É um juízo explícito ou implícito, no qual quem o formula, inconscientemente não acerta no objeto. O erro difere da falsidade lógica, porque esta se refere unicamente à relação objetiva de um juízo com o objeto, ao passo que o erro inclui também a tomada de posição subjetiva. É falso o conteúdo de um juízo que não corresponda ao objeto; deve, outrossim, contar-se como característica do erro, o afirmar como verdadeiro um conteúdo judicativo falso, por ignorar sua falsidade. — A possibilidade do erro é fato demasiado conhecido; não obstante, implica também um problema: como pode errar o entendimento, se, por sua natureza, é orientado para a verdade ? O entendimento, em consequência de sua finitude, pode sucumbir em face da aparência de verdade e da influência de interesses teoréticos da vontade, que o induzem a julgar precipitadamente. — Segundo isso, podemos distinguir fontes lógicas e fontes psicológicas do erro. Ambas cooperam sempre, embora em medida diversa. As mais importantes fontes lógicas do erro são as seguintes: a generalização, quando sem razão suficiente concluímos de casos particulares para todos os casos em geral; o uso de frases feitas ou “tópicos”, isto é, de fórmulas verbais, que provocam uma tomada de posição de base sentimental, falha de fundamentação objetiva; o concluir do inconcebível para o impossível: o fato de nossa inteligência limitada não lograr penetrar uma coisa não implica que esta seja impossível; o raciocínio “post hoc, ergo propter hoc”: da circunstância de um acontecimento se seguir a outro no tempo, injustificadamente se infere que o primeiro (no tempo) seja a razão do segundo; por último, os sofismas de toda espécie. — As fontes psicológicas do erro resultam da limitação de nosso pensar e querer, a cada passo perturbados pela paixão. Por parte do entendimento, os erros podem ser condicionados pela dependência em que nosso pensamento está da linguagem, que é ambígua; pela dependência relativamente aos sentidos e à memória, que podem enganar; pelos preconceitos, pela falsa educação e pela precipitação em julgar; pela falta de formação e de saber, aliada à necessidade de resolver rapidamente as questões; e ainda pelo embotamento e preguiça intelectual e pela supervalorização da humana autoridade. Por parte da vontade, são fontes de erro: o caráter apaixonado, a inclinação desordenada do coração a um falso objeto, o espírito de contradição, a pouca vontade de conhecer a verdade. — O erro é um grande mal para o homem, que cedo ou tarde lhe sente as consequências. Embora fundamentalmente seja sempre superável mediante exame e reflexão, o erro muitas vezes não pode ser evitado, devido a dificuldades extraordinárias (êiro moralmente invencível). O homem só é responsável pelo erro moralmente vencível. — Santeler. [Brugger]
Segundo Zenão de Eleia, só se pode falar do ser. Do não ser não pode enunciar-se nada. Portanto, o erro é impossível. Uma proposição que não seja verdadeira não pode receber o nome de proposição; é, em suma, um conjunto de signos que carece de sentido. Os autores que não admitem essa doutrina radical assinalam que o erro se dá em proposições tão significativas como as que expressam a verdade. A diferença entre as proposições falsas e as verdadeiras consiste em que enquanto as primeiras não designam nada real, as segundas designam algo real.
Aristóteles sustentou que por vezes nos equivocamos na posição dos termos, mas também erramos no juízo expresso sobre eles. Como, segundo Aristóteles, nós vemos as coisas particulares por meio do conhecimento do geral, é possível o erro sem excluir o conhecimento, pois o conhecimento refere-se ao geral, enquanto o erro atinge o particular.
Os escolásticos trataram o problema do erro dentro da questão da certeza; em rigor, pode entender-se o erro unicamente quando pusemos a claro as diferentes formas como a verdade se pode apresentar. Se a verdade é coincidência entre o juízo e a coisa julgada, o erro será a discrepância entre eles. Outra questão, em contrapartida, é a que se refere às causas do erro, questão que foi muito especialmente destacada pelos filósofos modernos que, antes de se preocuparem com atingir a verdade, procuraram eliminar o erro. Por exemplo, Descartes refere-se a este ponto em muitas passagens dos seus escritos (Regras para a Direção do Espírito; Meditações Metafísicas; Princípios da Filosofia). Descartes deu um caráter extremo à tese (em parte antecipada por João Duns Escoto), segundo a qual o erro reside no ato da vontade que formula o juízo. O entendimento não nega nem afirma; é a vontade que afirma ou nega e que, portanto, pode equivocar-se. Os erros nascem do fato de “como a vontade é muito mais ampla e é mais extensa que o entendimento, não a contenho nos mesmos limites, mas estendo-a também às coisas que não compreendo” (Meditações Metafísicas). E essa vontade pode estender-se desse modo ilegítimo não só à afirmação de ideias que não correspondem à realidade, mas também à escolha do mal em vez do bem. Deste modo, a causa do erro e do pecado é a mesma.
Distinguiu-se entre o erro e o engano. O primeiro só se dá na esfera das proposições e dos juízos; o engano só se dá na esfera das percepções. Os que acreditaram que não pode haver engano na percepção, por exemplo os fenomenistas, confundiram a percepção com a sensação e entenderam mal a frase de Aristóteles: “não pode haver engano dos sentidos”. Na sensação, não pode haver engano nem erro. no juízo, não pode haver engano, mas sim erro. Na percepção, não pode haver erro, mas sim engano. Por isso, um sujeito pode enganar-se nas percepções e não enganar-se nos juízos, e vice-versa. [Ferrater]
engano intelectual ou moral. — O erro reside na crença injustificada no valor objetivo de uma representação concreta (erro dito dos sentidos, por exemplo, a ilusão de ótica) ou abstrata (erro de raciocínio, a generalização apressada, a omissão, o equívoco, a ambiguidade etc, por exemplo). No plano moral, as origens do erro são múltiplas: o preconceito, o hábito, a ausência de método etc; o erro recebe então o nome de “falta”. Por outro lado, a filosofia coloca um problema mais geral e mais grave, de ordem metafísica: não está o erro ligado ao homem, à condição humana? Em sua busca da verdade, poderia o homem jamais atingir outra coisa senão aparências, isto é, erros? A teologia o nega, em nome do privilégio divino do conhecimento absoluto, e a psicologia clássica chega à mesma conclusão, recusando às percepções e aos conceitos do homem toda outra verdade que não a relativa, prática, provisória, isto é, indefinidamente sujeita a revisão, “recolocada em questão”. Quanto à filosofia propriamente dita, desde os diálogos de Platão (Teeteto e O sofista) até a obra de Heidegger sobre A essência da verdade, passando pela Ética de Spinoza, a Dialética transcendental de Kant (3.a parte da Crítica) e as dialéticas pós-kantianas (Fichte, Hegel), parece ter estabelecido que o erro é o estado natural do homem que vive no mundo, que sua origem metafísica se encontra na liberdade humana, e que o homem só pode sair do erro engajando-se livremente no trabalho da reflexão. “A filosofia, dizia Lachelier, consiste somente em afastar os erros pouco a pouco; talvez ao termo dessa crítica possamos atingir a verdade.” [Larousse]
(gr. pseudos; lat. error; in. Error; fr. Erreur; al. Irrtum; it. Errore).
O erro não pertence à esfera das proposições (ou dos enunciados), mas à do juízo, das atitudes valorativas. Com efeito, não consiste em uma proposição falsa, embora uma proposição falsa seja um elemento do erro consistente em acreditá-la ou julgá-la verdadeira. Elemento do erro também podem ser uma proposição verdadeira, se considerada falsa, e qualquer declaração de valor — moral, estética, política, econômica, etc. — se acreditada ou assumida como exata e desmentida por critérios ou regras reconhecidamente válidos. P. ex., é um È. acreditar que pode haver duas moedas correntes simultaneamente no mesmo mercado, pois sabe-se que “a moeda ruim expulsa a boa”. O erro pode consistir também em julgar um objeto com base num critério estranho ao próprio objeto, ou melhor, ao campo de objetos a que ele pertence, ou então em julgar com base num critério apropriado um objeto não discriminável por tal critério. Tem-se um erro da primeira espécie quando se quer decidir da realidade de um fato com base num critério moral (“não deve, não pode, ter acontecido assim”). Tem-se um erro da segunda espécie quando se quer decidir das verdades ou falsidades dos postulados ou proposições iniciais das ciçncias ou de enunciados não significativos. Em geral, pode-se chamar de erro todo juízo ou valoração que contrarie critério reconhecido como válido no campo a que se refere o juízo, ou aos limites de aplicabilidade do próprio critério. Portanto, o contrário de um juízo errado não é um juízo “verdadeiro”, como comumente se crê, mas um juízo “correto”, “exato” ou “regular”; o oposto de erro poderia ser a correção. A possibilidade de erro supõe duas condições: a) que haja um critério válido de juízo aplicável na situação dada; b) que tal critério não seja necessário e infalível. Sem a condição a) não haveria a possibilidade de distinguir o erro do que não é erro Sem a condição ti) o erro seria impossível em princípio.
Platão procurou satisfazer essas condições com a doutrina do erro exposta em O Sofista. Platão observou corretamente que o erro é impossível do ponto de vista dos eleatas e seus discípulos, segundo os quais “o ser é” e que o não–ser não pode ser nem pensado nem expresso. Nesse caso, efetivamente, qualquer coisa que se diga diz-se o que é, por isso diz-se a verdade. Mas se assim é, entre o sofista e o filósofo, entre o charlatão e o investigador honesto, não haverá nenhuma diferença e a própria investigação será inútil. A possibilidade do erro condiciona, em outros termos, a investigação da verdade e não se pode negar sem negar a própria verdade. Por isso, Platão abandona a tese eleática da necessidade do ser e define o ser como possibilidade (dynamis, Sof., 247 e). Como possibilidade, o ser não é nem um nem muitos, nem movimento nem repouso, etc, mas pode ser uma coisa ou outra, e tudo está em ver quais são as determinações dele que podem unir-se e permanecer juntas, e quais, ao contrário, são as não suscetíveis disso. A ciência que estuda as combinações possíveis das formas (ou gêneros) do ser — ciência análoga à gramática, que estuda as combinações possíveis das letras, e à música, que estuda as combinações possíveis dos sons — é a dialética. Em vista disso, o erro é simplesmente uma combinação de determinações do ser e de palavras que exprimem tais determinações, a qual não se conforme às regras da dialética; em outros termos, uma combinação que combine ou una o que, com base em tais regras, não pode ser combinado ou unido. Portanto, quem diz o falso não diz “o que não é” (o que seria impossível), mas diz algo diferente do que é: exprime uma combinação de formas (gêneros e espécies) não conforme às possibilidades objetivas de relação entre essas formas. O erro é como um conjunto de letras sem sentido ou um conjunto de sons sem harmonia (Sof, 263). Essa doutrina platônica do erro é adaptada por Aristóteles aos princípios da sua filosofia. Aristóteles parte de uma definição do erro que repete a definição encontrada em O Sofista: ‘O erro é a negação do que é ou a afirmação do que não é” (Met., IV, 7, 1011 b 26). Mas “o que é” não é o mesmo para Aristóteles e para Platão: para este, é a “possibilidade”; para Aristóteles, é a “substância” ou realidade necessária. Aristóteles procura, portanto. definir a possibilidade do erro justamente em relação à substância, neste caso em seu aspecto de essência necessária (Quod quid erat esse). Aristóteles reafirma a tese platônica de que o erro é possível só onde há “combinação”, “síntese” de elementos diferentes. Onde há intelecção de indivisíveis não há possibilidade de erro; este sempre se verifica na síntese (ou, o que dá na mesma, numa divisão), e o princípio que realiza essa síntese é o intelecto (De an., III, 6, 430 b 2). Ora, nessas sínteses o intelecto está na verdade “se enuncia a essência segundo a essência substancial”, mas não está na verdade “se enuncia uma coisa qualquer segundo uma coisa qualquer”. Com efeito, para o intelecto a essência substancial ou necessária é o que o branco é para o olho: assim como ninguém se engana ao perceber o branco, mas alguém se pode enganar ao achar que o branco percebido é um homem, ninguém se pode enganar ao pensar o homem “segundo a sua essência necessária”, ou seja, como “animal racional”, mas alguém se pode enganar afirmando que “este é um homem” ou que “este homem é músico”, ou seja, realizando sínteses ou divisões que não são guiadas pela essência necessária do objeto (Ibid., 430 b 26 ss.). Com isso, Aristóteles restringe a possibilidade do erro à esfera das intelecções que não se referem à estrutura substancial do ser, já que essa estrutura é apreendida nos seus princípios com um ato análogo à percepção das qualidades corpóreas, ato que, como “intelecção do indivisível”, subtrai-se à possibilidade de erro. Em outros termos, a estrutura necessária do ser exclui a possibilidade de erro no que diz respeito ao pensamento do ser. O erro fica então circunscrito à esfera das afirmações acidentais, ou seja, que não têm lugar na ciência. Mas, na realidade, mesmo na esfera das afirmações acidentais é difícil entender, do ponto de vista aristotélico, a possibilidade do erro, visto que a necessidade da ciência silogística, constituindo a medida e o controle também da parte do conhecimento que não tem tal necessidade, elimina, mesmo dessa parte, a possibilidade de erro. Na verdade, a partir de Aristóteles, o problema que a filosofia deve enfrentar não é o da verdade, mas o do erro, no sentido de que os princípios a que habitualmente a filosofia recorre implicam que o homem está “necessariamente” em verdade e excluem, assim, a possibilidade de erro. Portanto, as soluções mais comuns do problema do erro são as seguintes: 1) o erro não existe; 2) o erro deve-se a uma força que intervém para perturbar o funcionamento normal do intelecto, precisamente A) na vontade ou B) na sensibilidade. 1) Ambas essas soluções do problema do erro estão em S. Agostinho, mas a primeira acaba predominando. Para S. Agostinho o erro consiste “em julgar e acatar como supremo o que, de per si, é ínfimo” (De vera rei, 21), ou seja, em afastar-se “da ordem estabelecida por Deus, apesar de iludir-se achando que a conserva intacta” (Ibid., 20). O erro é, portanto, devido à “vontade maléfica”, ou seja, ao propósito deliberado de prescindir da ordem divina do mundo e da hierarquia dos valores que ela implica. Mas qual é a causa dessa vontade maléfica e como ela é possível na ordem divina do mundo? S. Agostinho nega que possa tratar-se de uma causa positiva e eficiente; trata-se de uma causa defeituosa ou deficiente. E querer encontrar a causa dessas defecções seria como querer ver as trevas ou ouvir o silêncio. “As coisas que ficam sendo conhecidas não em sua forma positiva, mas como privação de algo, são de algum modo apreendidas, por assim dizer, exatamente ao não serem conhecidas, tanto que, se as conhecêssemos, não as ficaríamos conhecendo. Quando a acuidade da visão sensível percorre as espécies corpóreas, não vê trevas em lugar algum, a não ser no lugar onde começa a não ver as coisas. Assim, não cabe a nenhum outro sentido perceber o silêncio; a não ser ao ouvido, que, todavia, adverte-o quando não ouve nada. Assim, nossa mente vê com o intelecto as espécies inteligíveis, mas onde elas se acham em forma negativa conhece-as não as conhecendo” (De civ. Dei, XII, 7). Assim, para S. Agostinho erro é o conhecimento de um não–conhecimento: como ouvir o silêncio. Em sentido próprio e rigoroso, é um não conhecimento e um não ser: ele não existe. Essa redução do erro ao nada é característica de grande parte das doutrinas filosóficas tradicionais. Spinoza expressa-o com a costumeira nitidez: “A falsidade consiste na privação de consciência que está implícita nas ideias inadequadas, falhas ou confusas”. P. ex., os homens erram ao se acreditarem livres, porque estão cônscios de suas ações, mas desconhecem as causas que as determinam. Assim também erram quando acham que o Sol está próximo, porque são ativados pela ação do Sol, mas ignoram sua distância real (Et., II, 35, scol.). O erro, portanto, não consiste na simples imaginação (que é a faculdade das ideias inadequadas e confusas), mas na falta de conhecimento, na falta da ideia que excluiria a existência dos objetos que a imaginação crê presentes (Ibid, II, 17, scol.). Com outra terminologia, tradicional, Leibniz afirmava a mesma coisa, reconhecendo como causa do erro uma causa “deficiente”, ou seja, a limitação ou a imperfeição da natureza humana (Théod., I, § 20). Para o idealismo romântico, o erro é o “finito”, o “negativo”, o “acidental”: o que se destina a ser eliminado e a encontrar sua “verdade” no Infinito, no Necessário e no Positivo da Autoconsciência absoluta. Assim, a rigor, não existe erro. Como dizia Gentile, exprimindo bem a posição do idealismo romântico, “o erro é o superado: aquilo que, em outros termos, está em face do nosso conceito, como seu não ser. Portanto, assim como a dor, não é uma realidade que se oponha à realidade espírito (Conceptus Sui), mas é a própria realidade aquém de sua realização, num momento ideal” (Teoria do espírito, cap. 16, § 8). Essa é a solução tipicamente dialética (no sentido hege-liano do termo) do problema do erro: o erro é o momento negativo, destinado a ser “superado” ou a “ser transformado em verdade” pelo momento positivo e concreto: como erro, não existe.
2) À segunda solução típica do problema do erro consiste em atribuí-lo a uma faculdade diferente do intelecto, mas capaz de agir sobre ele e de desviá-lo do seu funcionamento correto. A) A primeira alternativa nesse sentido é a que o atribui à vontade. Já se viu que S. Agostinho começou julgando o erro como o afastamento voluntário da ordem das coisas estabelecida por Deus. A ideia do caráter voluntário do erro acaba prevalecendo na última fase da escolástica: é defendida por Duns Scot e Ockham. De fato, ambos entendem a vontade como a faculdade de executar atos opostos porquanto é absolutamente livre. A ela se deve o assentimento dado a uma proposição e, portanto, também a faculdade de dar assentimento a proposições falsas ou de dissentir de proposições verdadeiras (Ockham, In Sent, II, q. 25, L). Para Ockham, o assentimento da vontade deve necessariamente seguir-se à evidência intuitiva dos primeiros princípios da demonstração, ou das verdades empíricas ou conclusões das demonstrações; por outro lado, pode se dar assentimento ao que é desprovido de qualquer evidência (Ibid., II, q. 25, Y); nesses casos, determina-se a possibilidade de erro. Essa doutrina foi substancialmente reproduzida por Descartes, em sua tese de que “a vontade é maior que o intelecto, podendo, pois, dar assentimento ao que não tem clareza e distinção suficientes para o intelecto. A vontade”, diz Descartes, “pode parecer de certo modo infinita porque nada percebemos que possa ser o objeto de outra vontade, nem mesmo da vontade imensa de Deus, até a qual a nossa não pode estender-se. Essa é a causa de ordinariamente levarmos a vontade além daquilo que conhecemos clara e distintamente; e quando assim abusamos dela não é de surpreender que aconteça enganar-nos” (Princ. phil., I, 35). De modo análogo, Locke dizia que “o erro não é uma falha do nosso conhecimento, mas um engano do nosso juízo, que dá assentimento ao que não é verdadeiro”. E enunciava quatro razões do assentimento errado: 1) falta de provas; 2) falta de capacidade de usá-las; 3) falta de vontade de vê-las; 4) cálculo errado de probabilidades (Ensaio, IV, 20, § 1). Rosmini também atribui o erro à vontade, considerando-o decorrente da ausência do elemento ideal (Ideia do ser) ou do elemento real (sentimento ou sensação) da percepção intelectiva (Novo ensaio, §§ 1356-59). Mas, dada a formulação geral da teoria de Rosmini, que identifica a ideia do ser com a “forma da razão”, a primeira espécie de erro pareceria implicar o poder da vontade de dissociar a razão da “forma”. Finalmente, o próprio Croce aceitou essa teoria do erro: “Quem comete um erro não tem nenhum poder de distorcer, desvirtuar ou macular a verdade, que é seu próprio pensamento, o pensamento que opera nele como em todos; aliás, assim que toca o pensamento, é tocado por ele: pensa e não erra. Tem apenas o poder prático de passar do pensamento ao fazer; e o fazer, e não o pensar, é abrir a boca e emitir sons aos quais não corresponda o pensamento, ou, o que dá no mesmo, um pensamento que tenha valor, precisão, coerência, verdade” (Lógica, 4-ed., 1920, pp. 254-55).
B) A outra alternativa dessa solução é que o erro se deve à sensibilidade ou, pelo menos, à ação da sensibilidade do intelecto. Essa é a doutrina de Kant a respeito. Um juízo errôneo — e o erro, assim como a verdade, só pode existir no juízo — é o que confunde a aparência da verdade com a verdade. Essa confusão não seria possível se o homem não tivesse outra faculdade além do intelecto. Mas como o homem, além do intelecto, tem sensibilidade, não pode evitar a influência oculta da sensibilidade sobre o intelecto, e dessa influência nasce a possibilidade de confundir o subjetivo com o objetivo, ou seja, a aparência da realidade com a própria realidade (Logik, Einleitung, VII). Essa teoria kantiana retorna em alguns filósofos contemporâneos. P. ex., para C. I. Lewis o erro é devido à combinação dos dados mediados pela experiência com as suas interpretações ou integrações habituais, de natureza intelectual (Analysis of Knowledge and Valuation. p. 26).
Em geral, a teoria do erro não é alvo de muita atenção por parte da filosofia contemporânea. Algumas correntes não elaboram uma teoria do erro pelo mesmo motivo pelo qual Hegel não a elaborou: porque não admitem a possibilidade do erro. Para outras correntes, porém, o motivo é diferente: elas reconheceram a intrínseca falibilidade dos procedimentos cognoscitivos de que o homem dispõe e, portanto, a possibilidade do erro não se distingue da possibilidade do conhecimento. Em certo sentido, esse ponto de vista significa um retorno à teoria platônica do erro ou, pelo menos, ao seu pressuposto de que as determinações do conhecimento, assim como as do ser, não devem ser consideradas necessidades, mas possibilidades. [Abbagnano]