nação

A partir do século XVIII, conjunto dos cidadãos que, voluntariamente, desejam viver em comum. — A nação distingue-se do Estado (organismo de governo e administração): a nação é o conjunto dos indivíduos, de qualquer classe, que exercem o sufrágio quando dos referenduns ou das eleições legislativas. A nação designa o corpo social inteiro. O estado e o governo, em princípio e nos melhores casos, apenas representam a nação e realizam suas vontades fundamentais. Só se pode falar de um Estadorepresentativo” da nação nos países democráticos, onde as eleições são livres, e os cidadãos não são submetidos ao domínio de um regime policial baseado num partido único. [Larousse]


Embora a incompreensão e o equacionamento das esferas política e social sejam tão antigos quanto a tradução latina de termos gregos e sua adaptação ao pensamento romano-cristão, a confusão tornou-se muito maior no uso moderno e na moderna concepção da sociedade. A distinção entre as esferas privada e pública da vida corresponde aos domínios da família e da política, que existiram como entidades diferentes e separadas, pelo menos desde o surgimento da antiga cidadeEstado; mas a eclosão da esfera social, que estritamente não era nem privada nem pública, é um fenômeno relativamente novo, cuja origem coincidiu com a eclosão da era moderna e que encontrou sua forma política no Estado-nação.

O que nos interessa nesse contexto é a extraordinária dificuldade com que, devido a esse desdobramento, compreendemos a divisão decisiva entre os domínios público e privado, entre a esfera da pólis e a esfera do lar, da família, e, finalmente, entre as atividades relativas a um mundo comum e aquelas relativas à manutenção da vida, divisão essa na qual se baseava todo o antigo pensamento político, que a via como axiomática e evidente por si mesma. Em nosso entendimento, a linha divisória é inteiramente difusa, porque vemos o corpo de povos e comunidades políticas como uma família cujos assuntos diários devem ser zelados por uma gigantesca administração doméstica de âmbito nacional. O pensamento científico que corresponde a esse desdobramento já não é a ciência política, e sim a “economia nacional” ou a “economia social” ou, ainda, a Volkswirtschaft, todas as quais indicam uma espécie de “administração doméstica coletiva”; o que chamamos de “sociedade” é o conjunto de famílias economicamente organizadas de modo a constituírem o fac-símile de uma única família sobre-humana, e sua forma política de organização é denominada “nação” [v. nação medieval]. Assim, é-nos difícil compreender que, segundo o pensamento dos antigos sobre esses assuntos, o próprio termoeconomia política” teria sido contraditório: pois o que fosse “econômico” relacionado com a vida do indivíduo e a sobrevivência da espécie, não era assunto político, mas doméstico por definição.[A distinção é muito clara nos primeiros parágrafos da Economia pseudoaristotélica, nos quais se opõe o governo despótico de um só homem (monarchia), da organização familiar, à organização inteiramente diferente da pólis.]

Historicamente, é muito provável que o surgimento da cidadeEstado e do domínio público tenha ocorrido à custa do domínio privado da família e do lar [v. pais e filhos]. Contudo, a antiga santidade da lareira, embora muito mais pronunciada na Grécia clássica que na Roma antiga, jamais se perdeu inteiramente. O que impediu a pólis de violar as vidas privadas dos seus cidadãos, e a fez ver como sagrados os limites que cercavam cada propriedade, não foi o respeito pela propriedade privada tal como a concebemos, mas o fato de que, sem possuir uma casa, um homem não podia participar dos assuntos do mundo porque não tinha nele lugar algum que fosse propriamente seu. [Quanto a essa distinção, é interessante notar que havia cidades gregas onde os cidadãos eram obrigados por lei a dividir entre si suas colheitas e consumi-las em comum, embora cada um deles tivesse a propriedade absoluta e inconteste do seu pedaço de terra. Conferir Coulanges (A cidade antiga, Anchor, 1956, p. 61), para quem essa lei era “uma singular contradição”; mas não se trata de contradição, porque, no conceito dos antigos, esses dois tipos de propriedade nada tinham em comum.] Até Platão, cujos planos políticos previam a abolição da propriedade privada e a expansão da esfera pública ao ponto de aniquilar completamente a vida privada, ainda falava com grande reverência de Zeus Herkeios, o protetor das fronteiras, e chamava de divinos os horoi, os limites entre os Estados, sem nisso ver qualquer contradição.[Cf. Leis, 842]


Por oposição a todo racionalismo e a toda Aufklärung, com suas tendências a ver o homem como ser abstrato, e com suas noções puramente jurídicas e políticas do Estado, os românticos erigiram a Nação num princípio metafísico, numa realidade profunda, na qual se incarna — e só nela — o processo do desenvolvimento histórico. Compreenderam que não existe uma História da Humanidade, porque a “Humanidadeem si não tem história, sendo por toda parte a mesma: o conceito de “Humanidade” é abstrato, estático e a-histórico. Inversamente, a ideia de desenvolvimento (Entwicklung), a ideia do dinâmico, do processo, do fluxo, do devir, é uma ideia romântica, congênita à ideia de Nação. A Nação se tornou a matriz original, a Urquelle, de um desenvolvimento peculiar e característico. Tornou-se uma realidade histórica que transcende o indivíduo, o qual só adquire sentido e valor quando inserido no corpo da sua Nação e quando portador da sua cultura autêntica. Os românticos identificaram a Nação com o Volknão com o “povo” no sentido liberal e contratualista do termo — e sim com o Volk, no sentido de uma totalidade anterior aos indivíduos.

A Nação é um todo orgânico e pessoal e se assimila à imagem de uma planta; cada Nação tem portanto o seu destino pessoal, a sua própria noção de seus fins e de sua felicidade, animada como é pelo espírito nacional, pela alma nacional, que é a alma do Volk. Quando Herder, em sua qualidade de germanista profundo, identifica o teuto com o gótico, estabelece uma relação entre um Volk e uma expressão de sua alma, ambos coerentes com as emanações de uma só fonte, que é a Nação. Esta fonte é um selo invisível que se estampa em todas as produções originais do Volk. O Volk e o seu ambiente natural compõem uma simbiose vital; conjugam-se; mas o ambiente só age negativamente, não podendo alterar o germe das possibilidades do Volk. [Barbuy]