(lat. Moralitas; in. Morality; fr. Moralité; al. Moralität; it. Moralità).
Caráter do que se conforma às normas morais. Kant contrapôs a moralidade à legalidade. A última é a simples concordância ou discordância de uma ação em relação à lei moral, sem considerar o móvel da ação. A moralidade, ao contrário, consiste em assumir como móvel de ação a ideia de dever (Met. der Sitten, I, Intr., § 3; Crít. R. Pratica, I, 1, 3).
No sentido hegeliano, a moralidade distingue-se da eticidade por ser a “vontade subjetiva”, ou seja, individual e desprovida de bem, enquanto a eticidade é a realização do bem em instituições históricas que o garantam (Enc., § 503; Fil. do dir., § 108). moralidade e eticidade estão entre si como o finito e o infinito: isso significa que a eticidade é a “verdade” da moralidade, do mesmo modo como o infinito o é do finito. [Abbagnano]
(de moral, do lat. mos, moris, costume).
Como estudo sistemático dos costumes humanos pode ser considerada como geral, como particular e até como individual. A primeira estabelece as obrigações fundadas em princípios gerais, enquanto a segunda em normas particulares mas fundadas, por sua vez, naqueles princípios; e a individual em normas individuais também não alheias mas inclusas em tais princípios. É nesse sentido que a moral se distingue da etografia (que é a descrição dos costumes). São portanto dos princípios gerais que decorrem os particulares e os individuais.
Por sua vez a moral pode ser teórica ou prática. A teórica é explicativa e sistemática; a prática é a aplicada às relações humanas. Pela teórica procuramos compreender o porquê dos fatos morais, enquanto pela segunda se estabelecem as normas obrigatórias que devem ser seguidas.
A moral fundamental pertence à Ética. É o ponto de ligação, porque aquela encontra seus fundamentos nos princípios eternos que baseiam a esta e que justificam aquela. O variante jamais se afasta do invariante, do qual é símbolo. Em todos os fatos, em toda a heterogeneidade, há a presença da homogeneidade; em toda variância, há a presença da lei invariante. O variante está analogado e subordinado àquele. Por isso o variante pode ser examinado como um símbolo daquele, pois em tudo quanto se dá e que é heterogêneo de certo modo, há sempre a presença do que se repete indefectivelmente. O que é analoga-se a algo e, finalmente, com algo se identifica.
O método na moral – Quanto ao método, muitos sistemas se opõem. Se a vida do espírito é inegavelmente mais nobre que a vida do corpo, a predominância dos atos morais deve ser dirigida para aquela. Há assim uma hierarquia de valores, pois admite-se haver um mais digno valor no espiritual que no material. Realmente o homem tem essa perfeição que a não tem os animais. Mas os limites em que ambas perfeições se atualizam no homem são campo de investigação, não só ético como moral. Até onde o sensível não ofende ao espiritual, e até onde a vida do espírito pode pôr em risco a vida sensível e animal, são problemas que se apresentam ao etólogo.
Portanto surge aqui uma polarização extrema do método na ética, pois de um lado temos os empiristas que atualizam apenas a experiência nos fatos e, do outro, os racionalistas que a fundam na razão. Por estabelecer-se a superioridade dos prazeres do espírito sobre os do corpo é imprescindível compará-los em função do homem. Sem essa experiência é impossível estabelecer a quem cabe a primazia. Atualizando apenas a experiência, há o perigo de se considerar o moral sob um ângulo falso, pois o prazer sensível é profundamente distinto do prazer espiritual. Ora, a razão é quem julga aqui, portanto ela se coloca superiormente.
Daí os racionalistas, que representam o outro extremo, estabelecerem que as normas morais são privilégios da razão, que é quem as determina, examina e explicita. Se realmente é a razão o caminho que nos leva a melhor compreender e justificar uma norma moral, ela parte da análise do que é oferecido pela experiência. Se realmente a experiência facilita a comparação, é no entanto a razão que a realiza. O juízo de valor é genuinamente racional.
Por ser a ética uma especulação filosófica sobre as normas invariantes; e a moral, a especulação e a sistematização das normas variantes na sua ligação com o invariante, tem ela suas relações íntimas, não só com a filosofia, mas também com a religião. Para muitos é a religião o fundamento da moral. Neste caso são as normas religiosas que estabelecem as normas morais. Para outros, as normas religiosas encontram seu fundamento em normas éticas, ontologicamente consideradas.
Por ser a moral uma disciplina prática, estabelece ela normas a serem seguidas. Mas como há implicância da vida intelectual, afetiva e sensível do homem, os estudos morais entrosam-se com os psicológicos evidentemente e com os noológicos em especial. A ciência não procura os fins, mas estuda sistematicamente os meios. A moral tende para um fim; não pode, porém, desprezar os meios adequados e justos, e é esta a razão porque há, entre ambas, pontos eminentes de contato.
Há uma moral científica, porque a ciência tendendo a fornecer ao homem meios mais hábeis para o seu domínio sobre a natureza, obedece a uma finalidade, o que a coloca implicitamente no campo da moral sob diversos aspectos. O cientista, enquanto tal, permanece no campo da investigação e dos métodos da ciência. Mas como tem aquela, ademais, uma finalidade, essa já se inclui no campo ético; por isso há uma moral da ciência e uma moral do cientista. Mas é preciso notar-se que a ciência não se inclui totalmente no campo da moral, apenas na proporção em que se refere aos fins práticos e nas consequências que podem advir da sua atuação e aplicação. Assim a ciência pode cooperar com a moral, como esta com aquela. É essa a razão que levou a muitos cientistas estabelecerem justificações de normas morais, como entre os evolucionistas. Desde que a ciência estabelece as leis que regem a evolução, ela permite a fundamentação de leis morais. A sociologia é uma ciência positiva e é também uma disciplina eminentemente implícita nos fatos éticos. Tem ela um papel colaborador imenso para a moral, como é fácil perceber.
Através do exame das normas morais, alcançando-se as normas éticas, invariantes, os estudos nesse setor não podem prescindir dos métodos da filosofia, e a ética como a moral inclui-se no campo filosófico, pois o investigar e o sistematizar aqui, implicam as normas que aquela disciplina estabelece. As semelhanças entre a ética e a moral com a lógica, a necessidade dos estudos psicológicos; e dos valores (a Axiologia), os fundamentos ontológicos das normas invariantes éticas entrosam-na com a lógica, com a psicologia, com a noologia, com a ontologia, com a axiologia.
As discussões que pairam em torno da independência metafísica dos fatos morais à ontologia em geral levam a duas posições: a dos que afirmam que a moral se fundamenta na metafísica e a dos que afirmam que é a metafísica que se fundamenta na moral. Outros afirmam a independência de tais disciplinas. O que não se pode negar é que o exame dos fatos morais leva-nos a estudar a ética, as normas invariantes e, estabelecidas estas, invade-se o campo da metafísica, inevitavelmente. Aqui não podem valer os argumentos da dificuldade em alcançar esta, como o pretendem alguns filósofos. A deficiência de alguns não é um argumento contra a dependência da ética à metafísica e, consequentemente, também da moral. Se é difícil alcançá-la, não se pode concluir pela impossibilidade.
As relações da ética e da moral com a religião são evidentes, pois se esta estabelece o grau de dependência do ser finito ao Ser Infinito, da criatura ao Criador, como na concepção cristã, as normas de proceder da criatura estão naturalmente ligadas às normas que a religião estabelece. Surge aqui o problema da ética e da moral à religião, tema de discussões. O que é inegável é que a religião se funda sobre juízos de valor. Numa religião revelada, como a cristã, esses fundamentos são objetos de discussão quanto à sua dependência do Criador; se ela é natural, como em outras religiões, a dependência se dá quanto à ordem suprema do ser. As distinções que surgem aqui são reais, mas harmonizáveis.
O que não se pode negar é que psicologicamente a vida moral não é rigorosamente dependente da religião, como é fácil observar-se, mas o exame ontológico da ética nos mostra haver uma dependência da moral àquela.
O termo moral é tomado em sentido psicológico em oposição ao fisiológico, como quando nos referimos a um sofrimento causado por um pensamento sobre algo doloroso (uma dor moral) ou é empregado para referir-se à capacidade de enfrentar as adversidades e os sofrimentos, ao dizer-se que alguém tem um moral elevado. Também se emprega esse termo em oposição ao que é mau, prejudicial ao homem, ao que é reconhecido como obrigatório ou ideal. Fala-se assim de ações morais, de intenções morais. Não são, entretanto, tais conceitos os que pertencem propriamente ao estudo da ética. Esta busca uma sistematização filosófica das normas imperativas, daí não se confundir o estudioso da ética (o etólogo) com os moralistas como La Bruyère, Vauvernagues, La Rochefoucauld, etc., que procuram apenas fornecer rápidas análises da alma humana.
Emprega-se ainda o termo para referir-se às diversas concepções que constroem os homens sobre o ideal de sua vida. Fala-se assim em morais que variam segundo as circunstâncias ambientais e históricas. Não se pode, porém, falar de éticas, como alguns fazem. São tais fatos que ainda contribuem para justificar a distinção que fazemos entre ética e moral. É verdade que é mais comum falar-se em moral que em ética e que, muitas vezes, se tem dado preferência ao primeiro termo sem fazer-se qualquer distinção entre ambos. Assim se tem procurado definir a moral e a ética com o mesmo enunciado, como os kantianos, por exemplo, que a chamam de “ciência do dever e dos deveres”, ou simplesmente “ciência do dever”, outros a “ciência do bem”, ou ainda “ciência do bem e do mal”. Mas se a primeira não inclui propriamente o bem, a segunda não explicita o conteúdo que se dá a tal termo, pois o bem pode ser o prazer (para o sensualista), o progresso intelectual ou afetivo para outros, etc.
Outros propõem para sintetizar as duas posições a definição de “ciência do bem obrigatório”, mas tal definição implica que a obrigação é o elemento essencial da moralidade, o que é discutível e discutido. Ademais é preciso esclarecer se é necessário para agir moralmente ser alguém determinado pelo sentimento do dever. Outrossim é preciso distinguir a ciência descritiva dos costumes de a ciência normativa, o que justifica a distinção entre moral e ética.
Essa definição referindo-se à moral tem grande valor. É um sistema porque é uma construção lógica. Não é uma simples coletânea, mais ou menos organizada, dos imperativos e conselhos morais como pode realizar a etografia, que é meramente descritiva. É um sistema de regras de conduta, pois é uma ciência prática e normativa, que indica como viver de acordo com a sua natureza. Apesar de muitos filósofos não saberem precisar o que é a natureza humana e escamotearem o problema, contudo sabemos que ela é o composto da substância primeira (a matéria–corpo) e a substância segunda (forma–racionalidade). A moral é o conjunto das regras que indicam ao homem como viver de acordo com a sua natureza. E esse conjunto de regras são apropriadas, ora a uma função, ora a um grupo social, ora a todos. Assim quando se emprega o termo ética profissional como ética do engenheiro, ética do médico, ética do soldado, propriamente se referem à moral de tais profissões.
A ética tendo por objeto a sistematização das normas invariantes, simbolizadas pelas normas da moral, é uma ciência não descritiva mas ontológica. É uma disciplina que faz parte da ontologia. A ética, antropologicamente, é a ciência que estuda, sistemática e ontologicamente as normas invariantes que devem regular o procedimento dos seres humanos em função de um fim superior adequado à sua natureza. Aqueles que se colocam na posição de negar automaticamente à ética qualquer fundamento, afirmam, quanto muito, a moral. A moral é a ética manifestada nos atos humanos, obediente a uma finalidade. O fato moral é um símbolo ético. [MFSDIC]