gr. apokrisis: empregada por Anaximandro para explicar a mudança, genesis 2; e por Anaxágoras, ibid. 6-7 [FEPeters]
(gr. diakrisis; lat. separatio; fr. Séparation; al. Trennung; it. Separazione).
Resolução de um composto em suas partes ou em seus elementos. Este termo foi usado por Anaxágoras (Fr. 10, Diels) e por Empédocles (Fr. 58, Diels) (cf. Platão, Sof, 243 b; Aristóteles, Met., I, 4, 985 a 25). [Abbagnano]
Que é ou está antes do mundo? A mitologia responde antes de o perguntarmos. O mito da separação contou-se e conta-se em todos os cantos do mundo. No ocidente civilizado, Homero foi o primeiro a dar-lhe expressão, embora desesperadoramente fragmentária. No horizonte, de si se vertem as águas do Oceano, que para si revertem. Mas dá a entender que, em litígio, do Oceano se tinha separado Tétis. Separação pressupõe união, distinção vem depois de indistinção, diferença, após in-diferença. Provavelmente em Homero ecoa o mito mesopotâmico de Apsu e Tiamat, [68] aquele, as águas doces do por cima e do por baixo da terra, esta, as águas salgadas dos grandes recôncavos do sobre a terra. O mito não tem a lógica que teria se não fosse mito. Porque terra e céu só vêm a ser mais tarde, quando Marduk divide ou separa em dois o cadáver de Tiamat, e de metade faz o Céu, de metade faz a Terra. Hesíodo parece dizer outra coisa: céu e terra (Urano e Gea) separam-se na circunferência do horizonte, mas este poeta segue pela linha da tradição oral e escrita — a separação resulta de um acto de violência de um filho contra o pai; a castração de Úrano, cometida por Crono, também não tem a lógica que teria se não fosse mito. Efectivamente, e como se disse, céu e terra já estavam separados no extremo horizonte. Hesíodo segue de perto um mito que corria entre os Hititas, o da sucessão dinástica da «Realeza no Céu»: são quatro gerações, representadas nesta ordem — Alalu-Anu-Kumarbi-Teshub. Os três últimos identificam-se, sem a menor dúvida, com a sucessão hesiódica — Urano-Crono-Zeus. Homero conhecia esta sucessão ternária, mas prepõe Oceano a Úrano. Tudo se harmonizaria se Alalu fosse, como parece que seja, o nome das «águas primordiais». Pois, em Hesíodo, também há um precedente de tudo: o Caos, onde crescem as raízes do que, muito depois da redacção do poema, virá a ser a quadra dos elementos: «Lá se encontram, da Terra negra e do Tártaro brumoso (ar)/ e do mar estéril (água) e do Céu estrelado (fogo), as fontes e os limites,… terrível e úmido… o grande Abismo…» (Th., 736 seg.), Hesíodo trai-se pelo emprego daquele adjetivo, eurhuóenta (rhúõ relaciona-se com rhéo, «correr [como um rio]»). O grande Abismo é aquático Abismo, e aí temos a réplica do Oceano homérico! (Quanto a outros pormenores, remeto o leitor para os primeiros parágrafos de Horizonte e Complementaridade.) [EudoroMito:68-69]
6. Poder-se-ia dizer que a separação diabólica caminha em sentido contrário ao da separação divina, fechando, e não abrindo, o acesso à unidade que no mundo se faria como que imagem sua, por exemplo, nas múltiplas coincidências dos opostos que fascinavam Heráclito, de olhos bem abertos, em sua Grande Vigília. «Diabólica» é a fatal e irremediável fragmentação de tudo em «coisas» que só podem relacionar-se pelo lado de fora, a espúria criação-negativa daquele espírito vampiresco de que falava Ludwig Klages, na década de 30, com olhos postos na destruição da vida, que ainda hoje nos inquieta e atormenta, ou, por outra, cada vez mais nos atormenta e inquieta. Não escrevemos ao acaso «criação-negativa», pois repentinamente nos viera à memória as palavras que Mefistófeles dirige a Fausto: «Eu sou o Espírito que sempre nega…» Insistamos, porém: esta negação nada tem que ver com a de um neoplatônico, como Proclo, a propósito do qual se escreveu: «o universo nasce da recusa do Princípio, de ser o que quer que seja», posto que «Ele vive num retiro que em silêncio [93] abriga uma vida oculta, mais poderosa do que toda a manifestação.» O que se dá com o Diabo é a fragmentação, a divisão arbitrária da unidade manifestada pelo Um. Não é fácil achar uma «coisa» ou um grupo finito de «coisas» cuja «unidade» não seja o da indefinida repetição da mesma, no gênero ou na espécie. Mas da unidade genérica ou específica do modelo repetido, que não passa de unidade externa de justaposição, ninguém chegará a uma unidade interna de composição, a não ser que se apele para a falsa unidade da ação fabril, para a falaciosa unidade do homo faber, o qual, queiram-no ou não os progressistas e os encomiastas do trabalho, em qualquer ponto da história, do paleolítico até hoje, desde o anonimato do artífice até à nomeada do artista, está e sempre esteve, enquanto só fazedor do que faz, no patamar inferior da escalada do homem que quer participar, se não da dignidade divina, pelo menos da do «não-só-humano». E do fazedor de produtos industriais de consumo, mais ou menos comuns, até os fabricantes de conceitos que mancham nossos livros de gramática, teoria literária, antropologia, psicologia, educação, economia, etc., também de maior ou menor consumo, a gradação é tão diminuta que mal se apercebe. Todos nós somos melhores ou piores profissionais, em se tratando de fabricar «coisas», os tais fragmentos, não de um mundo real, mas só objetivo, e, ainda assim, dispersos pelo sopro furioso do diabólico. [EudoroMito:93-94]