imanência vital

A experiência vulgar, não contrariada de modo decisivo pela ciência, sempre distinguiu na natureza três grandes tipos de seres vivos: vegetais, animais e homens. Fundando-se nesta constatação, a filosofia reconhecerá uma hierarquia de três graus de vida: vida vegetativa, nas plantas; vida sensitiva, nos animais; vida intelectiva, no homem; encontrando-se os graus inferiores desta hierarquia também nos superiores. Tomás de Aquino manifestamente se compraz na consideração desta hierarquia dos graus de vida e diversas vezes a representou (cf. Cont. Gent., IV, c. II; S. Th. Ia Pa, q. 18, a. 3 q. 78, a. 1; Quaest. disp. De Anima, a. 13; de Pot. q. 3 a. 11; De Verit, q. 22, a. 1; De spirit. creat. a. 2). Em alguns destes textos, a gradação toma seu fundamento na imaterialidade relativa das formas e de suas atividades, mas é de preferência pela imanência vital das diversas operações que as diferenças são estabelecidas. Assim no texto fundamental da Prima Pars (q. 18, a. 3) Tomás de Aquino, partindo do princípio de que um ser tem vida tanto mais elevada quanto mais age por si mesmo, estabelece uma classificação a partir da interioridade mais ou menos perfeita dos diversos elementos (forma principal, forma instrumental, fim) que são supostos pela atividade de um vivente. Três casos devem, então, ser distinguidos:

– o dos seres (as plantas) que, recebendo da natureza sua forma e seu fim, comportam-se como puros instrumentos de execução;

– o dos seres (os animais) que, embora ainda não designando seu fim próprio, adquirem por si mesmos as formas que dirigem suas atividades, a saber, as representações sensíveis que os fazem mover-se;

– enfim, o dos seres (os homens) que, dotados de inteligência, são ao mesmo tempo capazes de tomar posse de seu fim e da forma que está no princípio de suas operações:

“Tendo-se dito que as coisas vivem segundo se movem por si mesmas e não segundo são movidas por outro, conforme isto convenha mais perfeitamente a uma coisa, tanto mais a vida nela se encontra de maneira mais perfeita. Ora, nos motores e nos movidos, encontram-se, por ordem, três coisas. O fim, com efeito, põe de início o agente em movimento; o agente principal é, de sua parte, aquele que age por sua forma própria, e acontece que este agente mesmo só opera através de um instrumento que não age por sua forma própria, mas em virtude da forma do agente principal, de sorte que lhe seja atribuída somente a execução da ação. Há, pois, certos seres que se movem por si mesmos, não todavia segundo a forma ou o fim que têm pela natureza, mas quanto à execução do movimento, encontrando-se neles, determinados pela natureza, a forma pela qual agem e o fim segundo o qual agem: tais são as plantas que crescem ou diminuem segundo a forma que lhes foi conferida pela natureza.

Há outros que se movem a si mesmos, desta vez não mais somente com relação à execução do movimento, mas ainda quanto à forma que está no seu princípio, a qual adquirem por si mesmos: deste tipo, são os animais nos quais o princípio de movimento não é uma forma natural, mas uma forma recebida pelos sentidos: e quanto mais perfeitos forem seus sentidos, tanto mais perfeitamente movem-se a si mesmos . . . Mas, embora adquiram por meio de seus sentidos as formas que estão no princípio de seus movimentos, tais animais não determinam para si o fim de suas operações e de seus movimentos, sendo-lhes este imposto pela natureza cujo instinto leva-os a agir por meio da forma apreendida pelos sentidos. Mais acima dos animais encontram-se, portanto, os que a si mesmos se movem mesmo quanto ao fim que estabelecem por si; isto só se pode realizar pela mediação da razão e da inteligência à qual convém conhecer o proporcionamento do fim e do meio e ordenar um ao outro”.

Nesta última hipótese convirá ainda distinguir o caso das inteligências inferiores que, como o homem, encontram-se ainda condicionadas ao menos no que concerne aos primeiros princípios do espírito, e o caso da inteligência divina que, estando sempre em ato, é perfeitamente autônoma, atingindo assim o grau mais elevado da imanência vital.

No Contra Gentiles (IV, c. II) retoma Tomás de Aquino a mesma exposição, desta vez no contexto das processões trinitárias. Parte do seguinte princípio: quanto mais uma natureza é elevada, tanto mais o que dela emana é interior.

Assim, no grau inferior das coisas encontramos os corpos materiais nos quais só pode haver emanação sob a influência de um outro; segundo este modo, do fogo é gerado fogo por alteração de um corpo estranho.

Acima vêm as plantas, para as quais pode-se já falar em emanação interior. É com efeito no interior mesmo da planta que o humor é convertido em semente. Mas é fácil ver que neste caso não há interioridade perfeita, pois a emanação de que se trata, a semente, acaba realizando um ser inteiramente distinto. Aliás, vendo-se bem, o princípio original desta emanação, o alimento, é exterior.

Mais alto, com os animais, atinge-se a um grau superior de vida que tem o seu princípio na alma sensitiva. Sua emanação termina, desta feita, em um termo verdadeiramente imanente: a imagem percebida pelos sentidos, passando pela imaginação, atinge a memória onde é conservada. Contudo, princípio e termo da emanação são ainda aqui distintos, pois as potências sensíveis não podem refletir sobre si mesmas.

Com a inteligência, enfim, que é reflexiva, nos encontramos no grau mais elevado da vida. Mas ainda aqui gradações devem ser estabelecidas, realizando-se a interioridade da atividade desta faculdade de maneira mais ou menos perfeita segundo se trate: primeiro, do homem, que busca no exterior o dado primeiro de sua vida intelectual; segundo, do anjo, que consegue conhecer-se diretamente, mas em uma concepção que é ainda distinta de sua substância; e terceiro, de Deus, em cuja unidade e imanência perfeitas a atividade vital atinge sua perfeição.

Em definitivo, atividade vital, de uma parte, e imanência ou interioridade, de outra, são termos correlativos cuja progressão paralela corresponde à hierarquia de perfeição dos seres. Além disso, realizada de maneira proporcional nos diversos graus desta hierarquia, a noção de vida é essencialmente analógica: assim, a vida de uma planta, a de um animal, a de um homem, ou a de um puro espírito, não são especificamente semelhantes, e no caso do homem, no qual diversos graus de vida se encontram, só há semelhantemente proporção analógica entre a atividade de cada um deles Seja dito isto para que se evite tratar destas coisas em espírito de univocidade. [Gardeil]