ocasionalismo

(in. Occasionalism; fr. Occasionalisme; al. Occasionalismus; it. Occasionalismó).

Doutrina segundo a qual a única causa de todas as coisas é Deus e que as chamadas causas (segundas ou finitas) são apenas ocasiões de que Deus se vale para levar a cabo seus decretos. Esta doutrina foi defendida pela primeira vez pela seita filosófica árabe dos Motakallimun (cf. Maimônides, Guia dos Perplexos, I, 73), sendo depois retomada na idade cartesiana pelos pensadores que quiseram utilizar a doutrina de Descartes para defender crenças religiosas tradicionais (Louis De La Forge, Gérard de Cordemoy, J. Clauberg e A. Geulincx, que viveram no séc. XVII). Geulincx foi o melhor expositor da doutrina, que visa substancialmente a negar ao homem qualquer poder efetivo no mundo e a atribuí-lo a Deus. Ao ocasionalismo opuseram-se Spinoza e Leibniz; era defendido por Malebranche, que a respeito concluía que, não podendo ser produzido pelas coisas (que não são causas), o conhecimento humano é uma visão das coisas em Deus (Rechercbe de la vérité, 1674-75). [Abbagnano]


Por ocasionalismo entende-se aquela doutrina que nega aos seres finitos a atividade causal eficiente, proveniente de suas próprias forças, de sorte que eles são meras causas ocasionais (causae occasionales) da ação divina, única existente. O ocasionalismo universal baseia-se ou na concepção mecanicista do universo ( mecanicismo) ou numa falsa concepção do concurso divino (concurso de Deus) (como no Mutakallimûn islâmico). O ocasionalismo particular provém da dificuldade cartesiana concernente à relação entre alma e corpo ( relação entre corpo e alma ), que proíbe a ação recíproca entre ambos. Apesar de todos os ocasionalistas concordarem em que Deus é a causa única principal de toda atividade, todavia uns consideram as criaturas como meras condições da atuação divina (Malebranche), enquanto outros veem nelas instrumentos passivos da mesma (Geulincx). Sendo impossível que haja ser sem ação, o ocasionalismo conduz logicamente ao panteísmo (causalidade). — Brugger.


Pode entender-se o ocasionalismo em dois sentidos: em sentido restrito, como conjunto de teorias que alguns cartesianos ou filósofos influenciados pelo cartesianismo propuseram para solucionar o problema da relação entre as substâncias pensantes e a substância extensa. Em sentido lato, como a série de teses que diversas escolas filósofos antigos, medievais e modernos apresentaram para solucionar o problema do conflito entre o determinismo e a providência e a predestinação, e o livre arbítrio. Em sentido restrito, o ocasionalismo surgiu como consequência do dualismo cartesiano:… Uma vez admitido este, eram possíveis várias soluções:

1) considerar que deve haver alguma substância que seja ao mesmo tempo pensante e extensa. Foi a ideia que teve Descartes ao modificar ou até contradizer a sua tese de que a substância pensante se define por não ser extensa e a substância extensa se define por não ser pensante, mediante a hipótese de que a alma tem a sua sede na glândula pineal.

2) Considerar que a substância pensante e a substância extensa não são mais que dois atributos da única substância real: Deus. É a solução de Espinosa.

3) Admitir que as substâncias pensante e extensa foram previamente ajustadas de tal modo por Deus que podem comparar-se a dois relógios que trabalham sincronicamente não por nenhuma substância interposta, nem por acaso, nem por serem dois aspectos do mesmo relógio, mas por uma harmonia preestabelecida. É a solução de Leibniz.

4) Considerar que, sempre que se produz um movimento na alma, Deus intervém para produzir um movimento correspondente no corpo e vice-versa. É a solução ocasionalista. Como se vê, o ocasionalismo substitui o conceito de causa pelo conceito de ocasião. Toda a causa é, por isso, causa ocasional. Não podia deter-se na negação da interação causal entre o corpo e a alma, mas tinha de admitir a possibilidade dessa interação entre substâncias extensas e substâncias pensantes. Há duas fases na formação do ocasionalismo moderno: Por um lado, uma fase que se atem à apresentação do problema por Descartes e que pode considerar-se como uma simples consequência ou corolário do cartesianismo. Alguns dos seus defendem que Deus interveio de uma vez para sempre para dispor adequadamente as relações entre as duas substâncias. Por outro lado, uma corrente que defende que há uma intervenção contínua de Deus. Certos supostos são comuns a todos os ocasionalistas: a ideia de que o indivíduo não é um ator na cena do mundo, mas um espectador; a ideia de que as minhas ações não são causadas por mim, mas por Deus; e a ideia de que, por conseguinte, eu não executo o movimento ou os movimentos do meu corpo como resultado dos movimentos da alma, mas que Deus os executa e faz que se executem. [Ferrater]


teoria das causas ocasionais, ilustrada pelo ocasionalismo de Malebranche. — Via em todas as causas naturais uma “ocasião” na qual Deus, verdadeira causa de todas as coisas, manifestava sua força e seu poderio. Particularmente, como o corpo e o espírito são substâncias heterogêneas que não podem, assim, agir uma sobre a outra, a decisão voluntária só pode ser a causa ocasional de uma ideia no espírito; é Deus a causa verdadeira de nossos atos. O mesmo, segundo Malebranche, para as causas naturais: os movimentos no mundo são apenas os “fenômenos” de uma força primitiva e espiritual, que é a ação de Deus. O mesmo, também (a doutrina é psicologicamente muito interessante), nas relações entre os “espíritos”, isto é, entre os homens: quando falo, o outro só pode compreender-me através de uma força que não vem de mim, mas que age nele de maneira perfeitamente autônoma; meu discurso só pode ser a causa ocasional de sua compreensão. Essa doutrina teológica inspirou muitos psicólogos e filósofos modernos. A melhor exposição, sucinta, da teoria malebranchista das causas ocasionais é a de Joseph Moreau, no Prefácio à correspondência com Dortous de Mairan. [Larousse]