identidade

(gr. tautotes; lat. identitas; in. Identity; fr. Identité; al. Identität; it. Identità).

Este conceito tem três definições fundamentais: 1) identidade como unidade de substância; 2) identidade como possibilidade de substituição; 3) identidade como convenção.

1) A primeira definição é de Aristóteles, que diz: “Em sentido essencial, as coisas são idênticas no mesmo sentido em que são unas, já que são idênticas quando é uma só sua matéria (em espécie ou em número) ou quando sua substância é una. Portanto, é evidente que a identidade é, de algum modo, uma unidade, quer a unidade se refira a mais de uma coisa, quer se refira a uma única coisa, considerada como duas, como acontece quando se diz que a coisa é idêntica a si mesma” (Met., V, 9,1018 a 7). Em outros termos, como diz ainda Aristóteles, as coisas só são idênticas “se é idêntica a definição da substância delas” (Ibid., X, 3, 1054 a 34). A unidade da substância, portanto da definição que a expressa é, desse ponto de vista, o significado da identidade. Como nota Aristóteles, pode haver uma identidade acidental, como quando dois atributos acidentais (“branco” e “músico”, p. ex.) se referem à mesma coisa, ao mesmo homem; contudo, essa identidade acidental não significa de modo algum que o homem (em geral) seja branco ou músico (Ibid., V, 9, 1017 b 27). Esse conceito de identidade como unidade de substância ou (o que dá no mesmo) de definição da substância foi conservado e ainda está presente em muitas doutrinas. Foi adotado por Hegel, que definiu a essência como “identidade consigo mesma” e, consequentemente, identidade como coincidência ou unidade da essência consigo mesma (Enc., §§ 115-116). Tal conceito de identidade é, pois, análogo e correspondente à interpretação do ser predicativo como inerência e da essência como essência necessária.

2) A segunda definição é de Leibniz, que ; aproxima o conceito de identidade ao de igualdade: ‘Idênticas são as coisas que se podem substituir uma a outra salva veritate. Se A estiver em numa proposição verdadeira e se, pondo B no lugar de A, a proposição resultante continuar sendo verdadeira, e se o mesmo acontecer em qualquer outra proposição, diz-se que A e B são idênticos; reciprocamente, se A e B são idênticos, a substituição a que nos referimos pode acontecer” (Specimen Demonstrandi, Op., ed. Erdmann, p. 94). Definição análoga foi aceita por Wolff, que definia como idênticas “as coisas que se podem substituir uma à outra, salvaguardando quaisquer de seus predicados” (Ont., § 181). Com base neste sentido da palavra, começou-se a falar de proposições idênticas, que Leibniz distinguiu em: afirmativas, do tipo “Cada coisa é aquilo que é”; negativas, que são regidas pelo princípio de contradição ; díspares, que afirmam que “o objeto de uma ideia não é o objeto de outra ideia” (Nouv. ess., IV, 2, § 1). Estas observações de Leibniz são repetidas com poucas alterações pela lógica contemporânea (Carnap, Der Logische Aufbau der Welt, § 159; Quine, From a Logical Point of View, 1953, VIII, 1).

3) A terceira concepção diz que pode ser estabelecida ou reconhecida com base em qualquer critério convencional. De acordo com essa concepção, não é possível estabelecer em definitivo o significado da identidade ou o critério para reconhecê-la, mas, dentro de determinado sistema linguístico, é possível determinar esse critério de forma convencional, mas oportuna. Esta concepção foi apresentada por F. Waismann num artigo de 1936 (“Über den Begriff der Identität”, em Erkenntniss, VI, pp. 56 ss.), em polêmica aberta contra a definição carnapiana de identidade; foi representada por P.T. Geach (em oposição a Quine), segundo o qual, quando se diz “x é idêntico a y”, tem-se uma expressão incompleta, abreviativa de. “x é o mesmo A de y”, onde “A” é um nome cujo significado resulta do contexto (“Identity”, em Rev. of Met., 1967, pp. 2-12). Esta é a concepção menos dogmática e mais ajustada às exigências do pensamento lógico-filosófico. [Abbagnano]


O que faz com que uma coisa seja inteiramente semelhante a outra. — A compreensão, em geral, consiste em ligar (em “identificar”) um conhecimento novo ao que já conhecemos. Nesse sentido, a identidade é a forma de toda compreensão. Meyerson via na síntese de todos os conhecimentos do universo, em sua redução à “identidade”, o ideal da ciência: esta deveria atingir, segundo ele, a uma fórmula única (representada hoje pela da relatividade), da qual se poderia deduzir todas as leis particulares da ciência. Esse ideal parece mais filosófico que científico, pois os progressos da ciência encaminham-se mais no sentido de uma diversificação infinita de seus métodos (especializações), e seu objetivo imediato é muito mais conhecer objetos sempre novos, do que unificar seus métodos (esse trabalho de unificação é o objetivo de uma reflexão sobre a ciência, ou “epistemologia”). [Larousse]


O fato de duas coisas serem idênticas significa que elas não são duas, mas somente uma. Não obstante, a identidade, como relação, supõe necessariamente pelo menos dois membros relacionais. A aparente contradição resolve-se, tendo em conta que as coisas idênticas são duas e uma, sob respeitos diferentes. Assim, no que se refere à identidade lógica, vários entes chamam-se idênticos na medida em que convém, no mesmo conceito; no qual caso melhor se falará de igualdade, e precisamente de igualdade essencial, quando o conceito correspondente designa a essência comum (Pedro e Paulo são, enquanto homens, iguais no essencial); de igualdade em sentido mais estrito, se se trata de concordância na quantidade; de semelhança, se se dá igualdade essencial parcial ou conformidade na qualidade. Segundo o (controvertido) princípio de identidade dos indiscerníveis (principium identitatis indiscernibilium: Leibniz e outros), a igualdade completa em todos os determinantes que fazem que uma coisa seja o que é, traz consigo a identidade real. A identidade real — também chamada identidade objetiva — é primariamente a coincidência de vários conteúdos de pensamento num único ente. Tal identidade constitui o sentido primitivo do juízo. Devido à falta de membros relacionais realmente diversos, esta identidade, considerada como relação, não é real, mas unicamente mental. A identidade real é formal ou só material. São formalmente idênticos os conceitos que expressam o mesmo ente sob a mesma forma; assim, a identidade, enunciada no princípiotodo ente é verdadeiro”, é formal, porque o serverdadeiro é dado com a forma do ser; o exemplo mostra, ao mesmo tempo, que a identidade formal não implica necessariamente uma relação puramente analítica de conceitos de igual conteúdo, os quais se diferençam entre si só pelo diferente grau de distinção com que as notas se exprimem; quando existe tal relação, podemos falar de identidade conceptual. (A expressão “identidade interna”, muitas vezes empregada neste sentido, poderia ser entendida de toda identidade formal). Só há identidade material, quando os conceitos designam formas diferentes que só se reúnem no mesmo sujeito (p. ex., este homem é justo). Podemos, enfim, falar também de identidade real (ontológica) na perseverança de um ser, principalmente da substância, através do tempo, apesar da mudança das aparências ou dos acidentes. Esta identidade pode entender-se de maneira mais ou menos rigorosa: assim, p. ex., o corpo humano, a despeito da sucessiva mudança de suas partes é considerado como sendo o “mesmo corpo”, ainda mesmo depois de anos decorridos; o mesmo se diga de comunidades. — O princípio de identidade (“o que é, é”) recebe diversas interpretações, se é que o não devemos reputar uma tautologia. Muitos o consideram como uma outra forma do princípio de contradição. Segundo outros, ele deve declarar que todo ser enquanto tal tem uma forma determinada, uma determinada essência, ou também que é concebível (inteligível) por sua forma. Contudo, interpretado desta maneira, o princípio de identidade não pode valer incondicionadamente como primeiro princípio. — De Vries. [Brugger]


O diferente é a característica do individual. As coisas individuais são distinguidas porque diferem, pois se tudo fosse homogeneamente igual não haveria o conhecimento dos corpos. Ora, o semelhante não é uma categoria do idêntico. Pois dizemos que alguma coisa é idêntica, quando é absolutamente igual a si mesma.

Analisemos este ponto de magna importância e interesse para a compreensão de futuros temas a serem examinados. No início, dissemos: “em face de uma série definida de fatos semelhantes que nos parecem idênticos (pois na realidade não há fatos idênticos), damos-lhe uma denominação comum; eis o conceito”. Não podemos prosseguir na análise deste ponto, em que estudemos o que é idêntico e o que é identidade. Dizem alguns filósofos que dois fatos são idênticos, quando não há entre eles nenhuma diferença.

Alegam outros filósofos que não podemos compreender, que é impensável a diferença pura. Há, assim, uma antinomia fundamental entre o diferente e o idêntico. (Antinomia, no sentido clássico, é a oposição entre dois termos que parecem verdadeiros). Desprezamos, aqui, outras acepções dadas ao termo idêntico, preferindo, por ora apenas a que demos acima.

Leibniz nega a identidade das substâncias, fundando-se no princípio dos indiscerníveis, pois, segundo ele, dois objetos reais não podem ser indiscerníveis, sem se confundirem rigorosamente. Assim, metafisicamente, só o Absoluto é idêntico a si mesmo. Tudo o mais, metafisicamente também considerado, não conhece a identidade, ou seja, não há seres idênticos uns aos outros. Desta forma, só podemos concluir rigorosamente que ou há identidade ou não há identidade. O próprio conceito de identidade não pode admitir maior ou menor identidade, pois este conceito não admite graus. Eis por que afirmamos que o semelhante não, é um grau do idêntico.

Duas coisas, por serem semelhantes, não quer dizer, que são mais ou menos idênticas. Poder-se-ia dizer que existe uma identidade quantitativa e uma identidade qualitativa? Não é uma gota d’água idêntica a outra gota d’água? Não é um quilo disto ou daquilo idêntico a um quilo disto ou daquilo? Antes de darmos nossa opinião, ouçamos o que diz Egger: “As duas gotas d’água” da locução popular não são idênticas a não ser que se exija apenas serem gotas d’água. Todos os objetos de nossa experiência estão no mesmo caso, às vezes idênticos por uma experiência rápida e superficial: isto é, idênticos em aparência, idênticos no poderem receber a mesma denominação, mas somente semelhantes se forem considerados atentamente. A identidade quantitativa é pois uma concepção simplesmente sugerida pela experiência”. Lalande define a identidade qualitativa com estas palavras: “caráter de dois objetos de pensamento, distintos no tempo ou no espaço, mas que apresentariam todas as mesmas qualidades. Assim, quando alguém diz que um quilo de feijão, é, em peso, idêntico a um quilo de açúcar, como exemplo de identidade quantitativa, está usando o termo identidade no sentido da matemática, que considera como identidade uma igualdade entre quantidades conhecidas, como por exemplo: 2/4 = 1/2. Quando alguém diz que as vitaminas de um determinado alimento são idênticas às vitaminas de outro alimento, está apenas julgando que há uma identidade qualitativa, quando na realidade é uma igualdade como a anterior.

Só há identificação consigo mesmo quando se trata de mesma coisa. (Veremos em breve que essa identidade consiste no caráter de um indivíduo ou de uma coisa, de ser a mesma, nos diferentes momentos de sua existência, pois essa mesa ou este livro não permanecem sempre os mesmos, estaticamente os mesmos).

Muito bem: qualquer parte da realidade só pode ser considerada idêntica a si mesma, no sentido de que não é outra. Só neste sentido. Noutro sentido, ela é diferente de outra coisa, assim como este livro é diferente de outro livro do mesmo título e edição igual. Singularmente considerados, ambos são diferentes. No entanto, há algo que os assemelha, pois tanto um como outro, embora distintos no tempo e no espaço, pois um ocupa um lugar diferente do outro, ambos apresentam as mesmas qualidades. Que nos sugere tudo isto? Está resolvido o problema? Absolutamente não. Examinemos mais: o homem em face da realidade percebe que esta não é homogeneamente igual. Ela apresenta diferenças, como já estudamos no início deste artigo. Mas essas diferenças são intensivamente maiores ou menores, pois uma pedra e outra pedra apresentam menores diferenças que uma pedra e um rio. [MFSDIC]


O conceito de identidade tem sido examinado de vários pontos de vista. Os dois mais destacados são o ontológico e o lógico. O primeiro é patente no chamado princípio ontológico de identidade (a igual a a), segundo o qual qualquer coisa é igual a si mesma. O segundo é o chamado princípio lógico de identidade, o qual é considerado por muitos lógicos de tendência tradicional como o reflexo lógico do princípio ontológico de identidade, e por outros lógicos como o princípio “a pertence a qualquer a” (lógica dos termos) ou como o princípio “s p (onde p simboliza um enunciado declarativo), então p” (lógica das proposições). No decurso da história da filosofia ambos os sentidos se têm entrelaçado e confundido com frequência.

Grande parte da tradição filosófica considerou que o fundamento do princípio lógico da identidade se encontra no princípio ontológico, ou que ambos são aspectos de uma mesma concepção:

aquela segundo a qual sempre que se fala do real se fala do idêntico. Uma forma extrema desta concepção encontra-se em Parmênides. Formas menos extremas da concepção citada encontram-se também nalgumas obras de Platão, especialmente em vários dos seus últimos diálogos, nos quais a influência de Parmênides se torna patente. Em numerosas ocasiões procurou-se descobrir que, embora fundada na razão identificadora que não se detém até chagar já equiparação do ente com o uno, há diversos modos de considerar a identidade. Aristóteles considera que há várias formas em que pode falar-se de identidade. Assim, diz que a identidade é “uma unidade de ser, unidade de uma multiplicidade de seres ou unidade de um só ser tratado como múltiplo, quando se diz, por exemplo, que uma coisa é idêntica a si mesma”, ou quando formula diversas leis da logica da identidade, ou finalmente, quando fala da identidade do ponto de vista da igualdade matemática. Por uma via semelhante seguiram as investigações escolásticas sobre a noção de identidade. Embora pareça haver um fundamento comum da identidade – “conveniência de cada coisa consigo mesma” – pode falar-se de identidade em vários sentidos: identidade real, identidade racional ou formal, identidade numérica, específica, genérica, intrínseca, extrínseca, causal, primária, secundária, etc. Sob estas distinções tem latejado, no entanto, com grande frequência, a ideia de que todas as formas de identidade podem reduzir-se a duas: a identidade logico-formal e a identidade lógicoreal. Segundo vimos, a última é considerada com frequência como o fundamento da primeira. Mas o processo inverso, não está excluído, como mostram diversas manifestações do racionalismo moderno, em particular durante o século dezassete. Em todo o caso, não foi comum no passado distinguir-se explicitamente entre os aspectos ontológicos e lógicos da identidade; muitas vezes a investigação das leis lógicas da identidade foram levadas a cabo ao fim de uma análise ontológica e lógica, sem que possa determinar-se exatamente o sentido da identidade que se tornou primário. Isto aconteceu inclusive nos que, como Leibniz, dedicaram à lógica da identidade grande atenção: o princípio leibniziano da identidade dos indiscerníveis é a formulação de uma das leis da lógica da identidade e ao mesmo tempo um princípio ontológico (ou metafísico). Hume criticou a noção tradicional do Eu, alegando que a ideia desta suposta entidade não deriva de nenhuma “impressão sensível”. Penetrar no recinto do suposto eu equivale a encontrar-se sempre com alguma percepção particular; os chamados eus são apenas fases ou coleções de diferentes impressões. Para aguentar a persistência das percepções imagina-se uma alma, Eu ou substância subjacente a elas; supõe-se, além disso, que há num agregado de partes em relação mútua, “algo misterioso que relaciona as partes independentemente de tal relação”. Mas como, segundo Hume, tais imaginações e suposições carecem de base, deve recusar-se a ideia de que há uma identidade metafísica na noção de substância. Hume considerou que o problema da identidade pessoal e, por extensão, o problema de qualquer identidade substancial é insolúvel, e contentou-se com a relativa persistência de fases de impressões nas relações de semelhança, contiguidade e causalidade.

Kant aceitou as consequências da crítica de Hume contra a concepção racionalista da identidade, mas não a sua solução. A identidade torna-se, em Kant, transcendental, na medida em que é a atividade do sujeito transcendental a que permite, por meio dos processos de síntese, identificar diversas representações num conceito. O problema da identidade parece insolúvel quando pretendemos identificar coisas em si. Por outro lado, a solução é insatisfatória como quando Locke, seguindo Hume, fundamos a identidade na relativa persistência das impressões. Em compensação, a identidade aparece assegurada quando não é nem empírica nem metafísica, mas transcendental. Os idealistas pós-kantianos fizeram da identidade um conceito central metafísico. Assim sucedeu especialmente em Schelling, um de cujos sistemas se baseia na identidade de sujeito e objeto. A identidade é aqui não só um conceito lógico, nem só o resultado de representações empíricas unificadas por meio da consciência da persistência, mas um princípio que aparece logicamente com vácuo, mas que metafisicamente é a condição de todo o ulterior desenvolvimento ou desdobramento. Hegel distingue entre a identidade puramente formal do entendimento e a identidade rica e concreta da razão. Quando o Absoluto se define como “o idêntico consigo mesmo” parece não dizer-se nada sobre o Absoluto. Mas a identidade concreta do Absoluto não é identidade vazia. Em suma, a identidade não exprime em Hegel uma relação vazia e abstrata, e tão pouco uma relação concreta mas falha de razão, mas um universal concreto, uma verdade plena e superior, que observou as identidades anteriores. Quanto à noção de identidade estritamente dentro da lógica, advertiremos que o chamadoprincípio de identidade” é apresentado como uma lei da lógica sentencial, ou da lógica proposicional e, portanto. como uma tautologia. Num manual de lógica contemporânea pode encontrar-se um suficiente desenvolvimento deste tema. [Ferrater]