Ficino

Ficino, Marcílio (1433-1499)

Platônico e humanista, Ficino é uma das figuras representativas da cultura italiana e florentina do séc. XV. Representa o trânsito da etapa filológica do humanismo à filosófica, como afirmação do lugar central do homem no universo e revalorização da história humana.

Não se pode duvidar de sua profunda e sentida cristã. No entanto, como muitos de sua época, encara a reação contra a escolástica que havia subordinado a teologia à filosofia. Para a renovação da teologia e do cristianismo, aposta em Platão e no neoplatonismo que lhe emprestam a base e a forma de seu pensamento.

— Considerado como o mais importante neoplatônico renascentista, já que professou verdadeiro culto a Platão, começou o estudo do grego na década de 1450. Em 1459 foi apresentado a Cosme de Médicis, que projetava para Florença uma escola de platonismo. Rodeado de intelectuais e eruditos com quem formou a Academia, pôde traduzir pela primeira vez do original grego ao latim todos os diálogos de Platão (entre 14631477). Durante outros 20 anos ocupou-se dos comentários aos Diálogos de Platão. Entre esses comentários fez-se clássico o do Banquete ou Convívio.

— Além do estudo e tradução de Platão, traduziu e estudou as Enneadas de Plotino, que apareceram em 1492.

— Sua obra original filosófico-teológica aparece sobretudo em De religione Christiana (1474); Theologiae platonicae de inmortalitate animorum libri XVIII(1482); De triplicivita (1489). Importantes são também suas epístolas, diálogos, tratados e comentários sobre os principais pontos de seus ensinamentos. Em toda a sua obra aparece sua vasta formação humanista e esse incipiente ecletismo que será nota dominante dos humanistas posteriores.

— É típica de Ficino a concepção de Deus, que toma de Plotino. Deus é o Uno, que coleta na simplicidade da própria natureza a infinita multiplicidade dos arquétipos ideais das coisas. Deus é o criador, o bem, a verdade e a beleza por excelência, isto é, a presença interior em tudo, assim como nas partes do ser originário.

Deus é também o artífice da natureza — seu artífice interior — que faz do universo como um só ser vivo; e é em cada vivente como a razão seminal que traz a vida.

— De Platão e do neoplatonismo toma sua ideia da alma e do homem como copula mundi e vera universorum conexio, onipresente, porque tudo no mundo é animado. Assim, o homem participa da natureza divina da alma universal — situado entre o eterno e o tempo — e é ao seu modo todas as coisas, é o microcosmos.

— Sobre tais ideias projeta a sua cristã: o Deus cristão cria o mundo e o ama como criatura sua. A emanação plotiniana transforma-se, em Ficino, em criação como ato que tem suas raízes na bondade de Deus. O Filho de Deus feito homem é o ponto de encontro entre o homem e Deus. O amor é descendente e ascendente: vem de Deus em seu Filho e retorna a Deus por ele. O homem pode voltar livremente ao seu lugar de origem, fazendo-se Deus pela graça de Cristo. “A alma ascende pelos diversos graus do amor — do furor divinus — e vai percorrendo, em seu caminho ascendente, as mesmas etapas do descenso cósmico.”

— Esse ecletismo de conceitos platônicos e cristãos torna-se mais visível quando mistura e combina ideias pagãs e cristãs. Por exemplo: o “amor platônico” como preparação e aproximação ao verdadeiro amor espiritual; a relação entre o cristianismo e as religiões anteriores; a interpretação que faz dos antigos pré-cristãos: egípcios, gregos, e outros. Essa antiga sabedoria — prisca gentilium theologia — é uma teologia que contém indícios da verdade cristã. O mesmo se percebe em seu gosto pelos escritos herméticos, em seu interesse pela magia e pela astrologia. Nesse aspecto, Ficino — que defende o caráter único do cristianismo — suscitou as suspeitas de Roma. E iniciou também um caminho de sabedoria pagã e cristã que muitos humanistas e renascentistas seguiriam.

BIBLIOGRAFIA: Opera omnia. Ed. de E. Garin, Basileia 1576 — Turim 1959,2 vols.; P. O. Kristeller, Ocho filósofos… México 1974; Id., The Philosophy ofMarsilio Ficino. Nova York 1954; Humanismo y renacimiento (Textos de Lorenzo Valla, Marcílio Ficino…). Seleção e tradução de Pedro R. Santidrián. Madrid 1986. (Santidrián)