(unitas) é a primeira e fundamental das propriedades essenciais ou transcendentais do ser. Isto significa que o ser põe essencialmente unidade. Toda realização do ser traz consigo unidade e toda forma de unidade radica no ser. Do mesmo modo que não há ser sem unidade, assim não há unidade sem ser. A medida e o modo do ser determinam a medida e o modo da unidade; e inversamente, a medida e o modo da unidade manifestam univocamente a medida e o modo do ser. Como primeiro transcendental, a unidade está o mais próximo possível do ser: ser é primariamente unidade. Enquanto transcendental fundamental, constitui a base dos outros transcendentais: da medida e modo da unidade dependem a medida e o modo da verdade, da bondade (valor) e da beleza; a unidade jsenetra-os todos intimamente. A unidade real do ser contrapõe-se a unidade lógica do conceito. A primeira diz que um ente é em si indiviso e “clauso” e, por isso, distinto de qualquer outro. A segunda abarca no conceito universal uma pluralidade real, fazendo dela uma unidade. A unidade dos conceitos, como: o homem, o ser, etc., é lógica ou mental; contudo estriba na realidade, ao passo que os seres individuais compreendidos naqueles conceitos são semelhantes entre si no que respeita à sua essência. — A unidade transcendental e real acima descrita é de natureza metafísica e, por isso, também se encontra Deus. Ela não coincide com a unidade quantitativa, que se restringe ao corpóreo. Esta pressupõe coisas numeráveis, isto é, ordem; portanto, não se aplica a Deus nem, tomada em sentido estrito, aos espíritos puros.
Com os graus do ser são dados os graus da unidade. Em primeiro lugar, convém distinguir entre a unidade composta, resultante de partes, e a unidade simples, que não consta de partes; ambas apresentam, por sua vez, graus. Ascendendo desde do inorgânico até ao homem, passando pela vida vegetal e animal, vê-se claramente como vai aumentando o caráter de “clauso” para dentro e o de “distinto” de tudo o mais, e, por conseguinte, a unidade. — O princípio henológico exprime a primazia da unidade sobre a multiplicidade, quando diz: a multiplicidade pressupõe necessariamente a unidade e não pode existir sem ter a unidade por base. E um caso particular do princípio de causalidade. Com efeito, toda multiplicidade implica contingência, na medida em que o mesmo conteúdo essencial entra em diversos seres individuais, não convindo, assim, necessariamente a nenhum deles. O fundamento último da multiplicidade deve ser uma essência que não permite pluralidade de sujeitos, mas que existe num só sujeito de modo absolutamente necessário: a unidade de Deus. Todas as criaturas, na medida em que implicam relação a esta origem única, são uma só coisa na unidade real da origem. Esta é exagerada pelo monismo estreme, que considera o universo inteiro como um só indivíduo (assim, por exemplo, Parmênides e Spinoza). Dele se aproxima o panteísmo. Não raro são, nestes sistemas, equiparadas a unidade lógica do conceito e a unidade real do Ser absoluto (simplicidade). — Lötz. [Brugger]
Ao examinarmos um fato, atribuímos unidade e estabilidade e o separamos do contorno. Mas a unidade é relativa. Exemplo: um rebanho, que é formado de numerosos indivíduos. Nós buscamos a unidade dos fatos, por exemplo: o átomo é a unidade para a matéria inorgânica, a célula, para a matéria orgânica, a sensação, como pensam alguns, para os atos psíquicos. A ciência hoje não atribui a essa unidade um total isolamento. A absoluta estabilidade do fato é uma ficção, porque eles surgem e desaparecem, num constante “vir-a-ser” (devir), transformam-se, não havendo, portanto, imutabilidade. O isolamento e a delimitação totais são artificiosos, pois não há fatos absolutamente isolados, pois há um entrosamento entre eles. (MFSDIC)
Já examinamos o que se entende por unidade: caráter do que é um. Não se deve confundir o conceito de unicidade com o de um. Unicidade é o caráter do que é único, sem segundo idêntico a ele, enquanto o de ser um, refere-se ao caráter de quem tem unidade.
A unidade é indivisa. Muitos julgam que é negativo o conceito de indiviso. Mas a unidade é positiva, e o caráter de ser indivisa, aponta apenas a recusa que se faz à unidade de não ser senão ela mesma, pois se divisa, a unidade, enquanto tal, deixá-lo-ia de ser.
Consequentemente, todo ente é um (ente ôntico). “Um, o que é indiviso em si e distinto de qualquer outro” (Tomás de Aquino). Unidade é dada pela coerência (veritas ontológica) pela inteligibilidade do ente, enquanto ente.
A unidade pode ser, em linhas gerais:
a) simples, de simplicidade;
b) de composição.
É unidade simples, de simplicidade, a que além de indivisa é ainda indivisível.
O átomo dos filósofos é indiviso, pois é a-tomós, e também é indivisível porque é simples, não composto. Também, assim, um puro espírito é indiviso e indivisível.
Os seres compostos, que como tais não são simples, formam uma unidade de composição, e formam um todo. Enquanto todo, é individido atualmente, mas não excluí a divisibilidade. As unidades forma–matéria, substância–acidente, são para muitos unidades de simplicidade, embora apresentem distinções metafisicamente consideradas; para outros, unidades de composição, mas muito mais coerentes do que as que compõem as unidades de composição física. Um átomo, na concepção atômica científica, é uma unidade de composição forte.
Estas unidades, que são estruturas, como as estruturas de ordem biológica, de ordem psicológica e sociológica, possuem graus de coerência, de coesão, maior ou menor. São assim “tensões”, no sentido que damos a este termo, que incorporamos ao universo de discurso da filosofia. Mas a tensão oferece um aspecto importante. Se ela é, como todo, quantitativamente a soma das suas partes, é qualitativamente diferente, o que revela um salto qualitativo importante, que a “Teoria Geral das Tensões” estuda.
Duns Scot oferece esta divisão de unidade:
Unitas aggregationis (unidade de conjunto) é a que forma um grupo de objetos simplesmente reunidos.
Unitas ordinis (unidade de ordem). Esta não é uma pura e simples juxtaposição, mas nela cada parte ocupa um lugar justificável, em virtude de um certo princípio.
Unitas per accidens (Unidade por acidente). Não é propriamente uma relação de ordem, mas a unidade de um determinado e de uma forma que o determina. Se a forma é acidental, a unidade é per accidens. Se a forma é substancial, estamos, então em face de uma.
Unitas per se, uma unidade por si. Finalmente a unidade mais alta é a Unitas simplicitatis, que implica uma perfeita identidade, pois o que está numa unidade de simplicidade, seja o que for, é a mesma coisa que seja o que for, nela.
A unidade não é um termo apenas unívoco, pois a unidade que encontro neste livro como um artefato humano, portanto do mundo da cultura, e um ser vivo, como unidade, é diferente. Mas também não é apenas equívoco, porque, em ambos casos, estamos em face de uma coerência. Há síntese de semelhança e de diferença, portanto a unidade é análoga, como examinaremos ao tratar o tema da analogia.
O ser é unidade. E como já vimos, ser e um se convertem (ens et unum convertuntur). Se o ser fosse divisível pelo nada, por exemplo, como o afirmam alguns, teríamos, então, diversos seres, e cairíamos no pluralismo, com todas as aporias que daí decorrem, como ainda veremos em lugar oportuno. [MFS]
(gr. monas; lat. Unitas; in. Unity; fr. Unité; al. Einheit; it. Unita).
1. Em sentido próprio, o que é necessariamente uno, indivisível: ou no sentido de ser desprovido de partes ou de suas partes serem inseparáveis da totalidade e inseparáveis entre si. Este foi o conceito elaborado por Aristóteles, que distinguiu o que é uno por si, ou essencialmente, do que é uno por acidente (Met., V, 6, 1015 b 16); definiu a unidade (monas) como alguma coisa indivisível, absoluta ou quantitativamente (Ibid., 1016 b 24), e distingiu quatro espécies fundamentais de unidade: a) a das totalidades contínuas, como p. ex. os organismos; b) a das formas ou substâncias; c) a numérica; d) a definitória, ou seja, a unidade de coisas que têm a mesma definição (Ibid, X, 1052 a 15-1052 b 15; v. V, 6, 1016 a I-1016 a 35). Essas determinações aristotélicas não são perfeitamente coerentes porque, ao mesmo tempo que definem a unidade como indivisibilidade, incluem entre suas formas a continuidade que o próprio Aristóteles define como a divisibilidade em partes por sua vez divisíveis (v. contínuo). Seu significado, porém, está bem claro. A unidade, ou seja, o uno por si, é, por um lado, a identidade da forma ou da substância consigo mesma; por outro, a identidade dos objetos que têm a mesma definição (identidade dos indiscerníveis) e por outro ainda é o elemento ou o princípio do número.
No que diz respeito ao número, esse conceito de unidade durou muito tempo (v. número), mas das outras duas formas distinguidas por Aristóteles, a unidade formal ou substancial foi a mais frequentemente assumida como conceito ou ideal de unidade na tradição filosófica. Os neoplatônicos ilustraram e exaltaram a unidade como condição necessária do ser, negligenciando a distinção aristotélica entre a unidade, que é necessária, e o uno, que não é. Para Plotino, a unidade é sempre necessária: “Separados do um, os seres não existem mais. O exército, o coro, o rebanho não existiriam se não fossem um exército, um coro. um rebanho. A casa e a nave não são se não têm unidade, porque a casa é uma casa e a nave é uma nave, e, se perdessem a unidade, não seriam nem casa nem nave. Nem as grandezas contínuas existiriam se não tivessem unidade. Divida-se uma grandeza: perdendo a unidade, seu ser se transforma. O mesmo acontece para os corpos das plantas e dos animais, que, se perdem a unidade e se dividem em muitas partes, perdem o ser que possuíam e não são mais o que eram; transformam-se em outros seres que, em sendo, são um ser cada um (Enn., VI, 9,1). Essas considerações foram decisivas para a história ulterior do conceito de unidade. Repetidas por Proclo (Inst. theol, 21, etc.) e por Dionísio, o Areopagita (De div. nom., XIII, C-D), passaram para a filosofia medieval (v. Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q. II, a. I) e foram retomadas por Nicolau de Cusa (De docta ignor, I, 5), que identificou a unidade absoluta com o máximo absoluto e ambas as coisas com Deus, inspirando as especulações correspondentes de G. Bruno sobre o assunto. A substância das coisas consiste na unidade (De la causa, princípio et uno, V, em Op., ed. Guzzo e Ameno, p. 409).
Locke foi o primeiro a polemizar o conceito de unidade substancial. Afirma que “a unidade de substância” não permite entender as várias espécies de identidades, como p. ex. a identidade da substância do homem, da pessoa, etc, e que tais identidades devem ser esclarecidas ou explicadas independentemente umas das outras (Ensaio, II, 27, 8). Mas já Leibniz voltava à defesa da identidade substancial, “única unidade verdadeira e real” (Nouv. ess., II, 27, 4). Wolff redefiniu a unidade no sentido tradicional, entendendo-a como “a inseparabilidade das coisas por meio das quais o ente é determinado” (Ont., § 328); segundo Wolff, determinação do ente nada mais é que a razão ou a forma do ente (Ibid., § 116). O papel determinante que Kant atribui à síntese, em todos os graus e formas do conhecimento e, em geral, da atividade humana, orienta-se pelo mesmo privilégio concedido à noção de unidade. Para Kant, unidade é sinônimo de síntese ou de nexo necessário. Seu caráter específico é, em outros termos, a inseparabilidade do que é unificado ou sintetizado. Como fundamento de todos os graus ou formas de unidade, que constituem as formas e os graus do conhecimento, Kant põe “a unidade objetiva da percepção”, que se manifesta com o uso da cópula é, em sentido objetivo. Segundo Kant, essa cópula designa “a unidade necessária” do sujeito com o predicado e a relação dessa unidade necessária com a apercepção originária. Isso não quer dizer que as representações ligadas pela cópula sejam “necessariamente subordinadas uma à outra”, mas sim que elas são “subordinadas uma à outra por meio da unidade necessária da apercepção” (Crítica da Razão Pura, § 19). Como se vê, o uso kantiano do conceito de unidade é, rigorosamente, tradicional: Kant transfere para o eu penso, ou “unidade necessária da apercepção”, o fundamento da unidade necessária dos objetos, mas a noção mesma de unidade necessária” é aristotélica. Nem mesmo Hegel se afasta dessa noção, lamentando que ela pudesse ser entendida como “reflexão subjetiva” e afirmando que deveria, ao contrário, ser entendida no sentido de “não–separação e inseparabilidade”. Mas este é justamente o conceito aristotélico de unidade (Wissenschaft der Logik, I, livro I, seç. I, cap. I, n. 2). O uso desse termo, presente em toda a obra de Hegel para indicar o terceiro momento da dialética, o da unidade ou identidade dos opostos, conforma-se perfeitamente a esse conceito.
No uso filosófico corrente, esse termo nem sempre conserva o significado próprio de indivisibilidade ou inseparabilidade, ou seja, de nexo necessário. Contudo, esse significado está presente quando se fala da unidade de Deus, do mundo, da natureza, ou da história, e mesmo quando se fala de unidade ideias ou normativas, como “unidade da humanidade” ou “unidade da família”, etc.
2. Em correlação com o significado acima, os filósofos chamam de unidade os elementos constitutivos ou os princípios gerais do ser. Sabemos que, nesse sentido, para os pitagóricos “a unidade é o princípio de todas as coisas” (Diógenes Laércio, VIII, 25; J. Stobeo, Eci, I, 2, 58). No mesmo sentido, o neoplatonismo falou em Mônadas ou de Énades (Proclo, Inst. theol, 64) e Leibniz chamou de Mônadas (v. mônada) as substâncias espirituais que, segundo ele, seriam os elementos do mundo. Nesses usos, o termo conserva o significado de substância indivisível.
3. Em sentido genérico e impróprio o mesmo que um/uno. [Abbagnano]