sagrado

(gr. hieros; lat. sacer; in. Sacred; fr. Sacré; al. Heilig; it. Sacro).

Objeto religioso em geral, ou seja, tudo o que é objeto de garantia sobrenatural ou que diz respeito a ela. Como essa garantia às vezes pode ser negativa ou proibitiva, o sagrado tem caráter duplo, de santo e sacrílego: sagrado porque prescrito e exaltado pela garantia divina, ou porque proibido ou condenado pela mesma garantia (cf. Durkheim, Les formes élémentaires de la vie religieuse, 1912). R. Otto chamou estes dois aspectos, respectivamente, de fascinante e tremendo (Das Heilige, 1917). Heidegger, interpretando uma poesia de Hölderlin que identifica a natureza com o sagrado, considerou o sagrado como raiz do destino dos homens e dos deuses: “O sagrado decide inicialmente, acerca dos homens e dos deuses, quem serão, como serão e quando serão” (Erläuteerungen zu Hölderlin, 1943, pp. 73-74). Heidegger afirma também que “O sagrado não é sagrado porque divino, mas o divino é divino porque sagrado” (Ibid., p. 58). (Abbagnano)


O sentimento do religioso. — De maneira geral, a noção do sagrado liga-se a tudo o que ultrapassa o homem e suscita, mais ainda que seu respeito ou admiração, um fervor particular, que R. Otto — em O sagrado — caracteriza como o “sentimento do estado de criatura” ou sentimento do “numinoso” (do lat. numen, que evoca a “majestade divina”). Esse sentimento comporta um elemento de ‘temor” ante um poderio absoluto, um elemento de “mistério” ante o incognoscível; possui algumas analogias com o sentimento do “enorme”, gozando o objeto do sagrado ainda de um poder “fascinante” muito específico. Em suma, o temor, o mistério e a fascinação são os três componentes do sagrado. Todos os sentimentos religiosos (do pecado, da expiação etc.) gravitam em torno do sentimento do “sagrado”. O sagrado contrapõe-se ao profano, na medida em que é a “sede de um poderio” que o profano não possui (v. Durkheim, As formas elementares da vida religiosa). (V. religião.) (Larousse)


(do lat. sacer, cujo sentido primitivo é bosque, oculto).

a) É o numinoso.

b) Diz-se também de tudo quanto tem um valor absoluto para uma pessoa ou grupo social.

c) Refere-se aos cultos religiosos. [MFSDIC]


Tradição — Sagrado

VIDE: hierofania, espiritual, mito, panteísmo, politeísmo, religião, religiosidade, rito, templo, teofania

Mircea Eliade demonstrou que é em torno da consciência da manifestação do sagrado que se organiza o comportamento do homo religiosus. Este crê em uma realidade absoluta, o sagrado, e desse fato, assume no mundo um modo de existência específico.

O sagrado manifesta-se sob diversas formas: ritos, mitos, símbolos, homens, animais, plantas, etc.

Ele manifesta-se qualitativamente de forma diferente do profano, e chama-se hierofania a irrupção do sagrado por intermédio do mundo profano.

O homem apreende a irrupção do sagrado no mundo e descobre assim a existência “de uma realidade absoluta, o sagrado que transcende este mundo, mas que nele se manifesta e, desse jato, o torna real”.

Manifestando-se, o sagrado cria uma dimensão nova. Descobrir essa dimensão sacra do mundo é próprio do homo religiosus, para quem o profano somente tem sentido na medida em que ele é revelador do sagrado.

Como diz Mircea Eliade:

QUOTE()“O «sagrado» é um elemento na estrutura da consciência, e não um estágio na história desta consciência. E pela imitação dos modelos revelados por Seres Sobrenaturais que a vida humana toma sentido. A imitação de modelos trans-humanos constitui uma das características primeiras da vida «religiosa», uma característica estrutural que é indiferente à cultura e à época. A partir dos documentos religiosos mais arcaicos que nos sejam acessíveis até ao cristianismo e ao Islã, a imitatio dei, como norma e linha diretriz da existência humana, jamais foi interrompida; na realidade, não poderia ter sido de outra forma. Em níveis mais arcaicos de cultura, viver enquanto ser humano é cm si um ato religioso, pois a alimentação, a vida sexual e o trabalho têm um valor sacramental. Em outros termos, ser (ou melhor, tornar-se) um homem significa ser «religioso» “. (A Nostalgia das Origens)QUOTE

A função mediadora do sagrado vai exprimir-se em cinco aspectos fundamentais: a teofania, o símbolo, o mito, o rito e a iniciação. [[Fernand Schwarz: A hierofania ou a irrupção do sagrado no mundo profano]

Adin Steinsaltz (Adin Even Yisrael) A rosa de treze pétalas

O significado da raiz do conceito “do sagrado” na linguagem sagrada é separação, o que implica em afastamento e remoto. O sagrado é o que fica fora dos limites, intocável, e totalmente além do alcance; não pode ser compreendido nem definido, sendo tão totalmente diferente de tudo. Ser sagrado é, em essência, ser outro bem diferenciado.

Há muito no mundo que pode ser grande, bom, nobre ou belo, sem que necessariamente inclua nenhuma parte da essência do sagrado, porque o sagrado está além das qualificações. De fato, não pode ser descrito de outra maneira que pela mais alta de todas as designações — ou seja, como “sagrado”. A própria designação é o repúdio de todos os outros nomes e títulos.

Consequentemente, o único que pode ser chamado de sagrado é Deus; e O Sagrado, Bendito seja Ele, o Supremo e O Sagrado, é diferente de todo o resto, sendo incomensuravelmente remoto, elevado e transcendente. Não obstante, falamos da disseminação da santidade sobre o mundo, sobre todos os mundos, de acordo com seus níveis, e até sobre este mundo nosso, em todas as partes que o constituem — tempo, lugar e alma. E de fato, até somos capazes de aumentar nossa receptividade à santidade, abrindo-nos à sua influência.

Perenialistas: Perenialistas Sagrado




Fernand Schwarz

Quando inclinamo-nos atentamente sobre a mensagem das tradições e filosofias do Oriente e do Ocidente, parece-nos que o Sagrado e o profano não são dois conceitos opostos, mas complementares. Eles indicam as duas direções ou tendências da Vida. Esta é considerada pela Tradição Universal como um grande sopro que percorre todos os elementos da criação, ritmando os atos dos homens e do mundo como uma respiração.

Essa respiração provoca um movimento que parte em duas direções: uma para o exterior, animada por uma força centrífuga, afastando-se do centro, portanto, de sua origem; e uma outra indo para o centro, animada por uma força centrípeta, retornando para as origens. A vida é movida simultaneamente por essas duas forças ou polaridades.

Graças à força centrífuga, ela difunde-se, dissipa-se, cria. Graças à força centrípeta, ela regenera-se, reconcentra-se, torna possível a renovação. Poder-se-ia identificar a força centrífuga com o profano, com a multiplicidade; e a força centrípeta com o Sagrado, com o movimento que aspira às origens, à Unidade.

O movimento para o Sagrado é um movimento para se lembrar, para se enraizar, para se qualificar.

A força centrífuga encarna a expansão quantitativa, isto é, o crescimento material e temporal que caracteriza o Universo do profano, pela fuga do centro. Longe de se excluírem mutuamente, Sagrado e Profano completam-se harmoniosamente.

Em todas as épocas, os homens souberam identificar, em terra, a presença dessas duas polaridades por intermédio de suas diferentes sensibilidades. Identificando os lugares que desprendiam um brilho, um “plus”, porque inspiravam o medo, a beleza, a contemplação, estes tornaram-se lugares do Sagrado, isto é , em que se manifestava a vontade de dominação do Sagrado: por exemplo, a floresta mágica, as árvores sagradas, as fontes, os rios. Os lugares em que, ao contrário, as forças dispersavam-se, em que o homem estava menos sob a influência do lugar, eram sempre ligados ao profano.

“Uma árvore ou uma planta jamais são sagradas enquanto árvore ou enquanto planta. Elas tornam-se sagradas por sua participação em uma realidade transcendente, e porque significam esta mesma realidade. Por sua consagração, a espécie vegetal concreta, «profana», é transubstanciada; segundo a dialética do sagrado, um fragmento (uma árvore, uma planta) vale o todo (o Cosmos, a Vida), um objeto profano torna-se uma hierofania”.

É esta faculdade de perceber o sagrado, inerente ao Homem, isto é, de ter acesso à dimensão do metafísico e do “sobrenatural”, pelo pensamento simbólico, que distingue o homem das outras espécies vivas do planeta; e não a Razão como acreditara-se durante os últimos séculos.

O SAGRADO E A RAZÃO

Durante milênios, como atestam as Tradições, os homens dedicaram-se a desenvolver em si estes espaços da consciência, capazes de refletir os princípios, provocar a irrupção do Sagrado, isto é, perceber a dimensão metafísica. O homem pôde, assim, “sacralizar”, isto é, fazer participar do global e do cósmico os atos particulares ou cotidianos de sua vida profana.

O Sagrado é, assim, o mediador entre o Divino e o homem, como é a Razão entre o homem e a realidade profana.

As pesquisas empreendidas, há um século, pelos historiadores das crenças e das religiões põem em evidência que é a capacidade de realizar a complementaridade dos contrários que permite ao homem atingir a harmonia e o equilíbrio. Este último é o fruto de uma grande tensão interior, que permite ao ser ultrapassar as contradições aparentes.

O SAGRADO é, portanto, a função que permite transcender os pares contrários; é uma função globalizante e de síntese.

Pelo Sagrado, o homem alcança a quintessência; o Sagrado permite à consciência mudar de estágio, qualificar-se mais e operar uma síntese transfiguradora, uma verdadeira mutação.

Em compensação, a Razão, dualista por natureza, não pode sair da contradição.

A função do Sagrado é ser a ferramenta por excelência da Metafísica, enquanto disciplina de vida e não como um simples conceito intelectual.

A Razão pode focalizar-se no particular, e numa direção bem precisa, o que lhe permite controlar, de uma certa maneira, o mundo material.

É o lado prático da Razão que lhe permite ser a “mãe” das técnicas.

As vias da Razão e do Sagrado são, portanto, complementares, e o pensamento tradicional insistiu sempre no fato de que a Razão e a Intuição devem trabalhar em complementaridade. De fato, a Razão permite exprimir a Intuição e esta alivia a Razão, evitando-lhe cair na repetição e na mecanicidade.