esta consiste formalmente na conversão do alimento na substância daquele que ele nutre, isto é, na assimilação, pelo vivente, de uma substância estranha que o conserva em seu ser e lhe permite exercer suas outras atividades. Tal operação, é preciso notar, não pode ser reduzida a uma simples adição ou justaposição de partes, mas supõe uma verdadeira transformação substancial.

Algumas aproximações a operações vitais de tipo análogo serão aqui de grande interesse.

Já sabemos que a assimilação do alimento não pode ser reduzida a uma simples justaposição material. Mas não se pode compará-la à geração física dos elementos? Sem dúvida, nos dois casos há aparentemente transformação de uma substância em outra com a corrupção de uma das duas, mas as condições destas duas operações são completamente diferentes. Na geração dos elementos, o princípio e o termo da transformação são diferentes: o fogo, conforme teoria antiga, origina-se do ar; enquanto que na nutrição, o princípio e o termo da operação são, na realidade, o próprio ser vivo. A nutrição, em outras palavras, é uma atividade imanente, enquanto que a geração dos elementos físicos não o é.

Nos níveis superiores da vida sensitiva e da vida intelectiva, outras aproximações podem ser feitas. Encontra-se aqui, com efeito, uma atividade, o conhecimento, que tem suas relações com a nutrição corporal. O ser senciente e o ser inteligente, de certo modo, nutrem-se, e falamos mesmo de alimentos espirituais, de fome e sede de verdade. Mas ainda aqui é preciso sublinhar as diferenças. A chamada união intencional do cognoscente com o conhecido é algo completamente singular. Nem o cognoscente, nem o conhecido, encontram-se, como o alimento, destruídos em seu ato comum e deve-se dizer que é antes o cognoscente que se transforma no conhecido. Por fim, enquanto as capacidades da nutrição corporal são estreitamente limitadas, as das potências de conhecer, pelo menos as da inteligência, parecem dilatar-se ao infinito.

A função de crescimento.

É um fato que os viventes não atingem imediatamente seu pleno desenvolvimento, em particular porque não têm de início todo o seu tamanho, mas crescem até ao ponto máximo que corresponde a seu perfeito acabamento. O crescimento, e em especial o aumento quantitativo, apresenta-se como um movimento original que parece exigir uma faculdade especial: a vis augmentativa.

Coloca-se preliminarmente uma questão: é o crescimento dos viventes uma operação especificamente caracterizada de modo a requerer uma potência especial? Não se poderia dizer que é apenas uma resultante da atividade de outras funções vegetativas? Há indícios disto. Com efeito, o crescimento de um ser vivo parece depender de sua alimentação. Por outro lado, parece que a função que gera substancialmente um ser, a ele confere igualmente a quantidade que lhe convém. Apesar destes argumentos, Tomás de Aquino não vê no crescimento uma determinação específica que possa ser reduzida à determinação das outras funções da vida vegetativa e defende, consequentemente, a existência de uma faculdade original explicativa deste fenômeno. Portanto, o objeto próprio do crescimento é precisamente a quantidade do ser vivo, podendo-se definir assim, a faculdade que lhe é correspondente: o poder graças ao qual o ser corpóreo, dotado de vida, pode adquirir a estatura ou a quantidade que lhe convém, como também a potência que lhe corresponde:

“secunda autem perfectior operatio est augmentum quo aliquid proficit in majorem perfectionem, et secundum quantitatem et secundum virtutem” De Anima, II, 1-9

Como toda operação vital, o crescimento, que tem seu princípio no ser vivo e nele termina, é uma operação imanente.

Os seres inanimados são suscetíveis de aumento por justaposição mas, colocado à parte talvez o caso dos cristais e daquilo que a ciência contemporânea chama de ultravirus, não são suscetíveis de um crescimento verdadeiro. O crescimento é um movimento próprio dos seres vivos.

Nos diversos graus da hierarquia dos seres vivos encontra-se proporcionalmente um processo de desenvolvimento ou de crescimento. Mas deve-se notar que fora do mundo corporal não se pode falar propriamente de aumento quantitativo: aqui só podemos encontrar um crescimento segundo a qualidade. Tomás de Aquino, em seu tratado sobre os “habitus”, estudou bem de perto as condições muito especiais deste processo. Aqui basta-nos assinalá-lo.

A função de geração.

Ao lado do poder de se nutrir e de atingir seu pleno desenvolvimento, os seres vivos têm o poder de gerar ou produzir um ser especificamente semelhante ao seu. A física peripatética já falava de geração a propósito dos elementos simples, tais como o fogo, a água, etc …. mas é claro que nos seres vivos esta operação reveste-se de modalidades especiais.

Para fixar a razão de ser da geração podemos nos colocar em dois pontos de vista diferentes:

– com relação ao indivíduo e ao conjunto de suas atividades, a geração aparece como um termo e como uma perfeição: um termo, relativamente às outras operações da vida vegetativa, nutrição e crescimento, que a preparam; uma perfeição: pois que procriar é comunicar seu ser, dar-se, isto é, realizar, de uma certa maneira, aquilo que se entende por esta expressão: “ato do perfeito”, “actus perfecti”.

– com relação ao conjunto dos seres vivos, a geração aparece como ordenada a um fim superior: a conservação da espécie. O que é perfeito, nesta perspectiva, é a espécie que dura; o que é imperfeito é o indivíduo, o qual não podendo perpetuamente subsistir deve, para sobreviver de algum modo, comunicar sua natureza a outros que a prolongam. Aqui a geração aparece como o ato do que é imperfeito: “actus imperfecti”. É fácil perceber que estes dois pontos de vista são complementares.

Tomás de Aquino (Ia Pa, q. 27, a. 2) define assim a geração dos seres vivos: “a geração significa a origem de um ser vivo, a partir de um princípio vivente conjunto, segundo uma razão de semelhança, em uma natureza da mesma espécie”.

“Generatio significat originem alicujus viventis a principio vivente conjuncto secundum rationem similitudinis in natura ejusdem speciei”.

Nesta fórmula que tornou-se clássica: – “a origem de um ser vivo” designa o caráter comum a toda a geração; “a partir de um princípio vivente conjunto” precisa a diferença específica da geração dos viventes; – pelas últimas expressões “segundo uma razão de semelhança” e “em uma natureza da mesma espécie”, são afastadas todas as produções de um corpo vivo, tais como o crescimento dos cabelos ou as diversas secreções, que não terminam em uma natureza especificamente semelhante.

Abaixo do nível da vida vegetativa encontra-se, nós o sabemos, um tipo inferior de geração, a dos elementos materiais, que se distingue, sobretudo do precedente, pelo seu caráter de atividade puramente transitiva.

Acima, isto é, no plano da vida intelectiva, não se encontra, no sentido próprio da palavra, geração, ao menos nos espíritos criados; o “verbum mentis”, ou o conceito no qual exprime-se o conhecimento intelectual, não é da mesma natureza que o princípio do qual procede. Exceção deve ser feita somente para Deus: pela fé somos levados a reconhecer n’Ele uma geração, a da segunda Pessoa da Trindade, cujo modo transcendente exclui qualquer imperfeição. A Teologia pertence precisar como tentar concebê-la (cf. Ia Pa, q. 27, a. 2).

Conclusão: o sistema da vida vegetativa.

Do que foi dito conclui-se que no peripatetismo a vida vegetativa constitui um conjunto de atividades bem caracterizadas e sistematicamente ordenadas, situadas em um certo plano de imaterialidade e, correlativamente, de imanência. Entre as três grandes funções distintas há uma ordem: a nutrição aparece como a operação fundamental pressuposta pelas duas outras. O crescimento completa a nutrição e, juntas, as duas têm como fim a geração, na qual a vida vegetativa, de certa maneira, atinge seu ponto culminante.

Restaria aqui submeter à crítica esta ingeniosa teoria. É claro que os progressos imensos realizados pelas ciências da vida exigiriam certos retoques. Não é certo, porém, que as profundas visões que presidiram a esta organização tenham perdido todo e qualquer valor. (Gardeil)


Nascer, nutrir-se, crescer, gerar, perecer, são atividades reconhecidas nos seres que vivem em volta de nós e que correspondem ao mais modesto grau de vida: a vegetativa. Este grau, já o sabemos, tem por característica referir-se, como a seu objeto, ao corpo que é informado pela alma (cf. Ia Pa, q. 78, a.1)

“vegetativum… habet pro objecto ipsum corpus vivens per animam”.

Neste nível encontramos três grandes tipos de funções especificamente distintos: a nutrição, o crescimento e a geração.

A função nutritiva.

Consideremos os fenômenos vitais mais comuns. Um dos mais manifestos em sua constância é o da nutrição. Os seres vivos que nos cercam não podem subsistir se não se alimentam. É a própria evidência: cesse um animal ou uma planta de se alimentar e deixará de viver. A mais imediata razão da nutrição é, pois, a conservação do ser. Tal necessidade parece radicar-se no caráter orgânico da substância viva. Os elementos simples não têm, propriamente falando, necessidade de uma atividade conservadora: são ou não são. Os viventes, pelo contrário, não podem manter o equilíbrio de suas diversas partes se não forem dotados de uma tal atividade.

Ainda há outros motivos que parecem justificar a existência da função nutritiva. As duas outras grandes funções da vida vegetativa, o crescimento e a geração, só podem entrar em exercício se o ser vivo estiver alimentado. É um fato de experiência. Assim, neste grau da atividade vital, ocupa a nutrição o lugar de função de base.

“Dizemos que se nutre o ser que em si recebe algo para a sua conservação”:

“id proprie nutriri dicimus quod in seipso aliquid recipit ad sui conservationem”.
Tal é a definição dada por Tomás de Aquino no De Anima (II, l.9). Algumas precisões não serão inúteis. Nem a absorção do alimento, nem as alterações químicas que o alimento sofre na digestão -processo que Aristóteles atribuía ao fogo, comparando-o a um cozimento – não constituem, propriamente falando, a nutrição. Esta consiste formalmente na conversão do alimento na substância daquele que ele nutre, isto é, na assimilação, pelo vivente, de uma substância estranha que o conserva em seu ser e lhe permite exercer suas outras atividades. Tal operação, é preciso notar, não pode ser reduzida a uma simples adição ou justaposição de partes, mas supõe uma verdadeira transformação substancial.

Algumas aproximações a operações vitais de tipo análogo serão aqui de grande interesse.

Já sabemos que a assimilação do alimento não pode ser reduzida a uma simples justaposição material. Mas não se pode compará-la à geração física dos elementos? Sem dúvida, nos dois casos há aparentemente transformação de uma substância em outra com a corrupção de uma das duas, mas as condições destas duas operações são completamente diferentes. Na geração dos elementos, o princípio e o termo da transformação são diferentes: o fogo, conforme teoria antiga, origina-se do ar; enquanto que na nutrição, o princípio e o termo da operação são, na realidade, o próprio ser vivo. A nutrição, em outras palavras, é uma atividade imanente, enquanto que a geração dos elementos físicos não o é.

Nos níveis superiores da vida sensitiva e da vida intelectiva, outras aproximações podem ser feitas. Encontra-se aqui, com efeito, uma atividade, o conhecimento, que tem suas relações com a nutrição corporal. O ser senciente e o ser inteligente, de certo modo, nutrem-se, e falamos mesmo de alimentos espirituais, de fome e sede de verdade. Mas ainda aqui é preciso sublinhar as diferenças. A chamada união intencional do cognoscente com o conhecido é algo completamente singular. Nem o cognoscente, nem o conhecido, encontram-se, como o alimento, destruídos em seu ato comum e deve-se dizer que é antes o cognoscente que se transforma no conhecido. Por fim, enquanto as capacidades da nutrição corporal são estreitamente limitadas, as das potências de conhecer, pelo menos as da inteligência, parecem dilatar-se ao infinito.

A função de crescimento.

É um fato que os viventes não atingem imediatamente seu pleno desenvolvimento, em particular porque não têm de início todo o seu tamanho, mas crescem até ao ponto máximo que corresponde a seu perfeito acabamento. O crescimento, e em especial o aumento quantitativo, apresenta-se como um movimento original que parece exigir uma faculdade especial: a vis augmentativa.

Coloca-se preliminarmente uma questão: é o crescimento dos viventes uma operação especificamente caracterizada de modo a requerer uma potência especial? Não se poderia dizer que é apenas uma resultante da atividade de outras funções vegetativas? Há indícios disto. Com efeito, o crescimento de um ser vivo parece depender de sua alimentação. Por outro lado, parece que a função que gera substancialmente um ser, a ele confere igualmente a quantidade que lhe convém. Apesar destes argumentos, Tomás de Aquino não vê no crescimento uma determinação específica que possa ser reduzida à determinação das outras funções da vida vegetativa e defende, consequentemente, a existência de uma faculdade original explicativa deste fenômeno. Portanto, o objeto próprio do crescimento é precisamente a quantidade do ser vivo, podendo-se definir assim, a faculdade que lhe é correspondente: o poder graças ao qual o ser corpóreo, dotado de vida, pode adquirir a estatura ou a quantidade que lhe convém, como também a potência que lhe corresponde:

“secunda autem perfectior operatio est augmentum quo aliquid proficit in majorem perfectionem, et secundum quantitatem et secundum virtutem” De Anima, II, 1-9

Como toda operação vital, o crescimento, que tem seu princípio no ser vivo e nele termina, é uma operação imanente.

Os seres inanimados são suscetíveis de aumento por justaposição mas, colocado à parte talvez o caso dos cristais e daquilo que a ciência contemporânea chama de ultravirus, não são suscetíveis de um crescimento verdadeiro. O crescimento é um movimento próprio dos seres vivos.

Nos diversos graus da hierarquia dos seres vivos encontra-se proporcionalmente um processo de desenvolvimento ou de crescimento. Mas deve-se notar que fora do mundo corporal não se pode falar propriamente de aumento quantitativo: aqui só podemos encontrar um crescimento segundo a qualidade. Tomás de Aquino, em seu tratado sobre os “habitus”, estudou bem de perto as condições muito especiais deste processo. Aqui basta-nos assinalá-lo.

A função de geração.

Ao lado do poder de se nutrir e de atingir seu pleno desenvolvimento, os seres vivos têm o poder de gerar ou produzir um ser especificamente semelhante ao seu. A física peripatética já falava de geração a propósito dos elementos simples, tais como o fogo, a água, etc …. mas é claro que nos seres vivos esta operação reveste-se de modalidades especiais.

Para fixar a razão de ser da geração podemos nos colocar em dois pontos de vista diferentes:

– com relação ao indivíduo e ao conjunto de suas atividades, a geração aparece como um termo e como uma perfeição: um termo, relativamente às outras operações da vida vegetativa, nutrição e crescimento, que a preparam; uma perfeição: pois que procriar é comunicar seu ser, dar-se, isto é, realizar, de uma certa maneira, aquilo que se entende por esta expressão: “ato do perfeito”, “actus perfecti”.

– com relação ao conjunto dos seres vivos, a geração aparece como ordenada a um fim superior: a conservação da espécie. O que é perfeito, nesta perspectiva, é a espécie que dura; o que é imperfeito é o indivíduo, o qual não podendo perpetuamente subsistir deve, para sobreviver de algum modo, comunicar sua natureza a outros que a prolongam. Aqui a geração aparece como o ato do que é imperfeito: “actus imperfecti”. É fácil perceber que estes dois pontos de vista são complementares.

Tomás de Aquino (Ia Pa, q. 27, a. 2) define assim a geração dos seres vivos: “a geração significa a origem de um ser vivo, a partir de um princípio vivente conjunto, segundo uma razão de semelhança, em uma natureza da mesma espécie”.

“Generatio significat originem alicujus viventis a principio vivente conjuncto secundum rationem similitudinis in natura ejusdem speciei”.

Nesta fórmula que tornou-se clássica: – “a origem de um ser vivo” designa o caráter comum a toda a geração; “a partir de um princípio vivente conjunto” precisa a diferença específica da geração dos viventes; – pelas últimas expressões “segundo uma razão de semelhança” e “em uma natureza da mesma espécie”, são afastadas todas as produções de um corpo vivo, tais como o crescimento dos cabelos ou as diversas secreções, que não terminam em uma natureza especificamente semelhante.

Abaixo do nível da vida vegetativa encontra-se, nós o sabemos, um tipo inferior de geração, a dos elementos materiais, que se distingue, sobretudo do precedente, pelo seu caráter de atividade puramente transitiva.

Acima, isto é, no plano da vida intelectiva, não se encontra, no sentido próprio da palavra, geração, ao menos nos espíritos criados; o “verbum mentis”, ou o conceito no qual exprime-se o conhecimento intelectual, não é da mesma natureza que o princípio do qual procede. Exceção deve ser feita somente para Deus: pela fé somos levados a reconhecer n’Ele uma geração, a da segunda Pessoa da Trindade, cujo modo transcendente exclui qualquer imperfeição. A Teologia pertence precisar como tentar concebê-la (cf. Ia Pa, q. 27, a. 2).

Conclusão: o sistema da vida vegetativa.

Do que foi dito conclui-se que no peripatetismo a vida vegetativa constitui um conjunto de atividades bem caracterizadas e sistematicamente ordenadas, situadas em um certo plano de imaterialidade e, correlativamente, de imanência. Entre as três grandes funções distintas há uma ordem: a nutrição aparece como a operação fundamental pressuposta pelas duas outras. O crescimento completa a nutrição e, juntas, as duas têm como fim a geração, na qual a vida vegetativa, de certa maneira, atinge seu ponto culminante.

Restaria aqui submeter à crítica esta ingeniosa teoria. É claro que os progressos imensos realizados pelas ciências da vida exigiriam certos retoques. Não é certo, porém, que as profundas visões que presidiram a esta organização tenham perdido todo e qualquer valor. (Gardeil)