O quadro iniciático – quer dizer, morte para a condição profana, seguida do renascimento para o mundo sagrado, para o mundo dos deuses – também desempenha um papel importante nas religiões evoluídas. O sacrifício indiano constitui um exemplo célebre. Seu objetivo é alcançar, após a morte, o Céu, a morada dos deuses ou a qualidade de deus (devatma). Em outras palavras, pelo sacrifício forja se uma condição sobre humana, resultado que pode ser comparado ao das iniciações arcaicas. Ora, o sacrificante deve ser previamente consagrado pelos sacerdotes, e a consagração (diksha) comporta um simbolismo iniciático de estrutura obstétrica; propriamente falando, a diksha transforma ritualmente o sacrificante em embrião, fazendo o nascer uma segunda vez.
Os textos enfatizam longamente o sistema de correspondência graça ao qual o sacrificante sofre um regressus ad uterum seguido de um novo nascimento. Vejamos, por exemplo, o que diz a esse respeito o Aitareya Brahmana (I, 3). “Os sacerdotes transformam em embrião aquele a quem concedem a consagração (diksha). Aspergem no com água: a água é a semente viril… Fazem no entrar no abrigo especial: o abrigo especial é a matriz de quem faz a diksha; fazem no entrar assim na matriz que lhe convém. Recobrem no com uma veste, a veste é o âmnio… Põem-lhe por cima uma pele de antílope negro; o córion está, de fato, por cima do âmnio… Ele tem os punhos cerrados; com efeito, o embrião tem os punhos cerrados enquanto está no ventre, a criança tem os punhos fechados quando nasce. Ele tira a pele de antílope para entrar no banho; é por isso que os embriões vêm ao mundo despojados do córion. Ele mantém a veste para entrar no mundo e é por isso que a criança nasce com âmnio por cima de si.”
O conhecimento sagrado e, por extensão, a sabedoria são concebidos como o fruto de uma iniciação, e é significativo que tanto na Índia antiga como na Grécia se encontre o simbolismo obstétrico ligado ao despertar da consciência suprema. Não era sem razão que Sócrates se comparava a uma parteira: ele de fato ajudava o homem a nascer para a consciência de si, dava à luz o “homem novo”. Encontra-se o mesmo simbolismo na tradição budista: o monge abandonava seu nome de família e tornava se um “filho do Buda” (sakya putto), pois “nascera entre os santos” (ariya). Conforme dizia Kassapa ao falar de si mesmo: “Filho natural do Bem aventurado, nascido de sua boca, nascido do dhamma (a Doutrina), formado pelo dhamma” etc. (Samyutta Nikaya, 11, 221).
O nascimento iniciático implicava a morte para a existência profana. O esquema conservou se tanto no hinduísmo como no budismo. O iogue “morre para esta vida” a fim de renascer para um outro modo de ser: aquele é representado pela libertação. O Buda ensinava o caminho e os meios de morrer para a condição humana profana – quer dizer, para a escravidão e a ignorância – e renascer para a liberdade, para a beatitude e para o incondicionado do nirvana. A terminologia indiana do renascimento iniciático lembra, às vezes, o simbolismo arcaico do “novo corpo” que o neófito obtém graças à iniciação. O próprio Buda o proclama: “Mostrei aos meus discípulos os meios pelos quais eles podem criar, a partir deste corpo (constituído pelos quatro elementos, corruptíveis), um outro corpo de substância intelectual (rapim manomayan), completo com todos os membros e dotado de faculdades transcendentais (abbinindriyam).”
O simbolismo do segundo nascimento ou da geração como acesso à espiritualidade foi retomado e valorizado pelo judaísmo alexandrino e pelo cristianismo. Fílon utiliza abundantemente o tema da geração para falar do nascimento a uma vida superior, a vida do espírito (cf. por ex., Abraham, 20, 99). Por sua vez, S. Paulo fala de “filhos espirituais”, dos filhos que ele procriou pela fé. “Tito, meu verdadeiro filho na fé que nos é comum” (Epístola a Tito, I:4). “Rogo-te por meu filho Onésimo, que gerei na prisão… (Epístola a Filémon, 10).
Inútil insistir nas diferenças entre os “filhos” que S. Paulo “gerou na fé” e os “filhos do Buda”, ou aqueles que Sócrates “partejava”, ou ainda os “recém nascidos” das iniciações primitivas. As diferenças são evidentes. Era a própria força do rito que “matava” e “ressuscitava” o neófito nas sociedades arcaicas, do mesmo modo que a força do rito transformava em “embrião” o sacrificante hindu. O Buda, pelo contrário, “engendrava” por “sua boca”, quer dizer, pela comunicação de sua doutrina (dhamma); era graças ao conhecimento supremo revelado pela dhamma que o discípulo nascia para uma vida nova, capaz de o conduzir até o limiar do nirvana. Sócrates, por sua vez, não pretendia mais do que exercer o ofício de uma parteira: ajudava a “parir” o homem verdadeiro que cada um trazia no mais profundo de si próprio. Para S. Paulo, a situação é diferente: ele engendrava “filhos espirituais” pela fé, quer dizer, graças a um mistério fundado pelo próprio Cristo. De uma religião a outra, de uma gnose ou sabedoria a outra, o tema imemorial do segundo nascimento enriquece se com novos valores, que mudam às vezes radicalmente o conteúdo da experiência. Permanece, porém, um elemento comum, um invariante, que se poderia definir da seguinte maneira: o acesso à vida espiritual implica sempre a morte para a condição profana, seguida de um novo nascimento. (Eliade)
Em seu segundo nascimento, ao contrário, livre da ilusão transcendental do ego, o Filho que nunca se trouxe à condição que é a sua, experimenta ao mesmo tempo a vida como o que não cessa de levá-lo a esta condição e de dá-lo a ele mesmo. É pois nesta Vida que ele se encontra colocado antes de tudo – nesta Vida antes de sê-lo em si mesmo. Ali onde ele se encontra colocado antes de tudo, é dali também que parte sua relação com o outro. Ao mesmo tempo que sua relação consigo, que repete agora o processo de seu nascimento transcendental e exprime fenomenologicamente sua condição de Filho, é sua relação com o outro que se encontra, com efeito, profundamente transformada também. Uma vez que já não é antes de tudo, nele, o ego que fornece o ponto de partida da relação, está então, nesse Filho que ele é, a vida mesma. Igualmente, já não é com outro ego que ele se relaciona, mas, neste, com um Filho, com a Vida. Ali onde se encontra colocado antes de tudo o Filho, ali também se encontra antes de tudo o outro. Dali de onde provém o Filho, provém também o outro. Dali de donde ele parte, o outro também parte. A autodoação da Vida fenomenológica absoluta em que cada Filho é dado a ele mesmo é o “ser em comum” dos Filhos, a essência pré-unificadora que precede e pré-une cada um deles, determinando-o a priori ao mesmo tempo como um Filho e participante, simultaneamente, desta essência, em relação potencial, nela, com todos os Filhos concebíveis, e desse modo como “membro da família de Deus” (Efésios 2,19), de um “povo de propriedade particular de Deus…” (1 Pedro 2,9). Acesso ao outro não existe senão como acesso de um Filho a um Filho, no nascimento transcendental de cada um deles, na autodoação da Vida fenomenológica absoluta em sua Ipseidade essencial – não existe senão em Deus e no Arqui-Filho: “Formamos um só corpo em Cristo” (Romanos 12,5). (Michel Henry, MHSV)