psicologia

(in. Psychology; fr. Psychologie; al. Psychologie; it. Psicologia).

Disciplina que tem por objeto a alma, a consciência ou os eventos característicos da vida animal e humana, nas várias formas de caracterização de tais eventos com o fim de determinar sua natureza específica. As vezes, tais eventos são considerados como puramente “mentais”, ou seja, como “fatos de consciência”; outras vezes, como eventos objetivos ou objetivamente observáveis, ou seja, como movimentos, comportamentos, etc, mas em todo caso a exigência a que essas definições correspondem é a de delimitar o domínio da indagação psicológica ao campo restrito dos fenômenos característicos dos organismos animais, em especial do homem. Do ponto de vista da formulação conceitual (que interessa à filosofia) podemos distinguir as seis correntes fundamentais seguintes: d) psicologia racional; h) psicologia psicofísica; c) behaviorismo; d) gestaltismo; e) psicologia do profundo; f) psicologia funcional.

a) A psicologia racional ou filosófica foi fundada por Aristóteles, o primeiro a coligir em seu livro De Anima as opiniões que seus predecessores haviam expresso a respeito desse assunto. Essa psicologia tem por objeto “a natureza, a substância, e as determinações acidentais de alma”, entendendo-se pôr alma “o princípio dos seres vivos” (De an., I, 1, 402 a 6). O pressuposto fundamental dessa psicologia está explícito nas seguintes notas: nos eventos estudados, pressupõe um princípio único e simples, uma substância necessária, da qual seja possível de-duziras determinações que esses eventos possuem constantemente ou na maioria das vezes. Neste sentido, a psicologia é uma ciência dedutiva da alma, cujos fenômenos particulares só são considerados como confirmações ocasionais dos teoremas que a constituem. Com muita razão, no séc. XVIII, Wolff dava a essa psicologia o título de “racional”, porquanto ela trata de “derivar a priori, do único conceito de alma humana, todas as coisas observadas a posteriori como de sua competência” (Log., Disc, prel., § 112). Mas foi mérito de Wolff acrescentar a tal psicologia uma outra, “empírica”, definida como “a ciência que, através da experiência, estabelece os princípios capazes de esclarecer o que acontece na alma humana” (Ihid., § 111; Psychologia empírica, 1732, § 1). Neste sentido, a psicologia racional continua sendo uma corrente das filosofias que se inspiram na metafísica tradicional, mas deixou de ter eficácia sobre o desenvolvimento científico da psicologia.

b) A psicologia psicofísica ou, mais simplesmente, a psicofísica constituiu a primeira corrente empírica, experimental ou científica da psicologia. Wolff já lhe prescrevera um método indutivo ou experimental, característico de todas as ciências empíricas; no início do séc. XIX, Maine de Biran prescrevia seu campo de ação: a consciência (Essai sur les fondements de la psychologie, 1812). No entanto, ainda não existiam todas as condições para a fase científica da psicologia. Faltavam duas, estreitamente inter-relacionadas: em primeiro lugar, o reconhecimento da estreita relação entre os eventos psíquicos e os físicos, através da ação do sistema nervoso; em segundo lugar, a introdução de alguma técnica de medição. A concretização dessas duas condições levou a psicologia a constituir-se como psicofísica. Isto aconteceu graças a Helmholtz, Weber, e Fechner: o primeiro conseguiu medir, em 1850, a velocidade do impulso nervoso, enquanto o segundo enunciava a denominada “lei” da relação entre o estímulo e a sensação (segundo a qual o aumento do estímulo necessário para ser percebido como tal é proporcional à intensidade do estímulo originário), e o último estabelecia a “lei psicofísica fundamental”, representada pela fórmula matemática que expressa a lei de Weber. Em 1860 Fechner publicava os Elementos de psicofísica, que a definiam como “a ciência exata das relações funcionais ou relações de dependência entre o espírito e o corpo”. Esse foi o programa da psicologia científica nessa primeira fase de sua organização: programa no qual logo encontraram lugar os resultados das análises do empirismo inglês, desde Locke até Spencer. Este último, em Princípios de psicologia (1855), também definira como psicofísica a tarefa da psicologia, afirmando que “a psicologia distingue-se das ciências em que se apoia [anatomia e fisiologia] porque cada uma de suas proposições leva em conta tanto o fenômeno interno conexo quanto o fenômeno externo conexo, ao qual se refere.” (Principles of Psychology, 3a ed., 1881, p. 132). Do empirismo inglês, a psicologia extraiu duas características fundamentais, que a acompanharam nessa primeira fase, de constituição: o atomismo e o associacionismo. Desse modo, suas estruturas teóricas fundamentais podem ser resumidas da seguinte maneira:

1) A psicologia tem por objeto os “fenômenos internos” ou “fatos da consciência”, e seu principal instrumento de indagação é a introspecção ou reflexão. Graças a esse aspecto, a corrente em exame foi muitas vezes chamada de psicologia subjetiva ou reflexiva, ou — mais raramente — “crítica”.

2) Os fatos de consciência ou fenômenos internos são estudados pela psicologia em sua conexão funcional com os fenômenos externos (fisiológicos ou físicos). Graças a esse aspecto, que é o mais característico da fase em questão, tal psicologia foi chamada de psicofísica ou também psicologia fisiológica (por Wundt). Com este aspecto tem relação a hipótese que sustentou nesta fase o trabalho experimental da psicologia: o paralelismo psicofísico.

3) Tendência a resolver o fato de consciência por elementos últimos (sensações, emoções elementares, reflexos ou instintos elementares) e explicar os fenômenos mais complexos com a combinação de tais elementos (atomismo, associacionismo).

4) O caráter científico da psicologia é constituído pelo recurso aos procedimentos de indução, de experimentação e de cálculo matemático, que estabelece o caráter descritivo reivindicado pela psicologia, analogamente ao que fazem as outras disciplinas empíricas.

c) A psicologia da forma ou gestaltismo concentra seus ataques no terceiro princípio fundamental da psicologia psicofísica, o atomismo e o associacionismo. Consiste em assumir como ponto de partida o princípio simetricamente oposto ao da psicologia associativa: o fato fundamental da consciência não é o elemento, mas a forma total, visto que esta nunca é redutível à soma ou à combinação de elementos. Seus fundadores foram Weltheimer, Köhler e Koffka; mesmo mantendo inalterado o segundo princípio fundamental da psicofísica, deixou de falar em fatos e fenômenos de consciência para considerar formas, configurações ou campos, em sua estrutura total. O gestaltismo tratou principalmente da percepção, a respeito da qual acumulou um número enorme de trabalhos experimentais.

d) A psicologia objetiva ou behaviorismo concentra seus ataques no princípio fundamental da psicologia psicofísica, negando que o instrumento fundamental da psicologia seja a introspecção ou a reflexão e que os fatos de consciência ou fenômenos internos sejam objeto dessa ciência; afirma que, ao contrário, os objetos da psicologia são as reações dos organismos aos estímulos, entendendo-se por reações movimentos ou fenômenos objetivamente observáveis, relacionados com os eventos do ambiente, que funcionam como estímulos. Em 1907, o fisiologista russo Bechterev publicava uma psicologia objetiva (depois traduzida para inglês e francês), que defendia justamente essa tese, mais tarde difundida e defendida pelos estudos de Pavlov sobre os reflexos condicionados (v. ação reflexa). Portanto, pode-se dizer que aí tem início o behaviorismo. Esse nome, porém, só lhe foi atribuído alguns anos mais tarde, pelo americano J. B. Watson, em um artigo de 1913 e depois num livro intitulado Comportamento, introdução à psicologia comparativa (Behavior, An Introduction to Comparative Psychology, 1914). Nessa primeira fase, o behaviorismo assumia caráter de necessitarismo rigoroso; a reação do animal era considerada efeito causal necessário do estímulo, por isso infalivelmente previsível a partir dele. O abandono desse necessitarismo e o reconhecimento do caráter simplesmente estatístico ou probabilístico das constantes verificáveis nas reações de resposta dos organismos aos estímulos constitui a fase mais moderna do behaviorismo.

e) As denominadas psicologia abissais ou psicologia do profundo concentram seus ataques no quarto princípio fundamental da psicologia científica clássica, considerando a psicologia como ciência de interpretação, e não de descrição. Com efeito, para a psicanálise, que é a maior e a mais coerente expressão das psicologia abissais, o ponto de partida da interpretação não está nos fatos, como faz a descrição, mas nos sintomas, e a noção de sintoma é fundamental em psicanálise (v. inconsciente). Na interpretação dos sintomas a psicanálise segue uma única regra básica: reduzir o sintoma a símbolo ou expressão deformada de uma necessidade ou de um conflito de natureza vagamente sexual, atinente à libido (v. libido; psicanálise; sexualidade). São variantes da psicanálise a denominada psicologia individual de Alfred Adler, que insiste particularmente no caráter finalista dos problemas psíquicos (Praxis und Theorie der Individualpsychologie, 1924), e a psicologia analítica de C. G. Jung, que na realidade é muito pouco analítica (no sentido próprio do termo), pois não faz senão atribuir caráter simbólico a muitos sintomas que para Freud tinham significado direto (Coll. Pap. on Analytical Psychology, 1916). (V. inconsciente; profundo)

f) Para a psicologia funcional ou funcionalismo, o objeto da psicologia é constituído pelas funções ou operações do organismo vivo, consideradas como unidades mínimas indivisíveis. O funcionalismo inicia-se com uma obra de Dewey, Conceito do arco reflexo em psicologia (1896), na qual se afirmava categoricamente que o arco reflexo não pode ser dividido em estímulo e resposta, mas deve ser considerado como uma unidade da qual apenas o estímulo e a resposta auferem significado. Para indicar a unidade da função, o próprio Dewey empregou depois a palavra transação, que servia para ressaltar a impossibilidade de considerar os elementos de uma função qualquer como entidades autônomas e independentes da relação de que participam (cf. Knowing and the Known, 1949, em colaboração com A. F. Bentley). A corrente funcionalista abandona os pressupostos 1), 2) e 3) da psicologia tradicional. Abandona o primeiro porque o objeto que se propõe estudar não é um fato de consciência, e sim uma função, ou seja, uma operação em virtude da qual o organismo entra em relação com o ambiente. Abandona o segundo princípio fundamental porque o método de que este se vale não é introspectivo, mas objetivo ou comportamentista: as funções devem ser estudadas mediante procedimentos de observação objetiva. Finalmente, o funcionalismo tem em comum com o gestaltismo o abandono do terceiro princípio fundamental. Mas a principal novidade do funcionalismo é o probabilismo, que consiste em negar não só aos procedimentos da ciência, mas também a todas as funções cognitivas humanas (inclusive a percepção imediata), o caráter de certeza infalível, e em atribuir a todas essas funções a possibilidade de atingirem uma validade apenas provável. Por este probalilismo, o funcionalismo constitui a inserção da psicologia no campo das ideias fundamentais da ciência contemporânea (cf. Brunswik, Psychology in Terms of Objects, 1936, Cantril, Ames, Hastorf, Ittelson, “Psychology and Scientific Research, em Science, vol. 110, 1949; Cantril, The “Why” of Man’s Experience, 1950; trad. it., As motivações da experiência, 1958; v. também as obras citadas na bibliografia deste último livro). (Abbagnano)


Significa etimologicamente ciência da alma ou do anímico (psíquico). O significado real ordinário do termo tem variado muito. Aristóteles, que foi quem primeiro elaborou uma doutrina sistemática da alma, tratava nela de todos os graus da vida terrestre (vegetativa, sensitivo-animal e intelectual) e via na alma o princípio formal substancial dos processos vitais; assim também procedeu : a escolástica medieval, sua continuadora (e, em parte, também a neo-escolástica). Desde que, em princípios da Idade Moderna, a restrição exclusiva do conceito de vida à vida intelectual consciente, levada a cabo por Descartes, fez convergir de modo especial as atenções sobre o psíquico consciente, e, depois que o empirismo estreme, o positivismo e o criticismo negaram, mais tarde, a cognoscibilidade de uma alma substancial, surgiu no século XIX, sob o predomínio do positivismo, a definição da psicologia como “ciência dos fatos de consciência” (muito embora também esta forma meramente empirista de psicologia nunca se tenha contentado só com “vivências conscientes”). Além disso, foi proscrita como “metafísica” a doutrina da alma como sujeito substancial das vivências conscientes. A hodierna psicologia científico-experimental entrega precisamente o tratamento especializado do que é puramente vegetativo às ciências biológicas e fisiológicas, mas, em compensação, presta maior atenção tanto às bases psíquico-inconscientes da vida cônscia, quanto (como antropologia, psicológica) ao entrosamento da vida psíquica com a vida humana globalmente considerada. O termo “psicologia” provém do século XVII, e só a partir de Cristiano Wolff e posteriormente, no século XIX, se generalizou.

Consoante a psicologia se limite a estudar os acontecimentos psíquicos empiricamente apreensíveis ou investigáveis enquanto tais, ou se aplique à consideração da alma como sujeito da vida psíquica, distinguimos uma psicologia empírica e uma psicologia chamada (desde Wolff) racional, ou, melhor, filosófico-metafísica. Ambas diferem entre si pelo objeto formal e pela diversidade de missão e de método. — A psicologia empírica ocupa-se com as vivências conscientes (p. ex., conhecimento, tendência, sentimento), procura descrevê-las com exatidão em seus traços característicos e conexões recíprocas (assim como também em suas relações com o inconsciente e com a totalidade do homem), descobrir suas leis estatísticas, causais e finais (psicologia descritiva e explicativa), deduzir de leis psicológicas gerais leis e fatos particulares (psicologia teorética; cf. Lindworsky) e compreender o sentido dos acontecimentos psíquicos (psicologia compreensiva, psicologia como ciência do espírito). Trata tanto das formas universais das vivências quanto das formas particulares que se dão nos diversos indivíduos (psicologia diferencial, psicologia tipológica Caracterologia), das fases evolutivas da vida psíquica da criança, do adolescente, etc. (psicologia evolutiva ou genética), da inserção da vida pessoal na vida psicológicosocial (psicologia social), da ordenação da vida consciente às esferas axiológicas do espírito objetivo (p. ex., psicologia da religião, psicologia da criação e vivências artísticas, etc.) e, finalmente, das formas anormais do psiquismo (psicopatologia). A psicologia aplicada procura aproveitar na vida cotidiana (escola, profissão, educação) os resultados da investigação científica (psicologia pedagógica, psicologia terapêutica, psicotécnica, psicologia médica, psicologia forense ou judicial).

O método fundamental da psicologia empírica continua sendo a simples contemplação da vivência psíquica (auto-observação) juntamente com a hetero-observação (que manifesta a vivência da alma alheia) e com a compreensão do sentido da vida psíquica em sua ordenação a domínios axiológicos objetivos. Mas é de todo insuficiente uma psicologia do “comportamento” ou da “conduta” (behaviorismo ou psicologia do comportamento), que se circunscreve ao que é puramente exterior. A oposição, frequentemente exagerada durante a “crise da psicologia” (ocorrida entre 1920 e 1930), entre estas formas e métodos reduz-se, portanto, à diferença entre aspectos da única psicologia metodicamente completa que de maneira necessária se exigem e complementam reciprocamente. — Desde que O. Th. Fechner começou a aplicar os métodos experimentais das então florescentes ciências naturais anorgânicas à mensuração do psíquico, a auto-observação e a hetero-observação metodicamente afinadas no experimento psicológico passaram a ser um (não o único) dos métodos principais da investigação psicológica. Consiste em provocar, deliberada e sistematicamente, processos psíquicos, a fim de observá-los de maneira científica. O ideal da experimentação científico-natural, de encontrar o conjunto e o significado de todos os valores parciais de um processo que varie à vontade as condições da experiência, é, na verdade, francamente impossível na experimentação psicológica, porque o psíquico é irreiterável. Não obstante, o método comporta muitos méritos. — Adaptando-se, em seus inícios, muito intimamente, ao modelo da física e da química, no concernente ao método e elaboração de teorias (psicologia científico-natural até cerca do final do século XIX), a psicologia empírica foi-se tornando mais e mais independente, até se transformar, na última década do século, de “atomística” em “psicologia da totalidade” ou “psicologia global”. Mercê das pesquisas levadas a efeito no domínio do conhecimento intelectual e da vontade (escola de Kulpe, desde 1905 mais ou menos), da psicologia da religião e da psicologia social mais tarde, como também da psicologia diferencial e caracterológica, a psicologia, desde então para cá, tem produzido muitos frutos.

A psicologia racional ou, melhor, filosófico-metafísica, investiga as últimas bases ônticas da vida consciente radicadas no “sujeito que sente” as vivências, na essência substancial espiritual, livre e imortal da alma. Seu método não pode ser intuitivo (porque não apreendemos intuitivamente o espiritual), menos ainda pode ser racionalisticamente dedutivo (à maneira da geometria euclidiana, que deduz tudo, partindo de princípios inicialmente estabelecidos), nem também ampliação puramente indutiva do saber empírico, mas tão-somente “redutivo”; quer dizer, considera os fatos, empiricamente dados, do ponto de vista das leis universais do ser, a fim de, por essa forma compreender a existência e a essência da alma. Seus problemas fundamentais, importantes para a valorização global da humana existência (tais como responsabilidade, espiritualidade, imortalidade) têm ocupado os homens desde a mais remota antiguidade. Desde que Anaxágoras aclarou o conceito do espiritual, a psicologia metafísica foi tida como uma das partes mais importantes de toda filosofia pelos maiores expoentes do pensamento ocidental, desde Platão, Aristóteles, Plotino e S. Agostinho até nossos dias, embora, de quando em quando, se tenham feito sentir correntes positivistas. As múltiplas afirmações, referentes à impossibilidade da psicologia, estribam em pressuposições falsas, antimetafísicas. — Willwoll. (Brugger)


Etimologicamente o termo psicologia significa: ciência da alma. Esta ciência é tão antiga quanto a filosofia. Desde a antiguidade, em todos os sistemas, houve um conjunto, mais ou menos organizado, de considerações relativas a este assunto. Mas o vocábulo psicologia é relativamente recente. Não vai além do século XVI, época na qual um professor de Marburg, Goclenius, deu-o como título a um de seus livros. Na realidade, o verdadeiro introdutor deste nome parece ter sido Wolff que, em sua Psychologia empirica (1732) e em sua Psychologia rationalis, popularizou, com o nome, uma distinção que se mostraria, com o tempo, bastante feliz. Kant retomou esta denominação. Na França, Maine de Biran e os ecléticos terão uma influência decisiva na sua vulgarização e adoção generalizada que foi obra do século XIX. Por um paradoxo bastante curioso, o termo psicologia, ou ciência da alma, tornar-se-á clássico no momento preciso em que os que entendem tratar desta matéria renunciarão, em grande parte, ao conhecimento da própria alma.

O que poderá colocar sob este vocábulo quem entenda filosofar na linha de Tomás de Aquino? Para responder a esta questão, convém considerar preliminarmente a evolução histórica das doutrinas da alma.

Na antiguidade e na Idade Média, duas concepções sobre a alma marcarão linhas distintas: uma mais espiritualista, com Platão e S. Agostinho, outra mais empirista, com Aristóteles e sua escola. No século XIII, prevaleceu a segunda concepção, juntamente com o conjunto da filosofia do Estagirita. A partir deste momento, a filosofia cristã será fundamentalmente aristotélica.

Com o advento do pensamento moderno, caiu em descrédito a psicologia da Escola, como também tudo o que vinha de Aristóteles Era necessário reconstruir. A obra de Descartes marca, neste domínio, uma volta ao espiritualismo mais exclusivo do agostinianismo, mas não deixa de ser inovadora por adotar, como princípio mesmo do saber, um ponto de vista de reflexão. A partir daí, psíquico tenderá a se confundir com perceptível pela consciência. Mas, quanto ao seu conteúdo, a psicologia cartesiana permanece ainda essencialmente metafísica: é sempre a própria alma, em sua estrutura profunda, aquilo que se procura conhecer. No século XVIII, sob o impulso de Locke e de seus êmulos, um novo passo será dado, desta feita no sentido de se separar dos valores metafísicos tradicionais. Os fatos psíquicos tornam-se puros fenômenos, atrás dos quais a alma e suas potências aparecem como inacessíveis. Tende assim a psicologia a se constituir como ciência empírica comparável às outras ciências da natureza e cujo domínio é circunscrito pela consciência.

Nesta linha, vão os estudos psicológicos tomar um desenvolvimento prodigioso. Embora posteriormente não faltem metafísicos do espiritual, como um Lachelier ou um Bergson na França, a preocupação fundamental consiste em erigir uma psicologia científica autônoma, da qual serão eliminados os problemas transcendentes da alma e de seu destino. Os progressos maravilhosos das ciências experimentais autorizam todas as esperanças. Se fenômenos físicos são organizados e explicados segundo métodos científicos rigorosos, por que não acontecerá o mesmo com a vida do espírito? Abandonemos, ou deixemos a outros, disputas sobre a alma e suas faculdades e fiquemos com a observação de fatos precisos e com a formulação de leis bem controladas: assim construiremos uma psicologia verdadeiramente científica e objetiva capaz de conjugar a adesão de todos. Seguindo este programa, um intenso trabalho de observação e de experiência é efetuado no mundo dos psicólogos, ao qual trabalho somos devedores por este imponente monumento da moderna ciência da alma que, praticamente, tomou o lugar da antiga psicologia especulativa.

Pode ser justificada uma tal evolução no sentido da constituição de uma ciência psicológica autônoma? Ou, de maneira mais precisa, pode-se reconhecer, ao lado da suposta sempre válida metafísica da alma, uma psicologia do tipo das ciências experimentais? Tal é a questão a que deveremos, antes de tudo, responder.

Até o século XVIII, como dissemos, há só um conjunto de considerações psicológicas sistemáticas integrado em uma sabedoria filosófica geral e tratado segundo seus métodos. Quais são seus caracteres?

A psicologia antiga é, antes de tudo, de dimensão verdadeiramente filosófica: isto é, pretende chegar aos princípios primeiros do psiquismo; e também no sentido em que não se tema, para isso, lançar mão de categorias mais gerais, como, por exemplo, no aristotelismo, substância e acidentes, matéria e forma, ato e potência, etc. Em segundo lugar, uma tal psicologia deve ser chamada, rigorosamente falando, científica: isto é, procura a explicação pela causa própria, sendo a observação e a classificação dos fenômenos somente uma fase preparatória a este escopo. Todavia, é preciso reconhecer que, mesmo tendo um acentuado caráter racional, a Psicologia Antiga era também, a seu modo, empírica, se não experimental. No aristotelismo, em particular, parte-se sempre de um dado controlado: um empirismo moderado, onde a explicação prolonga e sistematiza de maneira feliz a experiência, surge como o traço distintivo desta filosofia. Em resumo, a psicologia compreende uma única ciência da alma, empírica e racional ao mesmo tempo.

Deveremos concluir que os princípios deste sistema proíbem considerar separadamente um ou outro tipo desta ciência psicológica? Parece que não. Em nossos dias, aliás, a separação é comumente admitida. São necessárias, porém, algumas observações.

Antes de tudo, seja reconhecido que a distinção pelos caracteres experimental e racional só tem um valor aproximativo, marcando apenas uma acentuação do método em um sentido ou em outro. Na realidade, estas denominações podem trazer confusão, pois nenhuma ciência se estabelece sem experiência e sem razão e seria preferível, para distinguir estas duas disciplinas, referir-se ao nível de explicação onde cada uma se situa. Assim, ter-se-á uma psicologia filosófica ou metafísica, que buscaria os princípios mais elevados, e uma psicologia científica, no moderno sentido da palavra, que ficaria com as explicações mais imediatas.

Seja admitido, além disto, que uma psicologia do tipo experimental não pode julgar, em última instância, da profundidade dos problemas da alma, isto é, erigir-se em verdadeira sabedoria filosófica, pois tal função pertence propriamente à disciplina superior.

Objeto da psicologia

A determinação do objeto, ou do duplo objeto, da psicologia depende, evidentemente, da orientação geral da filosofia que se professa. Um espiritualista, à maneira de S. Agostinho ou de Descartes, será levado a assinalar, como objeto desta ciência, a atividade da alma considerada fora de todo comportamento corporal. Partindo-se, pelo contrário, de preconceitos materialistas, a tendência será de reduzir o psiquismo ao fisiológico e mesmo ao físico. E, por fim, quem se colocar na linha, que é a nossa, do espiritualismo moderado de Aristóteles, deverá compreender, no objeto em questão, um e outro destes aspectos. Mas nesta via ainda são possíveis duas opções.

Para Aristóteles, todos os fenômenos vitais podem ser chamados psíquicos. Assim, o psiquismo define-se pela vida e todos os seres viventes, mesmo animais e plantas que estão abaixo de nós, pertencem à ciência da alma. Nesta hipótese poder-se-á dizer que a psicologia tem por objeto: o vivente enquanto é princípio de atividades vitais.

Esta concepção, como teremos ocasião de mostrar, encontra sua justificação última na distinção, que é fundamental no peripatetismo, de dois grandes tipos de atividade: a atividade transitiva (que modifica um outro além do sujeito) e a atividade imanente (que, procedendo do sujeito, o aperfeiçoa). Segundo esta divisão, os não viventes são seres que têm somente atividades transitivas, enquanto os viventes, como tais, são dotados de atividades imanentes ou movem-se a si mesmos. Pode-se consequentemente precisar que a psicologia tem por objeto: os seres dotados de atividades imanentes ou que se movem a si mesmos, considerados como tais.

O psiquismo, segundo esta concepção, fica bem caracterizado, permanecendo na prática a dificuldade de discernir, em todos os casos, se tal operação é vital ou não.

Na linha dos modernos, tender-se-á a reter um outro aspecto para definir o psiquismo: o de consciente. É psíquico, ou interessa propriamente à psicologia, o que é suscetível de ser atingido pela consciência. Segundo esta maneira de ver, é fácil descobrir que toda uma parte do vital, o infra-consciente, encontra-se excluída de nosso objeto; é o caso da vida das plantas e, parcialmente, mesmo da vida do animal e do homem. O domínio a nós reservado é aqui mais restrito.

De nossa parte, sem negar que o fato de ser conscientes ou reflexivos constitua, em um certo nível, um dos traços mais notáveis dos atos da vida, preferimos, para definir o psiquismo, ficar com Tomás de Aquino no ponto de vista do vital que corresponde a uma diferença mais fundamental dos seres. Assim permaneceremos na linha do peripatetismo autêntico. (Gardeil)