O Romantismo

VIDE romantismo, romantismo filosófico.

(in. Romanticism; fr. Romantisme; al. Romanticismus; it. Romanticismó).

Designa-se com este nome o movimento filosófico, literário e artístico que começou nos últimos anos do séc. XVIII, floresceu nos primeiros anos do séc. XIX e constituiu a marca característica desse século. O significado comum do termo “romântico”, que significa “sentimental”, deriva de um dos aspectos mais evidentes desse movimento, que é a valorização do sentimento, categoria espiritual que a Antiguidade clássica ignorara ou desprezara, cuja força o séc. XVIII iluminista reconhecera, e que no Romantismo adquiriu valor preponderante. Essa grande valorização do sentimento é a principal herança recebida do movimento Sturm und Drangn), que constitui a tentativa de, através da experiência mística e da , superar os limites da razão humana, reconhecidos pelo ilumi-nismo. Segundo os filósofos do Sturm und Drang, Haman, Herder e Jacobi, pode-se obter com a o que a razão não é capaz de dar, sendo a entendida como fato de sentimento ou de experiência imediata. Mas, precisamente por isso, para os seguidores do Sturm und Drang (entre os quais estiveram Goethe e Schiller, na juventude) a razão continuava sendo o que fora para o Iluminismo: uma força humana limitada, capaz de transformar o mundo gradualmente, mas que não é absoluta nem onipotente, estando, pois, sempre mais ou menos em conflito com o mundo e em luta com a realidade que se destina a transformar. Do Sturm und Drang passa-se para o Romantismo somente quando esse conceito de razão é abandonado e começa-se a entender como razão uma força infinita (onipotente) que habita o mundo e o domina, constituindo sua própria substância. O princípio da autoconsciência, infinidade da consciência que é tudo e faz tudo no mundo, é fundamental no Romantismo, e dele derivam os aspectos relevantes do movimento. Fichte foi o primeiro a identificar a razão com o Eu infinito ou Autoconsciência Absoluta, fazendo dele a força pela qual o mundo é produzido. A infinidade, nesse sentido, era de consciência ou de potência, e não de extensão ou duração; seu modelo encontrava-se em conceitos da filosofia neoplatônica, especialmente em Plotino. Hegel, a propósito, opunha o falso infinito, ou mau infinito, que é diferente do finito, isto é, da realidade ou do mundo e se opõe a ele e tenta transformá-lo ou superá-lo, ao verdadeiro infinito, que se identifica com o finito, com o mundo, e se realiza nele e por ele. Este infinito é um Princípio espiritual criativo: aquele que Fichte chamou de Eu, Schelling de Absoluto e Hegel de Ideia. Mas o infinito, ou melhor, a infinidade da consciência pode ser entendida de duas maneiras. Em primeiro lugar, como atividade racional, que se move de uma determinação para outra com necessidade rigorosa, de tal forma que qualquer determinação pode ser deduzida da outra de modo absoluto e apriori. É este o conceito de infinidade de consciência encontrado em Fichte, Schelling e Hegel (quanto ao segundo, apenas numa primeira fase de sua filosofia). Em segundo lugar, a infinidade de consciência pode ser entendida como atividade livre, amorfa, privada de determinações rigorosas, e tal que se coloca continuamente além de qualquer de suas determinações: neste sentido a infinidade de consciência é o sentimento. O sentimento é o infinito na forma do indefinido, e foi desta forma que Schleiermacher e a chamada escola romântica (F. Schlegel, Novalis, Tieck e outros) reconheceram a infinidade da consciência.

De fato, o Romantismo literário começou com a obra de Schlegel (1772-1829), que, entre 1798 e 1800, publicou em colaboração com o irmão o periódico Athenaeum, primeiro porta-voz da escola romântica. Schlegel apontava explicitamente Fichte como iniciador do movimento romântico, como descobridor do conceito romântico de infinito, mas interpretava o infinito como algo exterior e superior à racionalidade, como infinidade de sentimento. O mesmo conceito do infinito aparece no poeta e literato Ludwig Tieck e em Novaiis: este sustentava um idealismo mágico, segundo o qual o mundo não passa de uma grande obra de poesia. A essa mesma corrente pertence o teólogo Friedrich Schleiermacher (1768-1834), que definiu a religião como “sentimento do infinito”.

Nesta interpretação do princípio de infinito baseia-se a supremacia que por vezes o Romantismo atribui à arte. Com efeito, se o infinito é sentimento, revela-se melhor na arte que na filosofia, porque a filosofia é racionalidade, ao passo que a arte apresenta-se aos românticos como “expressão do sentimento”. Para Schelling, que tendia a essa interpretação, a melhor manifestação do absoluto estava na arte, o mundo era uma espécie de poema ou de obra artística cujo autor seria o absoluto, para o homem a experiência artística era o único meio eficaz de aproximar-se do absoluto, ou seja, do modo como o absoluto deu origem ao mundo.

Quando o movimento romântico se difundiu fora da Alemanha, foi exatamente essa a sua bandeira. O Romantismo de Madame de Staël e de Chateaubriand consiste sobretudo na exaltação dos valores do sentimento, e foi com essa mesma forma que o Romantismo encontrou expressão na Itália.

Essas duas interpretações da autoconsciência muitas vezes se opuseram; Hegel, principalmente, abriu polêmica contra a primazia do sentimento. No conjunto, porém, é sobretudo nessa oposição e nessa polêmica que consiste a característica fundamental do Romantismo No entanto, pertence apenas à escola do sentimento um dos aspectos mais evidentes do Romantismo: a ironia, que representa a impossibilidade de a consciência infinita levar a sério e considerar sólidos os seus produtos (natureza, arte, o eu), nos quais vê apenas suas próprias manifestações provisórias.

São, porém, caracteres comuns e fundamentais de todas as manifestações do Romantismo o otimismo, o providencialismo, o tradicionalismo e o titanismo. Otimismo é a convicção de que a realidade é tudo aquilo que deve ser, e de que é em todos os momentos racionalidade e perfeição. É devido a esse otimismo que o Romantismo tende a exaltar a dor, a infelicidade e o mal, pois a infinidade do espírito também se manifesta nesses aspectos da realidade, superando-os e conciliando-os em sua perfeição. Hegel apresenta-nos o mundo romântico na felicidade de sua perfeita pacificação racional. Schopenhauer apresenta-o na infelicidade de suas oposições irracionais, mas ainda assim satisfeito por reconhecer-se nesse contraste. A vontade irracional de Schopenhauer é um princípio tão otimista quanto a razão absoluta de Hegel.

Com o otimismo metafísico do Romantismo relaciona-se seu providencialismo histórico. A história é um processo necessário, no qual a razão infinita se manifesta ou se realiza; por isso, nela nada há de irracional ou inútil. Nesse aspecto, o Romantismo opõe-se radicalmente ao iluminismo. Este último contrapõe tradição e história: à força da tradição, que tende a conservar e perpetuar preconceitos, ignorâncias, violências e fraudes, opõe a história como reconhecimento dessas coisas tais quais são, e como esforço racional para libertar-se delas. Para o Romantismo, porém, tudo o que a tradição lega é manifestação da Razão Infinita: é verdade e perfeição. Portanto, o espírito iluminista é crítico e revolucionário; o espírito romântico é exaltativo e conservador. O conceito de história como projeto providencial do mundo domina toda a filosofia do séc. XIX; mesmo no séc. XX, a filosofia só consegue libertar-se desse conceito através de amargas experiências históricas e culturais. É nessa concepção de história que mais se manifesta a afinidade entre idealismo e positivismo no sentido comum de romantismo. Comte tem o mesmo conceito de história de Fichte, Schelling — mais tarde —, Croce e dos epígonos do romantismo no séc. XX. A história como manifestação de um princípio infinito (Eu, Autoconsciência, Razão, Espírito, Humanidade, ou qualquer outro nome que se lhe dê) é racionalidade total e perfeita, não conhecendo imperfeição ou mal. A forma extremada desse conceito de história está em Hegel (repetido por Croce): a história não é progresso ao infinito, visto que, se assim fosse, cada um de seus momentos seria menos perfeito que o outro; ela é infinita perfeição de todos os seus momentos. A contraposição hegeliana entre o “verdadeiro infinito” e o “mau infinito” não significa outra coisa. E óbvio que, num conceito da história semelhante, não há lugar para o indivíduo e suas liberdades, pelos quais o iluminismo se batera. Há lugar apenas para os “heróis” ou “indivíduos da história cósmica”, instrumentos de que a providência histórica se vale para realizar astutamente seus fins.

Aspecto importante do providencialismo romântico é o tradicionalismo-. com efeito, a exaltação das tradições e das instituições que a encarnam é um dos aspectos típicos do movimento romântico. A essa atitude deveu-se a revalorização da Idade Média, que é característica do Romantismo A Idade Média afigurara-se ao iluminismo (assim como, antes, ao humanismo) como uma época de decadência e de barbárie, em que haviam sido perdidos os valores humanos e racionais criados pela Antiguidade clássica. Para o Romantismo não existem épocas de decadência ou de barbárie porque toda a história é racionalidade e perfeição. Na Idade Média, aliás, mais do que no mundo clássico, pode-se e deve-se ver — segundo o Romantismo — a origem do mundo moderno: assim, o retorno à Idade Média constitui uma de suas palavras de ordem. Em virtude dessa mesma atitude, o Romantismo alemão começou a exaltar as tradições originárias da nação alemã, surgindo a primeira forma de nacionalismo, que se difundiria e acabaria por tornar-se uma das marcas da cultura europeia do séc. XIX. De fato, o conceito de nação é composto por elementos tradicionais (raça, língua, costumes, religião), que não podem ser negados ou renegados sem traição, pois constituem aquilo que a nação foi desde sempre. Ao contrário, o conceito setecentista de povo era definido pela vontade e pelos interesses comuns dos indivíduos. Tradicionalismo e nacionalismo fincam raízes no terreno comum do providencialismo romântico.

Finalmente, um dos aspectos fundamentais e mais evidentes do Romantismo é o titanismo. De fato, o culto e a exaltação do infinito têm como contrapartida negativa a inaceitabilidade do finito ou a impossibilidade de satisfazer-se com ele. Nessa inaceitabilidade (ou insatisfação) estão as raízes da atitude de rebeldia contra tudo o que parece ser ou é limite ou regra e do desafio incessante a tudo o que, por sua finitude, parece inferior ou inadequado ao infinito. Prometeu é adotado como símbolo desse titanismo, numa interpretação muito distante do espírito do antigo mito grego. Para este, Prometeu era o homem que transgredira a lei do destino para possibilitar a sobrevivência do gênero humano, sofrendo as consequências dessa transgressão. Para o Romantismo, porém, é o símbolo do desafio e da rebeldia ao finito: atitudes cuja razão de ser não está naquilo a que se opõem, mas apenas no fato de que aquilo a que se opõem não é o infinito. A atitude titânica não conduz à crítica das situações de fato e ao esforço de transformá-las, pois não julga que uma situação de fato seja ou possa ser superior ou preferível a outra; exaure-se num protesto universal e genérico, e não pode empenhar-se em qualquer decisão concreta.

O culto e a exaltação do infinito, o fato de não se contentar com menos que a infinidade, constituem características marcantes do espírito romântico. Como já foi dito, o próprio positivismo se enquadra nesse espírito. Ele estende o conceito de progresso a toda a história do mundo: na verdade, é esse o sentido de “evolução”. Faz da história humana um progresso necessário e infalível. E faz da ciência, que é sua manifestação humana preferida, o infinito da verdade, elegendo-a como única diretriz dos homens em todos os campos.

As características assumidas pelo Romantismo em política, arte e costumes estão intimamente ligados aos aspectos ora esclarecidos. Em política, o Romantismo é defesa e exaltação das instituições humanas fundamentais, nas quais se personifica o Princípio infinito: Estado, Igreja, com tudo o que implicam. Em arte, busca a realização do infinito através de formas grandiosas e dramáticas, em que os conflitos são levados ao extremo para depois reconciliarem-se e pacificarem-se de maneira igualmente extremada e definitiva. Nos costumes, o amor romântico busca a unidade absoluta entre os amantes, sua identificação no infinito; em favor dessa unidade ou identificação sacrifica o sentido autêntico da relação amorosa e sua possibilidade de constituir a base para uma vida em comum (v. amor). [Abbagnano]