historicismo

(in. Historicism; fr. Historicisme; al. Historismus; it. Storicismó). Por esse termo, empregado pela primeira vez por Novalis (Werke, III, p. 173), podem ser entendidas três linhas de pensamento diferentes, a saber:

1)A doutrina segundo a qual a realidade é história (desenvolvimento, racionalidade e necessidade) e que todo conhecimento é conhecimento histórico; foi expressa por Hegel (cf. especialmente Geschichte der Philosophie, I, intr.) e por Croce (La storia come pensiero e come azione, 1938, p. 51). Essa é a tese fundamental do idealismo romântico , que supõe a coincidência entre finito e infinito, entre mundo e Deus, e considera a história como realização de Deus. Pode chamar-se historicismo absoluto.

2) Uma variante da doutrina precedente, que vê na história a revelação de Deus no sentido de considerar que cada momento da história está em relação direta com Deus e é permeado dos valores transcendentes que Ele incluiu na história. Foi o ponto de vista defendido por E. Troeltsch e F. Meinecke (cf. o verbete História, 3, e). Pode-se chamar essa doutrina de historicismo fideísta porque a revelação de Deus no historicismo ocorre substancialmente por meio da .

3) A doutrina para a qual as unidades cuja sucessão a história constitui (Épocas ou Civilizações; vide época, civilização) são organismos globais cujos elementos, necessariamente vinculados, só podem viver no conjunto; afirma, portanto, a relatividade entre os valores (que são alguns desses elementos) e a unidade histórica a que pertencem; sendo inevitável a morte desses elementos com a morte dessa unidade. Esse é o ponto de vista de Spengler e de outros, e pode chamar-se historicismo relativista. Existe também, pelo menos em polêmica, uma noção vulgar desse historicismo, segundo a qual a história seria um movimento incessante que empolga tudo, mesmo a verdade e os valores, imediatamente depois do instante em que florescem. A doutrina mais próxima dessa concepção é defendida por G. Simmel; para ele, a vida é um fluir incessante que resolve e concilia todas as coisas dentro de si: “O bem e o mal que fazemos e que recebemos, o belo que nos deleita e o feio de que fugimos, as séries acabadas e as que foram interrompidas na nossa vida, todas estas coisas, por mais díspares que sejam, constituem elementos da vida, como cenas de um destino, na conexão das vivências que continuam incansável e ininterruptamente: em uma vida, cujo sentido, justamente como vida, supera todas as oposições que seus conteúdos possam apresentar, segundo outros critérios” (Hauptprobleme der Philosophie, 1910, IV; trad. it., p. 201) . O mesmo Simmel, porém, admitia alguma coisa que é mais que vida , é a forma da própria vida que dela emerge e para ela retorna (Lebensanschauung, 1918, pp. 22-23) .

4) A corrente da filosofia alemã que, nos últimos decênios do séc. XIX e nos primeiros do séc. XX, debateu o problema crítico da história. O fato de, no séc. XIX, as disciplinas históricas terem sido alçadas ao nível de ciência criava um problema análogo ao que Kant se propusera a respeito das ciências naturais: o problema da possibilidade da ciência histórica, ou seja, da sua validade. Esse problema foi debatido na Alemanha a partir dos textos de Dilthey, especialmente Einleitung in die Geisteswissenschaften (1883), em que ele procura estabelecer a diferença entre as disciplinas historiográficas e as ciências naturais, indicando como instrumento principal das disciplinas históricas a “psicologia analítica e descritiva”, cujo instrumento fundamental é a vivência . Windelband e Rickert contribuíram, por sua vez, para delimitar conceitualmente o domínio das disciplinas historiográficas, distinguindo entre as ciências nomotéticas ou generalizantes, que são as naturais, e as ciências idiográficas ou individualizantes, que são as históricas (v. classificação das ciências). Os problemas da explicação e da compreensão da realidade histórica eram também debatidos nessas escolas não só por Dilthey, Windelband e Rickert, mas também por Simmel, Troeltsch e Meinecke; contudo, a sua contribuição mais substancial veio de Max Weber, que encarou sobretudo o problema da explicação histórica e da causalidade da história. A herança dessa escola, que iniciou a elaboração da metodologia histórica, foi recebida pelos modernos metodizadores da história (sobre os quais, V. historiografia) (cf. R. Aron, La philosophie critique de l’histoire, Essais sur une théorie allemande de l’histoire, 2- ed., 1950; P. Rossi, Lo storicismo tedesco contemporâneo, 1956). [Abbagnano]


Só tardiamente na história do espírito humano surgiu uma compreensão real da história, que aprendeu a medir o passado com módulos peculiares a ele. Desenvolveu-se ela na reação contra o racionalismo do século XVIII, robusteceu-se com os esforços da ciência natural, orientados no mesmo sentido (teoria da evolução), e pela primeira vez logrou sua fundamentação, graças à filosofia especulativa de Hegel. Esta outorga a toda forma histórica seu posto necessário no curso evolutivo da ideia absoluta e, com isso, uma validade supra-temporal mas, ao mesmo tempo, despoja o histórico de seu caráter peculiar, suprimindo-lhe a liberdade e independência (historicismo especulativo). Em oposição a este ponto de vista, Dilthey salienta precisamente esta peculiaridade do histórico, mas dissolve em sua consideração pan-histórica todo módulo e valor supra-temporal. Chegamos, assim, ao historicismo relativista, que só permite uma crítica imanente do acontecido. Uma consequência do historicismo é que a própria ciência do espírito também se relativiza; também ela é condicionada pelo tempo e pela cultura não. só no que concerne à seleção, exposição e interesse, como também no que diz respeito à sua validade. Por esta forma, o historicismo desemboca na filosofia da vida e no pragmatismo, para os quais o conhecimento se reduz a puro meio da vontade de viver. — Brugger.


Costuma dar-se este nome a um conjunto de correntes da índole mais diversa que coincidem em sublinhar o papel desempenhado pelo caráter histórico – a chamada historicidade – do homem, e, em certas ocasiões, até de toda a natureza. Dentro do historicismo podem incluir-se filosofias tão diferentes como a de Dilthey, com a sua famosa proposição de que “quanto o homem é, o experimenta só através da história”, e a de Marx, pela sua insistência na consciência histórica e nas suas transformações. Referimo-nos em particular à doutrina de Marx, que deu em chamar-se materialismo histórico. Reduzindo-o a umas tantas fórmulas, este materialismo consiste no seguinte:

1) A ideia de que a história é explicada mediante leis , as quais, não obstante, não são leis a priori, mas leis obtidas por meio de um exame dos próprios fatos históricos. Alem disso, estas leis históricas são diferentes das leis físicas, químicas, biológicas, etc, uma vez que, enquanto estas últimas são sempre as mesmas para todos os fatos – os quais são, além disso, sempre os mesmos -, as leis históricas são leis evolutivas, quer dizer, leis de uma evolução que não se repete.

2) A ideia de que a evolução histórica não é um desenrolar contínuo, mas uma série de desenvolvimentos produzidos por conflitos, os quais são o motor do desenvolvimento histórico. Estes conflitos são de tal índole que neles se manifesta uma das teses hegelianas: a transformação da quantidade em qualidade. Com efeito, quando se intensifica o conflito, produz-se uma ruptura, que dá origem a outra fase do desenvolvimento histórico.

3) A ideia de que as forças determinantes da evolução histórica são forças econômicas, quer dizer, “condições materiais da vida humana”. As forças econômicas estão incorporadas em classes sociais, especialmente em duas classes: a dos possuidores e opressores e a dos despossuídos e oprimidos. Por outras palavras, o fator determinante da evolução histórica são as “relações econômicas”. Os restantes aspectos da história – as crenças religiosas, as ideias morais, as ideologias políticas, os sistemas filosóficos, etc – são consequência do modo como operam as relações econômicas. Por isso Marx escreve que a existência social dos homens determina a sua consciência, e não a inversa.

4. A ideia de que o processo histórico tem lugar de forma dialéctica, e especialmente segundo a lei da negação da negação. Assim, no que toca pelo menos à história ocidental, a evolução histórica seguiu o esquema: predomínio da classe feudal; superação do feudalismo pela burguesia; nascimento do proletariado, destinado a superar a burguesia. Nesta dialéctica histórica, cada período tem a sua justificação; não é possível saltar de uma fase histórica para outra sem a fase intermédia.

5) A ideia de que o triunfo do proletariado introduzirá uma mudança radical e diferente das anteriores, em que pela primeira vez se procederá não à harmonia das classes sociais, mas à supressão das classes e ao advento da sociedade sem classes. Então o homem será definitivamente livre. Ter-se-á dado o “salto para a liberdade” ter-se-á cumprido de modo definitivo o processo para a liberdade em que a história consiste. Com a supressão das classes suprimir-se-á também o Estado, que teria sido o instrumento de opressão das classes dominantes sobre as dominadas.

6) A ideia, estreitamente ligada com todas as anteriores, de que a filosofia não tem por finalidade interpretar o mundo, mas mudá-lo, quer dizer, a ideia de que a atividade humana apenas pode ser compreendida racionalmente enquanto “prática revolucionária”. Em geral, os diferentes tipos de historicismo são ordenados na sua atitude perante duas questões fundamentais. Na primeira pergunta-se pelo raio de aplicação da noção de realidade histórica; neste caso pode falar-se de dois tipos de historicismo: 1) o antropológico, que atribui a historicidade ao homem e suas produções; o materialismo histórico já exposto é bom exemplo dele. 2) o cosmológico, que atribui a historicidade ao cosmos inteiro. O primeiro está influenciado pelo modelo das ciências históricas, o segundo pelo evolucionismo. A segunda questão refere-se ao modo de tratamento da noção de historicidade, e aqui também pode falar-se de dois tipos de historicismo: a) o epistemológico, para o qual a compreensão da realidade se dá através do histórico, e b) o historicismo ontológico, para o qual o que importa é a análise da historicidade como constitutiva do real.

Um problema capital e talvez o mais debatido é o que aparece no historicismo epistemológico, quando se discute se este tipo de historicismo está condenado ao relativismo. [Ferrater]


As correntes do pensamento que correspondem, na Alemanha, à filosofia francesa da vida e ao pragmatismo inglês são os dois movimentos do historicismo e da filosofia biologizante. Embora fundamentalmente diferentes, coincidem num rasgo decisivo: como a Bergson e a James, é-lhes peculiar uma compreensão penetrante do devir vital bem como a negação do valor do método científico-natural quando se trata da vida. Ambos os movimentos foram, além disso, fortemente influenciados por Friedrich Nietzsche (1844-1900).

O historicismo, o mais importante dos dois movimentos, tem sua fonte principal no desenvolvimento das ciências históricas na Alemanha durante a segunda metade do século XIX. A par de Nietzsche, podemos enumerar entre os filósofos que apadrinharam o movimento, acima de tudo, Georg Simmel (1858-1918), kantiano relativista original, e com maior razão ainda Rudolf Eucken (1846-1926), o filósofo da vida do espírito, e, muito particularmente, Wilhelm Dilthey (1833-1911), o grande historiador e teórico da história. Como o nome indica, o historicismo está vinculado de maneira peculiar ao estudo da história, isto é, do devir espiritual. A história ocupa o centro da atividade filosófica. Segundo os representantes desta escola, ela não pode ser captada nem pelos métodos das ciências da natureza nem por meio de qualquer processamento racional; abarca em seu transcurso a totalidade do pensamento. Desta visão derivam um irracionalismo radical e um relativismo mais ou menos acentuado.

A outra corrente da filosofia alemã da vida, menos orientada para a história, é a filosofia biologizante. Aqui o devir não é concebido como devir histórico do espírito, mas como a corrente de elementos vitais em sentido amplo. Seu mais eloquente e mais fecundo representante entre as duas guerras foi Ludwig Klages. [Bochenski]