A potência (do latim “posse”: poder), como fator parcial, forma, juntamente com o ato, a estrutura do ente finito. Esta noção, primeiramente desenvolvida por Aristóteles (que a denomina dyn mei on) e ulteriormente aperfeiçoada pela escolástica, continua vivendo no conceito de força em Leibniz e no “em-si” de Hegel. Hoje, a biologia (Driesch) e também a física encontraram de novo o caminho que a ela conduz. No que tange à essência da potência, ela só pode ser descrita por sua relação com o ato, como a possibilidade real ou aptidão para ele. Sendo assim, há dois tipos de potência.
A potência passiva é a aptidão para receber um ato. Não coincide com a potência objetiva, com a pura ou não–real possibilidade, a qual é abandonada pelo ente no início de sua existência, mas que não entra nele como fator parcial; denomina-se objetiva, porque só na mente do Criador aparece como objeto. Mas aqui trata-se da potência subjetiva, que, como sujeito real (sub-iectum) do ato a ela agregado, co-estrutura o real. Esta é potência pura (isenta de ato), quando não traz consigo nenhum ato nem pressupõe nenhum ato que lhe sirva de fundamento. Como tal consideram Aristóteles e muitos escolásticos a matéria prima de todo o corpóreo, a qual deve toda sua atualidade ao ato (forma essencial) a ela agregado e por ela recebido. Uma potência não-pura ou põe ela própria um ato ou radica noutro ato no qual se alicerça. O primeiro caso ocorre na forma essencial, a qual só é potência diante da existência; mas, diante da matéria-prima, é ato. O segundo caso verifica-se nas potências acidentais, que se baseiam na substância; pense-se, p. ex., na receptividade do homem para a ciência. A potência passiva, como pura receptividade, não é, em si, todavia ato, mas também não é completamente nada, mas é algo real; p. ex., a pedra carece de receptividade para o saber. A amplitude desta potência decide a extensão do ato, que um ente pode receber; desse modo, delimita o ato.
Na potência passiva inclui-se a “potência obediencial” (potenlia oboedientialis), que consiste na capacidade da criatura para receber a ação de Deus, inclusive para além dos limites de sua natureza, sem que, contudo, esta fique anulada. Constitui ela a pressuposição para o milagre e para a elevação sobrenatural do homem.
Em contraposição à potência passiva está a potência ativa como faculdade ou potência de produzir um ato. Este é, pelo menos, a atividade correspondente à faculdade (p. ex., ato da inteligência ou da vontade), e com frequência é uma obra (p. ex., um filho, uma casa). A potência ativa inclui já um certo ato, uma vez que, segundo o princípio de causalidade, ninguém pode produzir o que não possui de algum modo. Enquanto a potência passiva repugna à essência de Deus, existe nele a potência ativa, não, é claro, para produzir a sua atividade, mas para produzir uma obra; e isto sem a recepção passiva imiscuída a toda obra finita, como, p. ex., com o nosso ensinar imiscui-se um aprender. — Lötz. [Brugger]
Aristóteles considera que potência e ato são noções que se aplicam principalmente à compreensão da passagem de entidades menos formadas a entidades mais formadas, pelo que se sublinham nesses conceitos elementos dinâmicos, ao contrário do aspecto estático assumido pelas noções de matéria e forma. São vários os significados de potência, mas, antes de mais há dois:
1) a potência é o poder que uma coisa tem de provocar uma mudança noutra coisa;
2) a potência é a potencialidade existente numa coisa de passar a outro estado. Esta última significação é aquela que Aristóteles considera mais importante para a sua metafísica.. Sem a noção de potência, não poderíamos dar conta do movimento enquanto passagem de uma coisa de um estado a outro estado. Por exemplo, a proposição “x cresce” é ininteligível se não aceitarmos que a proposição “x tem a potência de crescer” tem sentido. Em geral, não podemos dizer, segundo Aristóteles que “x virá a ser y” se não admitirmos previamente que há em x algumas das condições que vão tornar possível y. Isto não significa que basta supor uma potência para poder explicar a sua atualização.. Como Aristóteles afirmou muitas vezes, o ato é logicamente anterior à potência. As potências são de muitas espécies: umas residem nos seres animados, outras, nos inanimados; umas são racionais, outras, irracionais. A única coisa que têm em comum é a capacidade de serem atualizadas. Pode dizer-se que o ser que tem vista está em potência para ver e que a cera está em potência para receber uma determinada figura.
A distinção entre diversos tipos de potência constituiu, depois de Aristóteles, um dos temas mais frequentes da reflexão filosófica.. Os escolásticos distinguiam entre dois tipos de potência: a lógica ou objetiva, que é uma mera e simples possibilidade, pois pode definir-se como a mera não repugnância de algo perante a existência; o segundo tipo de potência é a real, subjectiva, não baseada no mero limite vazio da possibilidade ideal, mas na entidade real (para os significados tradicionais de objetivo e subjectivo, vejam-se os artigos correspondentes). A potência subjectiva pode ser considerada, pois, uma possibilidade real, e ser tratada dentro do problema da possibilidade se não fosse que esta redução da potência ao possível foi precisamente aquilo que levou muitas vezes a tradição escolástica a acentuar excessivamente o momento estático; mesmo quando a potência subjectiva seja equiparável à possibilidade real, é-o no sentido de que representa um princípio e não simplesmente uma condição. Dentro da orientação central da escolástica, continua a ser um caráter comum a toda a potência, enquanto potência, certa imperfeição. Isto não permite identificar a noção de potência à de receptáculo vazio idêntico ao não ser. A potência é sempre algo, mas pode acentuar-se nela o momento passivo ou o momento ativo; o primeiro é próprio dos filósofos influenciados pelo aristotelismo; o segundo, dos pensadores influenciados pelo neoplatonismo. Com efeito, a tradição neoplatônica defendeu a concepção da plenitude operativa da potência. Esta noção acentua-se quando se refere a um se subsistente por si mesmo; o ser que vive de si e por si é aquele que também possui eminentemente as potências e, portanto, as atividades, que lhe permitem ser aquilo que é.
Enquanto no pensamento inclinado para a interpretação do ato como mera atualidade e da potência como simples possibilidade, a mudança se explica pela existência de imperfeito, isto é, daquilo que ainda não chegou a ser e tende para a sua própria perfeição, no pensamento orientado para a interpretação do ato como atividade e da potência com manifestação do ser superabundante, o movimento surge da própria perfeição formal. A discussão sobre o caráter operativo ou não operativo da potência foi retomada ao longo de toda a filosofia moderna. Leibniz insistiu em que a noção escolástica de potência acentuava demasiado o aspecto positivo. “as verdadeiras potências – dizia ele – nunca são simples possibilidades, há sempre nelas tendência e ação” (NOVOS ENSAIOS). Contudo, deve reconhecer-se que, dentro da própria escolástica, houve quem procurasse transformar a noção de potência na força propriamente dita, pois supunham que nenhuma substância é completamente positiva. Para Duns Escoto, pode ser potência não só a matéria, mas também a matéria. Acontece mais ou menos o mesmo com os pensadores ingleses modernos. Estes examinam a noção clássica de potência sob o aspecto da noção de força. É certo a que, desde Locke, se manifesta uma tendência para reduzir essa realidade ao campo psicológico mesmo quando, na medida em que se ataca o problema a fundo, voltam a surgir os problemas metafísicos. Tanto Locke como Hume assinalam que a força ou potência se diz de duas maneiras: Por um lado, é algo capaz de fazer; por outro, algo capaz de receber uma mudança. No primeiro caso, é um poder ativo, no segundo, um poder passivo. Isto segue, em linhas gerais, a posição tradicional, mas Hume destrói a noção de potência ao declarar que não temos nenhuma ideia própria dela. A força é uma relação que o espírito concebe entre uma coisa anterior e outra posterior. Mas nem a sensação nem a reflexão nos dão a ideia de força no antecedente para produzir o consequente… “Na realidade – diz ele – não há nenhuma parte de matéria que nos revele pelas suas qualidades sensíveis, alguma força ou energia ou que nos dê fundamento para imaginar que poderia produzir algo ou ser seguida por algo ou outro objeto que nós mesmos poderíamos denominar efeito (INVESTIGAÇÃO SOBRE O ENTENDIMENTO HUMANO). Deste modo, Hume não só se opõe à tradição clássica, mas também a Locke., que supunha que a ideia de força pode derivar do fato. “A conexão que sentimos no espírito – prossegue Hume -, a acostumada transição da imaginação de um objeto ao seu acompanhante usual, é o sentimento ou impressão do qual formamos a ideia de força ou de conexão necessária”. Na medida em que o idealismo alemão seguiu os antecedentes de Leibniz, tendeu a sublinhar o aspecto metafísico-operativo da potência como verdadeira força em todos os seres. Descartes reconhecia potência ativa só ao pensamento, enquanto a extensão era absolutamente passiva. Leibniz estendeu a potencialidade a toda a realidade. O mesmo fez Kant, sobretudo na última fase da sua filosofia, quando o dinâmico prevaleceu definitivamente sobre o matemático. Fichte explorou até ao extremo este último caminho e Schelling postulou as potências como relações determinadas entre o objetivo e o subjectivo, entre o real e o ideal. Como o existente é sempre só a indiferença, e não existe nada fora dele, o absoluto como identidade encontra-se apenas sob a forma de potência. São estas as verdadeiras forças metafísicas a que, como tais, constituem o ser no conjunto das suas operações. O idealismo destaca extraordinariamente o operativismo da potência e afasta-se até um limite máximo da sua concepção como mera possibilidade. Será essa a tendência que irá reinar na maior parte das correntes contemporâneas. [Ferrater]
O ato define-se por si, como eficiência. É o ato o que e-facere. Todo ato, enquanto ato, é perfeito, porque é eficiente.
Essa eficiência, porém, oferece graus, etc, enquanto fato, não enquanto formalmente considerada.
O que é ato ou é, ou não é (formalmente considerado, ontológico).
Nós induzimos o ato, dele partimos, pois partimos de um ato para captarmos o ato. É o princípio simples. A potência é declarada pelo ato; é a capacidade do ato produzir ou receber (ativa ou passiva).
Assim:
Potência: passiva — a que é capaz de receber; ativa — a que é capaz de produzir.
Já vimos a possibilidade real ou ideal. Assim também:
Potência: ideal — a meramente lógica (ou a fundada em ideias); real — a que está no ato;
Dessa forma, a potência real e a ideal podem ser ativa ou passiva.
Ainda costumam subdividir:
Potência: objetiva — a que está no objeto: é lógica; subjetiva — a que está no sujeito.
Por sua vez, o ato é subdividido:
real — fático;
lógico — fundado na lógica (confunde-se com o real);
entitativo – que consiste numa entidade que tem ensidade;
formal — apenas consiste na forma;
misto — híbrido com potência (o fático em geral);
puro — o que não tem hibridez com a potência passiva (Deus).
O ato é anterior à potência (considerada absolutamente). O existir finito é ato misto, é hibridez de ato e potência. Neste caso, há prioridade de ato em relação à potência, mas de potência em relação a atos, tomados como partes, isto é, relativos.
No existir cronotópico, todo ato é potência de um outro ato. Sua eficiência assim o revela.
A explanação sintética, que ora fizemos, não exclui as análises posteriores, que surgirão em outros temas, sobretudo quando examinemos os princípios intrínsecos e extrínsecos do ser. [MFS]