valor

(gr. axia; lat. aestimabile; in. Value; fr. Valeur; al. Wert; it. Valore).

Em geral, o que deve ser objeto de preferência ou de escolha. Desde a Antiguidade essa palavra foi usada para indicar a utilidade ou o preço dos bens materiais e a dignidade ou o mérito das pessoas. Contudo, esse uso não tem significado filosófico porque não deu origem a problemas filosóficos. O uso filosófico do termo só começa quando seu significado é generalizado para indicar qualquer objeto de preferência ou de escolha, o que acontece pela primeira vez com os estoicos, que introduziram o termo no domínio da ética e chamaram de valor os objetos de escolha moral. Isso porque eles entendiam o bem em sentido subjetivo (v. Bem, 2), podendo assim considerar os bens e suas relações hierárquicas como objetos de preferência ou de escolha. Por valor, em geral, entenderam “qualquer contribuição para uma vida segundo a razão” (Diógenes Laércio, VII, 105), ou, como diz Cícero, “o que está em conformidade com a natureza ou é digno de escolha (selectione dignurri): (De finibus, III, 6, 20). Por “estar em conformidade com a natureza”, entendiam o que deve ser escolhido em todos os casos, ou seja, a virtude; como “digno de escolha”, entendiam os bens a que se deve dar preferência, como talento, arte, progresso, entre as coisas do espírito; saúde, força, beleza entre as do corpo; riqueza, fama, nobreza, entre as coisas externas (Dióg. L, VII, 105-06). A divisão entre valor obrigatórios e valor preferenciais será mais tarde expressa como divisão entre valor intrínsecos ou finais e valores extrínsecos ou instrumentais.

A retomada dessa noção no mundo moderno só ocorre com a retomada da noção subjetiva de bem: isso acontece com Hobbes: “O valor de um homem, como o de todas as outras coisas, é seu preço, o que poderia ser pago pelo uso de suas faculdades: portanto, não é absoluto, mas depende da necessidade e do juízo de outro. O preço de um hábil comandante militar é alto em tempo de guerra, presente ou iminente, mas não em tempos de paz” (Leviath., I, § 10). Todavia, a noção de valor só suplantou a de bem nas discussões morais do séc. XIX, e mesmo nessa época isso aconteceu porque foi estendido o significado do termo que fundamentava então as ciências econômicas (v. economia política). Kant identificara o bem com o valor em geral: “Cada um chama de bem aquilo que aprecia e aprova, isto é, aquilo em que há um valor objetivo”; e acrescentava que nesse sentido o bem é bem para todos os seres racionais (Crít. do Juízo, § 5). No entanto, limitava-se a designar com a palavra valor o bem objetivo, excluindo o agradável e o belo. A extensão do termo para indicar não só o bem, mas também o verdadeiro e o belo, se deve aos Kantianos, principalmente à corrente psicologista do Kantismo. Polemizando contra o próprio Kant, Beneke afirmava que a moralidade não pode determinar uma lei universal da conduta, mas pode e deve determinar a ordem dos valores que devem ser preferidos nas escolhas individuais; os próprios valores são determinados pelo sentimento (Grundlinien der Sittenlehre, 1837, I, pp. 231 ss; Grundlinien des Naturrechtes, 1838, I, pp. 41 ss.). Essa orientação da ética para os valores, em filósofos que se inspiravam em Kant, sem dúvida é devida à tendência psicologizante, que tem como corolário a noção subjetivista do bem. Mas foi principalmente Windelband quem falou, nos ensaios depois reunidos em Prelúdios (1884), de um “valor de verdade” e de um “valor de beleza”, além de um “valor de bem”. Para a difusão desse conceito e do termo valor, Nietzsche contribuiu muito com suas obras fundamentais Jenseits von Gut und Böse(1886) e Zur Genealogie der Moral (1887). Foi mais ou menos a partir dessa época que o conceito de valor passa a ser fundamental em filosofia, e as discussões em torno dele esgotam quase totalmente o campo dos problemas morais.

É também a partir da mesma época que tende a reproduzir-se, no campo da teoria dos valores, uma divisão análoga à que caracterizara a teoria do bem: entre um conceito metafísico ou absolutista e um conceito empirista ou subjetivista do valor O primeiro atribui ao valor um status metafísico, que independe completamente das suas relações com o homem. O segundo considera o modo de ser do valor em estreita relação com o homem ou com as atividades humanas. A primeira concepção é motivada pela intenção de subtrair o valor, ou melhor, determinados valores e modos de vida neles fundados, à dúvida, à crítica e à negação: essa intenção parece pueril, se pensarmos que o v. mais solidamente ancorado na consciência dos homens e que mais paixões provoca também é o v. mais mutável e relativo, a tal ponto que às vezes os filósofos se recusam pudicamente a considerá-lo autêntico: o valor-dinheiro.

1) A primeira concepção deve, por um lado, insistir na ligação do valor com o homem e por outro na independência do valor A primeira determinação é, de fato, constitutiva do valor e marca a característica que o distingue do bem, como é tradicionalmente entendido. A segunda determinação visa a conferir caráter absoluto ao valor O conceito Kantiano do a priori parecia conter ambas as determinações; por isso, com Windelband e Rickent o conceito de valor foi elaborado em relação com o de a priori. Para Windelband, o valor é o deverser de uma norma que também pode não se realizar de fato, mas que é a única capaz de conferir verdade, bondade e beleza às coisas julgáveis (Praludien, 4.a ed., 1911, II, pp. 69 ss.). Nesse sentido, os valores não são coisas ou supra-coisas, não têm realidade ou ser, mas seu modo de ser é o deverser(solleri). Rickert repete esse ponto de vista e reitera que o ser dos valores não consiste na sua realidade, mas em seu deverser. Contudo, em Rickert os valores se transformam em realidades transcendentes. Rickert distingue seis domínios do valor: lógica, estética, mística (que é o domínio da santidade impessoal), ética, erótica (que é o domínio da felicidade) e filosofia religiosa. A cada um desses domínios corresponde um bem (ciência, arte, unotodo, comunidade livre, comunidade de amor, mundo divino); uma relação com o sujeito (juízo, intuição, adoração, ação autônoma, unificação, devoção); e determinada intuição do mundo (intelectualismo, esteticismo, misticismo, moralismo, eudemonismo, teísmo ou politeísmo) (System der Philosophie, 1921). A mediação entre a realidade e os valores é esclarecida por Rickert com o conceito de sentido (Sinrí): sentido é a referência da realidade, ou de parte dela, ao mundo dos valores, por meio da qual os valores ingressam na história e são realizados pelo homem (System der Philosophie, I, pp. 319 ss.). Teorias dos valores muito semelhantes a esta foram elaboradas pelo teuto-americano Ugo Munsterberg em Philosophie der Werte, de 1908, pelo americano W. M. Urban (Valuations; its Nature and Laws, 1919; The Intellegible World, 1920), pelo italiano Guido della Valle (Teoria generale e formale dei valor, 1916) e por numerosos outros escritores. Todas essas teorias omitem o problema que está por trás de sua formulação ou lhe dão soluções ilusórias. Por um lado, reconhecem que o valor está de algum modo presente no homem, nas atividades humanas ou no mundo humano cuja norma ou deverser constitui; por outro, exigem que ele seja independente do reconhecimento ou dos feitos humanos e que possua um status indiferente em relação ao mundo humano. Nessas teorias, tende-se a atribuir aos valores as características do ser perfeito: unidade, universalidade e eternidade, em contraposição à multiplicidade, à particularidade e à mutabilidade das manifestações empíricas cuja regra eles deveriam constituir. Por outro lado, como regras dessas manifestações, os valores devem ter com elas uma relação essencial, sem a qual não poderiam servir nem para julgá-las nem para dirigi-las.

O conceito Kantiano do a priori transcendental não se revelara eficaz como modelo para uma solução desse problema. Procurou-se outro tipo de solução, atribuindo-se a intuição do valor a uma experiência sui generis, de natureza sentimental. Segundo Scheler, o sentimento é “uma forma de experiência cujos objetos são completamente inacessíveis ao intelecto, que é cego para eles assim como a orelha e o ouvido são insensíveis às cores”; essa forma de experiência nos apresenta autênticos objetos dispostos numa ordem hierárquica eterna, que são os valores (Der Formalismus in der Ethik, 3a ed., 1927, p. 262). Em outros termos, o valor é o objeto intencional do sentimento, assim como a realidade é o objeto intencional do conhecimento; e esse objeto é apreendido em sua relação hierárquica com os outros objetos da mesma espécie. A intuição sentimental do valor é também um ato de escolha preferencial que segue a hierarquia objetiva dos valores, constituída por quatro grupos fundamentais: valor do agradável e do desagradável, correspondentes à função do gozo e do sofrimento; valor vitais, correspondentes aos modos do sentimento vital (saúde, doença, etc); valor espirituais, ou seja, estéticos e cognitivos; e valor religiosos (Op. cit., pp. 103 ss.).

Esta solução de Scheler, porém, trazia de novo à tona, no domínio da intuição fundamental, a mesma antinomia que caracteriza a interpretação neocriticista ou transcendental do valor, E essa antinomia era justamente tomada como caracterização do valor por Hartmann; este por um lado afirma que os valores são valor só em relação ao ser do sujeito, reconhecendo portanto a relacionabilidade (e não relatividade) deles (Ethik, 3a ed., 1949, p. 141). Por outro lado,

afirma que os valores têm um “ser em siindependente das opiniões do sujeito e que constituem autênticos objetos; estes, embora não sejam reais como os objetos das ciências naturais, têm um modo de ser igualmente imutável e absoluto (Ibid., p. 153). Com terminologia diferente porque de natureza teológica, mas análoga, os mesmos dois aspectos antônimos do valor foram expressos por R. Le Senne, para quem o valor é um Deus-conosco, Deus, que é único e transcendente; como conosco está em relação com o homem e é capaz de guiá-lo (Obstacle et valeur, 1934, pp. 220 ss.).

2) O sucesso do termo valor no mundo moderno se deve em grande parte à obra de Nietzsche e ao escândalo que provocou com a pretensão de inverter os valores tradicionais. Nietzsche declarava depositar suas esperanças “em espíritos fortes e suficientemente independentes para dar impulso a juízos de valor opostos, para reformar e inverter os valores eternos, em precursores ou homens do futuro, que no presente constituam a semente que obrigará a vontade dos milênios a abrir novos caminhos, etc. (Jenseits von Gut und Böse, § 203). Nietzsche considerou que a missão de sua filosofia era a inversão dos valores tradicionais, ironizados como “valor eternos” (Ecce homo, § 4). Essa inversão consistia substancialmente em substituir os valores da moral cristã, fundada no ressentimento, portanto na renúncia e o ascetismo, pelos valores vitais, que nascem da afirmação da vida, de sua aceitação dionisíaca (Genealogie der Moral, I, §10).

Essa concepção de Nietzsche foi considerada uma espécie de relativismo dos valores, e como tal serviu de alvo para a polêmica de todas as doutrinas absolutistas. Na realidade, em Nietzsche, são poucos os indícios de uma relatividade dos valores: sua intenção é, antes, restabelecer uma tábua autêntica de valor, que é a dos valores vitais, em lugar dos valores fictícios, adotados pela moral do ressentimento. A tese autêntica de Nietzsche é de intrínseca relação entre o ser do valor e o homem, de tal maneira que não há valor que não seja uma possibilidade ou um modo de ser do homem. É esta a tese característica da interpretação do valor que chamamos de empirista ou subjetivista. Meinong foi o primeiro a reapresentar explicitamente essa tese, ao reduzir o valor de um objeto à sua “força de motivação” (“Über Werthaltung und Wert” em Archiv fur systematische Philosophie, 1895, p. 341). Ehrenfels, observando que, com base nessa definição, só teriam valor os objetos existentes, definiu o valor como simples “desejabilidade” (System der Wertheorie, I, 1897, p. 53). Essa definição de Ehrenfels é importante porque introduz pela primeira vez e de modo explícito a conotação da possibilidade na noção de valor valor não é a coisa desejada, mas o objeto desejável: não é coisa no sentido de não ser necessariamente um objeto real: não é desejado porque simplesmente pode sê-lo. Não tem significado diferente a definição de valor apresentada alguns anos mais tarde por R. B. Perry, para quemtodo objeto, qualquer que seja, adquire valor quando é investido por um interesse qualquer” (General Theory of Value, 1926, 2a ed., 1950, p. 116): de fato, o interesse, diferentemente do desejo, é apenas uma possibilidade.

Foi exatamente no âmbito dessa concepção de valor que nasceu o relativismo dos valores; isso aconteceu no coração do historicismo, da consideração da relação entre os valores e a história. O primeiro a defender o relativismo dos valores foi Dilthey: “A própria história é a força que produz as determinações de valor, ideias e metas, com base nos quais se determina o significado de homens e acontecimentos” (Gesammelte Schriften, VII, p. 290). Portanto, os valores e as normas nascem e morrem na história e não subsistem fora dela nem acima de seu curso (Ibid., p. 290). O relativismo dos valores em relação à história foi afirmado ainda mais explicitamente por Simmel. Partindo do reconhecimento da relatividade do valor econômico, Simmel chegou ao reconhecimento da relatividade de todos os valores: o valor nunca é uma entidade objetiva, mas sua objetividade deriva apenas da correlação entre sujeito e objeto. Portanto, não existem valor absolutos, e são valor só aqueles que, em determinadas condições, os homens reconhecem como tais. A esfera dos valores distingue-se da esfera da realidade, não com base num status ontológico próprio, mas por uma qualificação categorial, que pode ser aplicada a qualquer objeto (Philosophie des Geldes, 1900, I, § I). O historicismo alemão, todavia, não foi unânime em reconhecer essa relatividade; considerou-a sempre como um perigo, mas às vezes quis evitá-la. Foi Troeltsch o primeiro a formular claramente a antítese entre relatividade histórica e absolutismo dos valores, ao mesmo tempo em que procurava recuperar esse absolutismo no próprio âmbito do historicismo. A solução que ele deu à antítese é a coincidência entre os dois termos antinômicos: cada ponto da história está em relação direta com a esfera dos valores absolutos e contém em si tais valores sem relativizá-los à sua mutabilidade (Der Historismus und seine Probleme, 1922, Gesammelte Schriften, III, p. 211). Do mesmo modo, Meinecke afirmava que a relação com o Absoluto é constitutiva da história, mas que essa relação vai do infinito para o finito, e não o inverso: de sorte que, enquanto a história encontra fundamento nos valores que realiza, o modo de ser destes valores é irredutível à relatividade histórica e conserva validade incondicional (Die Entstehung des Historismus, 1936, II, p. 645).

Como se vê, no interior desta segunda interpretação fundamental do valor, reproduz-se uma situação análoga à que se verificou na primeira: a atribuição de duas características opostas ao valor, absolutidade e relatividade: a primeira constituiria o modo de ser do valor em si, o segundo o seu modo de ser na história. O pressuposto dessa oposição é o caráter de relatividade atribuído à história e em geral a tudo o que encontra lugar na história, entendida segundo o esquema de Bergson como uma criação contínua, em que tudo se cria e se destrói a cada instante. Portanto, não há vestígio de relativismo dos valores onde não há vestígio de relativismo histórico e onde há um conceito menos superficial e diletante de história. Mesmo insistindo na pluralidade dos valores e das esferas de valor, Max Weber não via na história uma incessante criação de valor, cada um deles relativo a um momento da história, nem uma relação fugaz com valor Absolutos, mas uma luta entre diferentes valores à escolha do homem (Gesammelte Politische Schriften, p. 63; v. Pietro Rossi, Lo storicismo tedesco contemporâneo, pp. 367 ss.). O mesmo reconhecimento da multiplicidade dos valores e da importância da escolha que essa multiplicidade está sempre a exigir do homem encontra-se em Dewey, que, exatamente por isso, definiu a filosofia como “crítica dos valores”.- “A confusão em que todas as teorias do valor incidiram, entre determinada posição na relação causal ou sucessiva e o valor propriamente dito, é uma prova indireta de que toda valoração inteligente é também crítica, isto é, juízo da coisa que tem valor imediato. Toda teoria do valor é necessariamente um ingresso no campo da crítica” (Experience and Nature, 1926, p. 397). Mas a crítica dos valores nesse sentido nada mais é que a disciplina inteligente das escolhas humanas. Tal disciplina implica em primeiro lugar a consideração da relação existente entre meios e fins, de tal modo que não se pode julgar dos fins a não ser julgando ao mesmo tempo dos meios que servem para alcançá-los (Theory of Valuation, 1939, p- 53)- Por outro lado, a crítica dos valores não poderia ser eficazmente instituída sem levar em conta outro aspecto dos valores em que R. Frondizi insistiu muito: a conexão entre valor e situação: “A organização econômica e jurídica, os hábitos, a tradição, as crenças religiosas e muitas outras formas de vida que transcendem a ética contribuem para configurar determinados valores que, ao contrário, são considerados existentes num mundo estranho à vida do homem. Embora o valor não possa derivar exclusivamente de elementos de fato, tampouco pode prescindir de conexão com a realidade. Uma separação dessas condena quem a executa a manter-se no plano desencarnado das essências” (Qué son los valores?, 1958, p. 127). Os estudos contemporâneos, elaborados com base nesse pressuposto negativo, evidenciaram os seguintes aspectos:

1) O valor não é somente a preferência ou o objeto da preferência, mas é o preferível, o desejável, o objeto de uma antecipação ou de uma expectativa normativa (v. Dewey, The Field of Value: a Cooperative Inquiry, ed. Ray Lepley, 1949, p. 68; Clyde Kluckohn e outros, em Toward a General Theory of Action, ed. Parsons e Schils, 1951, p. 422).

2) Por outro lado, não é um mero ideal que possa ser total ou parcialmente posto de lado pelas preferências ou escolhas efetivas, mas é guia ou norma (nem sempre seguida) das escolhas e, em todo caso, seu critério de juízo (v. C. Morris, Varieties of Human Value, 1956, cap. I).

3) Consequentemente, a melhor definição de valor é a que o considera como possibilidade de escolha, isto é, como uma disciplina inteligente das escolhas, que pode conduzir a eliminar algumas delas ou a declará-las irracionais ou nocivas, e pode conduzir (e conduz) a privilegiar outras, ditando a sua repetição sempre que determinadas condições se verifiquem. Em outros termos, uma teoria do valor, como crítica dos valores, tende a determinar as autênticas possibilidades de escolha, ou seja, as escolhas que, podendo aparecer como possíveis sempre nas mesmas circunstâncias, constituem pretensão do valor à universalidade e à permanência. [Abbagnano]


O termo “valor” foi pela primeira vez empregado pela economia política, que estuda o valor de uso e de permuta das coisas. Anteriormente a H. Lotze, a filosofia falava de valores apenas incidentalmente; foi ele quem fez do valor um conteúdo basilar da especulação filosófica. Atendendo à coisa significada pelo vocábulo “valor”, não resta dúvida que o pensamento filosófico versou sempre este problema, sob o título de bem e de bondade (bonum et bonitas).

A moderna filosofia dos valores (principalmente Scheler), procedente de Lotze, estabelece nítida distinção entre valor e bem. Segundo ela, os bens pertencem à ordem do ser, ao passo que os valores se erguem, perante esta ordem, com “suprema independência” e formam um reino próprio. Encontramo-nos aqui perante uma espécie de ideias valorativas platônicas, rasgo este que aparece expresso com particular energia em N. Hartmann. Sendo, por esta forma, os valores em si ideias supramundanas, que só o homem introduz no real, tal opinião pode ser denominada idealismo valorativo. Seu contrário é o realismo valorativo ou, melhor, a teoria metafísica do valor, que supera a mencionada separação entre os valores e o ser. — Tal separação é exigida, porque se considera o ser só como realidade empírica sujeita às leis naturais sem interna necessidade essencial; radicar nele os valores equivale a relativizá-los. Se, pelo contrário, penetrarmos até ao ser metafísico com sua absoluta necessidade, implicada também nas coisas visíveis em forma de leis essenciais, então radicar o valor no ser significa precisamente afiançar-lhe o caráter absoluto. Fica, então, patente que o valor é um dos transcendentais; encarado em seu âmago, o ser é valioso; e o valor, ontológico; separá-los seria aniquilados. Só pode haver distinção entre bens e valores, no sentido de por “bens” se entenderem as coisas individuais, na medida em que nelas se realizam os valores, e por “valores” as essências ou ideias valorativas abstraídas daquelas coisas individuais. Em suma, podemos descrever o valor como o próprio ser, na medida em que, mercê de seu conteúdo, significa uma perfeição e assim atrai a potência apetitiva. O caráter normativo do valor radica-se nas leis essenciais implicadas no ser, leis que são norma para o indivíduo, e, em última instância, em que ao ser compete a primazia sobre o nãoser.

Da essência do valor depende a peculiaridade de sua apreensão. Se o valor se separa do ser, não é acessível à razão orientada para o ser; e como se abre unicamente ao sentir emocional, surge o irracionalismo valorativo. O contrário deste seria um racionalismo valorativo, que dilui no ser o caráter peculiar do valor. Entre ambos encontra-se a apreensão intelectual do valor, a qual descobre o valor, porque o ser é intrinsecamente valioso, mas nunca pode constituir a resposta total ao valor, porque este aperfeiçoa o ser e, portanto, só encontra resposta plenamente adequada no sentir e no querer; por isso, a apreensão intelectual do valor estará sempre impregnada de elementos sentimentais e apetitivos.

Pertencem à esfera dos valores a oposição de valor e não-valor, bem como a ordenação hierárquica dos valores. O valor estriba, na ordem ontológica e na operação a ela adequada, ao passo que o desvio da ordem ontológica denota não-valor e, por fim, leva à culpa moral. No que respeita à ordem hierárquica, os graus do valor correspondem aos do ser. De um ponto de vista mais formal distinguem-se o valor por si, o valor deleitável e o valor útil. O valor por si (autovalor) é apetecido por ser o que é; o valor deleitável irradia do valor por si, embora atraia para ele e flua de sua posse beatificante; o valor útil está ao serviço do valor por si, como meio para um fim. Atendendo ao conteúdo, o valor por si apresenta os seguintes graus: valores econômicos, vitais, espirituais (o verdadeiro, o belo, o bem ético) e religiosos (o sacro). Sua hierarquização corresponde a esta enumeração, a qual segue os graus do ser, e na qual os valores religiosos ocupam o posto supremo, pois neles se trata imediatamente do Bem infinito (Deus). — Lötz [Brugger]


Trataremos do conceito do valor num sentido filosófico geral, como conceito capital na chamada teoria dos valores, e também axiológica e estimativa. Caraterístico desta teoria é que não somente se usa o conceito de valor, mas que se procede a refletir sobre o mesmo e a determinar a natureza e caráter do valor e dos chamados juízos de valor. Isto distingue a teoria dos valores de um sistema qualquer de juízos de valor.

Semelhantes sistemas são muito anteriores à teoria dos valores propriamente dita, visto que muitas doutrinas filosóficas, desde a antiguidade, contém juízos de valor. Muito comum foi em certas doutrinas antigas equiparar o ser com o valor, e, mais especialmente, o ser verdadeiro com o valor (Platão). A equiparação do ser com o valor não é, todavia, uma teoria dos valor.. Esta tem várias origens. Por exemplo, quando Nietzsche interpretou as atitudes filosóficas não como posições do pensamento ante a realidade, mas como a expressão de atos de proferir e preterir, deu grande impulso ao que se chamou logo teoria dos valor.. O próprio Nietzsche tinha consciência da importância da noção de valor como tal, falava de valores e de inversão de todos os valores. Deste modo se descobria o valor como fundamento de todas as concepções do mundo e da vida. Mas a teoria dos valores como disciplina filosófica deu um passo em frente apenas quando algumas tendências ou escolas trataram de constituir uma filosofia dos valores. Uma história da teoria dos valores deve evitar o risco de atribuir uma teoria formal dos valores a tendências que carecem efetivamente dela. Não cabe confundir em nenhum caso a teoria dos valores com o sistema de preferências estimativas; a teoria pura dos valores ou axiológica pura é paralela em grande medida à lógica pura. A axiologia pura trata dos valores, enquanto tais, como entidades objetivas, como qualidades irreais, de uma irrealidade parecida à do objeto ideal, mas de maneira alguma idêntica a ele. Os valores são qualidades irreais, porque carecem de corporalidade, mas a sua estrutura difere da dos objetos ideais, também irreais, porque enquanto estes pertencem propriamente à esfera do ser, só de certo modo pode admitir-se que os valores são. Além disso, não pode confundir-se o valor com o objeto ideal, porque enquanto este é concebido pela inteligência, o valor é apercebido de um modo não intelectual, mesmo quando o intelectual não passa tão pouco de ser excluído completamente da esfera dos valores.

Dentro destes limites inseriu a teoria atual dos valores os seus debates e investigações, especialmente os que se referiram ao caráter absoluto ou relativo dos valores, quer dizer, os que tomaram como ponto de partida para uma axiologia a determinação do valor como algo redutível essencialmente à valorização realizada pelos sujeitos humanos ou como algo situado numa esfera ontológica e ainda metafísica independente. Pois enquanto uns, seguido inconscientemente certas tendências que podem classificar-se de nominalismo ético, consideraram que o valor depende dos sentimentos de agrado ou desagrado, do fato de serem ou não desejados, da subjetividade humana, individual ou colectiva, outros admitiram que a única coisa que o homem faz rente ao valor é reconhecê-lo como tal e ainda considerar as coisas valiosas como coisas que participam, num sentido platônico, do valor.

Atribui-se aos valores as seguintes caraterísticas:

1. O valer: na classificação dada pela teoria dos objetos, há um grupo destes que não pode caraterizar-se pelo ser, como os objetos reais e os ideais. Destes objetos diz-se que valem e, portanto, que não têm ser, mas valer. A caraterística do valor é o ser valente, diferentemente do ser ente. A bondade, a beleza, a santidade, não são coisas reais, mas tão pouco entes ideais. Os valores são intemporais e por isso têm sido confundidos às vezes com as idealidades, mas a sua forma de realidade não é o ser ideal nem o ser real, mas o ser valioso. A realidade do valor é, portanto, o valer. 2. Objectividade: Os valores são objetivos, quer dizer, não dependem das preferências individuais, mantendo a sua forma de realidade para além de toda a e valorização.. A teoria relativista dos valores sustenta que os atos de agrado e desagrado são o fundamento dos valores. A teoria absolutista sustenta, em contrapartida, que o valor é o fundamento de todos os atos. A primeira afirma que tem valor o desejável. A segunda sustenta que é desejável e valioso. Os relativistas desconhecem a forma peculiar e irredutível de realidade dos valores. Os absolutistas chegam nalguns casos à eliminação dos problemas que a relação efetiva entre os valores e a realidade humana e histórica põe. Os valores são, segundo alguns autores, objetivos e absolutos, mas não são hipóstases metafísicas das ideias do valioso. A objetividade do valor é apenas a indicação da sua autonomia em relação a qualquer estimação subjectiva e arbitrária. A região ontológica valor não é sistema de preferências subjectivas às quais se dá o título de “coisas preferíveis”, mas tão pouco é uma região metafísica de seres absolutamente transcendentes. 3. Não independência: Os valores não são independentes, mas esta dependência não deve ser entendida como uma subordinação do valor a instâncias alheias, mas como a necessária aderência do valor às coisas. Por isso os valores fazem sempre referência ao ser e são expressos como predicações do ser. 4. Polaridade: Os valores apresentam-se sempre polarmente, porque não são entidades diferentes como as outras realidades. Ao valor da beleza contrapões-se sempre o da fealdade; ao da bondade, o da maldade; ao do santo, o do profano. 5. Qualidade: os valores são totalmente independentes da quantidade e por isso não podem estabelecer-se relações quantitativas entre as coisas valiosas. 6. Hierarquia: O conjunto de valores é oferecido numa tabela geral ordenada hierarquicamente. Esta caraterização dos valores corresponde à axiologia final, que se limita a declarar as notas determinantes da realidade estimativa. A axiologia material, em compensação, estuda os problemas concretos do valor e dos valores e em particular as questões que afetam a relação entre os valores e a vida humana, assim como a efetiva hierarquia dos valores. Cada um deste problemas recebe soluções diferentes segundo a concepção subjectiva e objetivista dos valores, segundo os valores sejam concebidos como produtos da valoração ou como realidades absolutas.

A investigação das relações entre o valor e a concepção do mundo representa um dos problemas mais espinhosos da axiologia material, pois a sua solução depende, por sua vez, em parte, da concepção do mundo vigente ou sustentada pelo investigador. [Ferrater]