(in. Perfection; fr. Perfection; al. Volkommenheit; it. Perfezionè).
Esta palavra foi usada pelos filósofos somente em relação aos significados 1) e 3) do adjetivo correspondente: não se considera perfeição a perfeição relativa, ou seja, o estado de uma coisa excelente entre as de sua espécie. Tomás de Aquino diz: “A perfeição de uma coisa é dúplice, ou seja, primeira e segunda. A primeira perfeição é aquela em virtude da qual uma coisa é perfeita na sua substância, e esta perfeição é a forma do todo que emerge da integridade das partes. A segunda perfeição é a do fim; mas o fim é a operação (assim como o fim do citarista é tocar citara) ou é a coisa à qual se chega através da operação (assim como o fim do construtor é a casa que ele constrói). A primeira perfeição é causa da segunda: a forma é com efeito o princípio das operações” (S. Th., I, q. 73, a. 1). Esse mesmo conceito era com exatidão exposto por Kant: “A perfeição indica às vezes um conceito que pertence à filosofia transcendental, o da totalidade dos elementos diferentes que, reunidos, constituem uma coisa; mas pode ser entendido também como pertencente à teologia, e então significa o acordo das propriedades de uma coisa com um fim” (Met. der Sitten, Intr., V, A; cf. Crít. do Juízo, § 15). Estas determinações reduzem a perfeição: 1) à integridade do todo; 2) à realização do fim. Mas tendem na realidade a privilegiar o primeiro conceito, que, ao ser aplicado à totalidade do ser, levou a tradição filosófica a identificar perfeição e realidade.
Tomás de Aquino mesmo descreveu a perfeição de Deus e da criatura como consistente na posse do ser: “Deus, que é a totalidade do seu ser, possui o ser segundo a virtude integral do ser, e não pode carecer de nenhuma nobreza que pertença a coisa alguma. Assim como toda a nobreza e a perfeição inerem a uma coisa porque a coisa é, também o defeito inere a ela porque, de algum modo, ela não é” (Contra Gent., I, 28). Deste ponto de vista, uma coisa é tanto mais perfeita quanto maior a sua posse do ser; e como Deus possui todo o ser, é totalmente perfeito. Essas equações constituíam lugares-comuns da escolástica. medieval. Duns Scot repete-as, afirmando que a forma nas criaturas implica alguma perfeição porque é forma partilhada e parcial, enquanto a forma não tem imperfeição em Deus porque não é nem participação nem parte (Op. Ox., I, d. 8, q. 4, a. 3, n. 22). Descartes recorreu exatamente a esse conceito de perfeição ao afirmar que as ideias “que representam substâncias são sem dúvida algo mais e contêm em si mais realidade objetiva, ou seja, participam por representação de mais graus de ser ou de perfeição do que as que representam só modos ou acidentes” (Méd., III). Spinoza identificava explicitamente realidade e perfeição (Et., II, def. 6), e Leibniz declarava entender por perfeição “a grandeza da realidade positiva tomada precisamente, pondo-se de lado os limites das coisas que a possuem” (Monad., § 41). Kant falava neste sentido de uma perfeição transcendental, que é “a integridade de cada coisa em seu gênero”, e de uma perfeição metafísica, como “integridade de uma coisa simplesmente como coisa em geral”, distinguindo delas a perfeição como aptidão ou conveniência de uma coisa a vários fins (Crít. R. Prática, I, I, cap. I, escol. II).
O conceito de perfeição foi fixado, no curso ulterior da filosofia, pelas seguintes determinações: como integridade do todo ou correspondência ao objetivo; no primeiro significado, foi constantemente identificado com o conceito de ser. Fora de sua persistência metafísica e teológica, a noção de perfeição é pouquíssimo utilizada na filosofia contemporânea. Quando é utilizada, a referência aos significados tradicionais é evidente: assim acontece, p. ex., em Bergson, que identifica a perfeição com o absoluto, e ambos com a totalidade do ser (“Introduction à la métaphisique”, em La pensée et le mouvant, 3a ed, 1934, p. 204). [Abbagnano]
O vocábulo alemão correspondente’ ‘Vollkommenheit’’ significa etimologicamente: “ter chegado ao pleno” (Zum-Vollen-gekommen-sein). Significação idêntica tem o vocábulo latino “perfectio” (efetuação inteiramente realizada). A perfeição inclui, portanto, consumação, acabamento. Esta consumação pode realizar-se de diversas maneiras: ou existe plenamente desde sempre, ou pouco a pouco vai chegando à maturidade.
Perfeito desde sempre e sem devir de nenhuma espécie, só existe Deus. A Ele, como Infinito, compete a perfeição absoluta, porque é perfeito sob todos os aspectos que se possam imaginar; nele se realizam, com perfeição suprema, todas as possibilidades do ser. — O finito possui somente perfeição relativa, ou seja, dentro da esfera, que lhe é fixada por sua essência, a qual inclui determinadas possibilidades ontológicas e exclui outras. Além disso, ele alcança sua perfeição unicamente por via do devir; sai inacabado das mãos do Criador e deve aperfeiçoar-se a si mesmo (incluindo o espírito puro, em conformidade com seu modo de existência supratemporal). Este desdobramento percorre várias fases, e daí as várias acepções do termo “perfeição”.
No sentido mais eminente, atribuímos perfeição ao estado final, no qual são realizadas todas as possibilidades de um ente, no qual, portanto, este alcançou o fim ou ideal que lhe foi assinalado. Perfeição (1) denota aqui consumação ou acabamento pleno; falamos, por exemplo, de um mestre consumado. Este estado final compõe-se de múltiplos elementos, cada um dos quais apresenta um aspecto da perfeição ou torna perfeito o ser em questão sob determinado ponto de vista. Assim como ao estado global chamamos a perfeição, assim a cada elemento particular denominamos uma perfeição, p. ex., saúde, força de vontade, pureza. O que até aqui descrevemos como perfeição implica sempre o desdobramento ou satisfação de disposições e é resultado de uma ação que desenvolve ulteriormente o estado ontológico inicial. Em sentido lato recebe também o nome de perfeição (2) o próprio estado ontológico originário e implícito (não desdobrado), porque com ele um ente possui integralmente pelo menos a estrutura básica de sua essência (assim, o recém nascido é homem). Finalmente, tomando o vocábulo em acepção muito ampla, perfeição (3) significa toda participação, embora muito diminuta, no ser, porque representa sempre um passo avante para o pleno e completo (sentido idêntico a ato). — Sobre a distinção entre perfeição pura e não pura. — ato.
A perfeição ético-religiosa significa, consumação das virtudes morais e da união com Deus. Exige também que não se deixem baldias suas restantes disposições, mas que se cultivem e-desenvolvam na medida do possível. — Lötz. [Brugger]
Diz-se de algo que é perfeito, quando está acabado e completado de tal modo que não lhe falta nada e não lhe sobra nada para ser o que é. Esta ideia de perfeição inclui as ideias de limitação, acabamento e “finalidade própria” que ressurgem constantemente no pensamento grego.
Aristóteles acrescentou a este significado mais dois: 1) o perfeito é o melhor no seu gênero pois não há nada que possa superá-lo. 2) Perfeito é aquilo que alcançou o seu fim enquanto fim louvável. Na ideia de perfeição de Aristóteles, está latente a noção que algo que por si mesmo é bom. Em princípio não deveria haver inconvenientes em admitir que algo mau é perfeito, pois, mesmo neste caso, é perfeito no seu gênero, o qual é a maldade. Mas, em todo o pensamento grego, pensa-se que o mau é algo defeituoso e portanto não pode ser perfeito.
Se o perfeito é algo limitado, então todo o ilimitado será imperfeito; por isso se disse que os gregos consideravam como imperfeito o infinito, uma vez que só o que é finito pode estar acabado. Na medida em que se conceba o infinito como “o inacabável”, parece que se deverá identificar o infinito com o imperfeito; mas pode conceber-se o infinito como uma manifestação da ideia de perfeição: quando o infinito é algo de absoluto.
A ideia de perfeição teve uma importância considerável em toda a história do pensamento ocidental, especialmente dentro do cristianismo, quando se concebeu Deus como a própria perfeição. Um exemplo disso encontramo-lo numa das formas da prova ontológica, onde ser (ou existência) e perfeição se equiparam. A ideia de perfeição esteve, além disso, estreitamente relacionada com os chamados “princípios de ordem” e “princípio de plenitude”. Os escolásticos distinguiram entre várias formas de perfeição. Em princípio, equipara-se a perfeição à bondade se chama perfeição a qualquer bem possuído por algo. Como se trata de um bem, trata-se de uma realidade, de modo que o contrário de perfeição é defeito. Em geral, distinguiram-se dois tipos de perfeição: a perfeição absoluta, própria de Deus, e a perfeição relativa, que só o é relativamente ao absolutamente perfeito. Todo este conjunto de ideias levou a equiparar a ideia de perfeição à ideia de ato, de tal modo que a perfeição absolutamente pura é a que exclui qualquer potência, isto é, qualquer imperfeição. Pode, pois, dizer-se que a ideia de perfeição esteve sempre ligada à ideia de ser e de existência, porque a ideia de ser se uniu à de valor. contudo, pode introduzir-se a distinção entre o ser e o valor, que foi comum na época moderna. Deste modo podem classificar-se do seguinte modo os significados de perfeição:
1) algo pode ser perfeito naquilo que é;
2) algo pode ser perfeito naquilo que vale, e
3) algo pode ser perfeito ao mesmo tempo naquilo que é e naquilo que vale. [Ferrater]