Orígenes (c. 185-c. 254) Um dos maiores teólogos e exegetas orientais da Igreja cristã, Orígenes lecionou em Alexandria até ser banido em 232. Fundou uma outra escola em Cesareia mas, em 250, durante as perseguições do imperador Décio, foi detido e torturado, indo morrer em Tiro. Suas numerosas obras teológicas incluem a Hexapla, uma sinopse crítica do Antigo Testamento, e Contra Celso (c. 248), uma apologia do Cristianismo em resposta à Verdadeira Doutrina (c. 168), do pagão Celso. Rigoroso asceta de raiz ortodoxa, Orígenes foi acusado de heresia devido ao seu enfoque filosófico da doutrina cristã em De Principiis (Sobre os Primeiros Princípios). Sua influência como teólogo persistiu muito além de sua denúncia por Justiniano I em 543. (DIM)
Orígenes (186-254)
Nascido de pais cristãos em Alexandria, Orígenes foi o membro mais eminente da escola catequética alexandrina. Dedicado totalmente ao estudo dos filósofos gregos e aos textos sagrados, primeiro desenvolveu uma atividade impressionante como diretor da escola catequética e, depois, como pregador em Cesareia de Palestina, onde prosseguiu como mestre e escritor. Morreu em Tiro, em consequência das torturas a que foi submetido durante a perseguição de Décio. Orígenes apresenta um estilo inconfundível, tanto em sua vida quanto em seus escritos, marcados por seu afã de ser discípulo cristão. Seu desejo de martírio e sua posterior autocastração são exemplos deste empenho de ser cristão até as últimas consequências.
Sua produção literária foi amplíssima. São Jerônimo atribui-lhe cerca de 800 obras. O edito de Justiniano (543) contra ele e o juízo do V Concílio Ecumênico (553), que o incluía entre os hereges, provocaram a perda de boa parte da produção do alexandrino. Suas obras estão divididas em quatro blocos gerais: a) Bíblicas e exegéticas, entre as quais se deve contar, em primeiro lugar, sua edição da Bíblia (AT) em seis línguas, conhecida com o nome de Hexapla. Os scholions, ou notas sobre passagens difíceis da Bíblia, e os comentários ou tomos, análises minuciosas de livros inteiros bíblicos, b) Teológicas, como o livro De principiis, que é a primeira tentativa de teologia sistemática, c) Apologéticas. Destas somente conservamos o seu livro Contra Celsum, destinado a rechaçar o Discurso verdadeiro deste autor, d) Ascéticas. Dois escritos: Sobre a oração e Exortação ao martírio, além de duas cartas e fragmentos de outras obras.
A doutrina de Orígenes constitui o primeiro grande sistema de filosofia cristã. Distingue, no cristianismo, doutrinas essenciais e doutrinas acessórias. Todo aquele que recebeu o dom da palavra tem a obrigação de interpretar as primeiras e explicar as segundas. Orígenes empreendeu uma e outra pesquisa.
— Seu trabalho exegético dos textos bíblicos deixa claro o significado oculto e, por conseguinte, a justificativa profunda das verdades reveladas. Distingue um triplo significado na Escritura: o somático, o psíquico e o espiritual, que se relacionam entre si como as três partes do homem: o corpo, a alma e o espírito (De princ, IV, 11).
— A passagem do significado literal ao alegórico das Escrituras é a passagem da fé ao conhecimento. Acentua a diferença entre um e outro e afirma a superioridade do conhecimento que compreende em si a fé (In Joannem, XIX, 3). Ao aprofundar-se, a fé se transforma em conhecimento.
— As Escrituras são, pois, o ponto imprescindível, porém mínimo, para o conhecimento completo. Existe um Evangelho eterno que vale para todas as épocas do mundo e somente a poucos é dado a conhecer (De princ, IV, ls).
— Contra os hereges afirma a espiritualidade de Deus. Deus não é um corpo e não existe num corpo. E de natureza espiritual e muito simples. Para expressar essa unidade, Orígenes emprega as palavras mônada e enéada — termos pitagórico e neoplatônico, respectivamente — que expressam a singularidade absoluta de Deus.
— O Logos ou verbo é o exemplar da criação, a ideia das ideias, e todas as coisas são criadas pelo Logos, que atua como mediador entre Deus e as criaturas. É certamente co-eterno com o Pai, mas não o é no mesmo sentido. A eternidade do Filho depende da vontade do Pai. O Espírito Santo é criado não diretamente por Deus, mas através do Logos.
— Orígenes explica a formação do mundo sensível pela queda das substâncias intelectuais que ocupavam o mundo inteligível. O mundo visível não é, pois, outra coisa senão a queda e a degeneração do mundo inteligível e das puras essências racionais que o habitam.
— As almas foram criadas por Deus exatamente iguais umas às outras, mas o pecado, num estado de pré-existência, fez com que fossem revestidas pelos corpos, e assim as diferenças qualitativas entre as almas se devem ao comportamento destas antes de sua entrada neste mundo. Desfrutam do livre-arbítrio e seus atos dependem não só de sua livre escolha, mas também da graça de Deus, que é distribuída conforme sua conduta no estado de pré-encarnação.
— Interpreta a ação da mensagem cristã como uma ação educadora que conduz o homem gradualmente para a vida espiritual. Essa é a função do Logos que se encarnou em Cristo. “Jesus afasta a nossa inteligência de tudo aquilo que é sensível e a conduz ao culto de Deus que reina sobre todas as coisas” (Contra Celsum, III, 34). Nisto consiste a obra da Redenção.
— A educação do homem como retorno gradual à condição de substância inteligente e livre verifica-se através de graus sucessivos de conhecimento. Do mundo sensível, o homem eleva-se à natureza inteligível, que é a do Logos, e do Logos até Deus. Mediante esse processo, todas as almas — inclusive o diabo e os demônios — , mediante um sofrimento purificador, conseguirão a união com Deus. Todas as coisas serão restauradas e regressarão a seu último princípio: Deus. Assim se realizará o ciclo do retorno do mundo a Deus, e Deus será tudo em todos. Tal é a chamada apokatastasis ou restauração universal.
Tais são os traços fundamentais do sistema de Orígenes, no qual pela primeira vez o cristianismo recebe uma formulação doutrinal orgânica e completa. O platonismo e o estoicismo constituem as duas raízes fundamentais pelas quais se une à filosofia grega.
Não obstante, a síntese cristã de Orígenes está longe de ser completa. Frente a grandes conquistas e acertos na interpretação do cristianismo, como são a exigência da liberdade humana e o destino da humanidade inteira vinculado à redenção de Cristo, há outros pontos que Orígenes não soube ver e situar, como o sacrifício de Cristo ou a ressurreição da carne.
BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 11-17; Contra Celsum. Versión, introducción y notas de D. Ruiz Bueno (BAC); J. Quasten, Patrologia, I, 338-397; Tradução francesa das Homilías sobre o Gênesis, com estudo de H. de Lubac (SC 7). Paris 1944. (Santidrián)