imutabilidade

A imutabilidade de um ente exclui nele toda espécie de mudança real, não porém aquela que, em nosso modo de falar, lhe convém de maneira puramente extrínseca, em virtude de mudança ocorrida noutro. Assim o fato de um objeto ser conhecido não opera nele qualquer mudança. As coisas materiais ou ligadas à matéria manifestam somente uma imutabilidade relativa, pois que todo viver, crescer e atuar neste mundo visível estriba no movimento, isto é, na mudança. Contudo, a ação e a atividade, quanto mais desligadas estiverem da matéria, tanto menos estão sujeitas à mudança. Já no homem a mudança ou o movimento está em relação inversa da elevação de suas atividades espirituais, como o mostram as intuições intelectuais, a contemplação amorosa de uma obra de arte e, principalmente, as vivências místicas. Quer isto dizer que atividade e imutabilidade não são conceitos que mutuamente se excluam. — A imutabilidade física de Deus, baseada primordialmente em sua simplicidade e infinidade, não nega a ação, mas sim qualquer mudança em seu ser, qualquer aumento ou diminuição de sua perfeição; exclui, portanto, toda evolução ou possibilidade de evolução. Por isso o panteísmo em todas as suas formas implica uma interna contradição. A imutabilidade moral mantém afastada de Deus toda modificação da decisão eterna de sua vontade. Deus não concebe novos planos, nem modifica os concebidos. Ele conhece, num ato imutável, tudo o que de variável pode acontecer. Às diferentes intenções cjue no homem se sucedem (p. ex., pecado e arrependimento) corresponde em Deus um só ato eterno que, mercê de sua infinidade, equivale em sua simplicidade à atitude de ódio e amor (coincidentia oppositorum, ideia de Deus). Na criação temporal elo mundo, a novidade e a mudança encontram-se só do lado deste (liberdade de Deus). — Rast. [Brugger]


Conhecemos da nossa experiência a mutabilidade. As coisas finitas sofrem mutações várias. A mutabilidade das coisas finitas permite-nos compreender a imutabilidade, e esta, naquelas, seria a manutenção, a perduração constante e intérmina de seu modo de ser. Tal imutabilidade só se dá relativamente.

Análise: Os racionalistas ante a mutabilidade, procuraram o que não mudava, o imutável. Platão concebia acima deste mundo a esfera imutável das formas. A esfera da mutabilidade é a dos seres que se transformam, sensíveis e perecedouros. O ser é imutável e é o grau de imutabilidade que dá valor às coisas. O conceito de imutabilidade revela-se na oposição ao de mutabilidade, que nos é dado pela intuição. Esta imutabilidade procurada atrás de tudo quanto existe é o ponto de apoio, que buscam os filósofos da incondicionalidade. O que muda é algo que é fixo, no fundo. É um grande desejo vital de conservação de nós mesmos, que leva a razão (que em nada nega os nossos instintos) a afirmar a permanência.

Heráclito afirmou a mutabilidade de tudo. Mas a reação de Parmênides não se fez esperar e imprimiu a marca de toda a filosofia ocidental. Só com Hegel, Bergson, William James, Nietzsche retorna o tema da mutabilidade para a filosofia. Mas todos afirmaram algo imutável: a lei suprema da Ideia em Hegel, a “vontade de potência” em Nietzsche, a “matéria” para os materialistas, etc.

O que nos revela a realidade, graças à ciência, é que há mutabilidade, mas essa não é igual para todos os fatos. Não podemos compreender a mutabilidade absoluta das coisas finitas, nem uma imutabilidade absoluta. Não podemos fugir às antinomias, ao antagonismo dos dois conceitos que se opõem, que permanecem antinômicos. Não concebemos o ser sem o sendo, este sem aquele. Mas compreendendo ambos como conceitos dialeticamente antinômicos, como elaborados pela dialética do nosso espírito, podemos também entender a sua complementaridade. Ante qualquer um dos extremos encontramo-nos ante um obstáculo, que é a sua “negação”. Podemos compreender o ser como imutável enquanto ser, como forma que é, e que não se aniquila. Mas essa compreensão não exclui a positividade da mutação dos entes finitos. O ser é sempre ser, mesmo quando é ora isto, ora aquilo.

Não podemos compreender que algo seja mutável sem concebê-lo como pertencente a algo imutável. É que não podemos romper com o concreto, esgrimindo conceitos que são apenas abstratos. Ademais a mutabilidade do sendo não contradiz, ontologicamente, a imutabilidade do ser. O ser, como ser, é imutável, e o sendo, como mutável, é ser sempre através das suas mutações (geração, corrupção, alteração, aumento, diminuição, movimento, etc.) que não do ser e dão-se no ser. [MFSDIC]