A verdade fundamental que os mitos procuram sugerir e fazer acreditar é uma verdade de “fé raciocinada”, como vimos na seção introdutória. Em síntese, essa verdade consiste em admitir que o homem encontra-se de passagem na terra e que a vida terrena constitui uma prova. A verdadeira vida situa-se no além, no Hades (o invisível). No Hades, a alma é “julgada” exclusivamente com base no critério da justiça e da injustiça, da temperança e da devassidão, da virtude e do vício. Com nada mais se preocupam os juízes do além; de nada importa o fato de que a alma tenha sido a alma de um grande rei ou do mais humilde dos súditos; o que conta são apenas os sinais de justiça e de injustiça que a alma traz em si. E tríplice pode ser o destino que cabe às almas: a) caso tenha vivido em plena justiça, receberá um prêmio (andará por lugares maravilhosos, nas Ilhas dos Bem-aventurados, ou por lugares ainda superiores e indescritíveis); b) caso tenha vivido em plena injustiça, a ponto de se ter tornado incurável, receberá castigo eterno (será precipitada no Tártaro); c) caso tenha cometido injustiças sanáveis, isto é, caso tenha vivido injustamente apenas’ em parte, arrependendo-se das próprias injustiças, então será apenas punida temporariamente (e após a expiação de suas culpas, receberá o prêmio que merece).
Além das ideias de “juízo”, de “prêmio” e de “castigo”, transparece em todos os mitos escatológicos a ideia do significado “libertador” das dores e dos sofrimentos humanos, que adquirem portanto um sentido preciso:”(…) a vantagem sobrevêm às almas apenas através de dores e sofrimentos, tanto aqui na terra como no Hades, porquanto não há outra maneira pela qual possamos nos libertar das injustiças.”
E, finalmente, transparece constantemente a ideia da força salvífica da razão e da filosofia, isto é, da busca e da visão da verdade que salva “para sempre”. [[REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990, p. 161]