Portanto, longe está a filosofia de ser uma realidade sub specie aeternitatis, válida sem mais para toda situação, de verdade exaustiva e exclusiva. E isso porque a realidade do homem presente está constituída, entre outras coisas, por um concreto ponto de tangência, cujo lugar geométrico se chama situação. Quando entramos em nós mesmos, descobrimo-nos numa situação que nos pertence constitutivamente e na qual se encontra inscrito nosso peculiar destino, eleito algumas vezes, imposto outras. Daí a justa ponderação de Xavier Zubiri ao afirmar que ainda que a situação não predetermine, forçosamente, nem o conteúdo de nossa vida nem de seus problemas, circunscreve, como é evidente, o âmbito destes problemas e, sobretudo, limita as possibilidades de sua solução. Isto é, o homem é sempre o que é graças a suas limitações, que lhe permitem escolher o que pode ser.
Deste modo, a situação é a realidade concreta em que o homem se acha inserido, condicionando seu modo de ser, ou seja, é o conjunto das condições concretas nas quais se encontra o homem. Com isto, o homem é considerado não como essência inerente, de modo abstrato, ao indivíduo, mas na sua realidade concreta, na qual o existente humano se converte numa intersecção das relações sociais. É precisamente isso que significa o homem em situação, como um ser-em-situação, que pode ser autêntica ou inautêntica, mas que sempre define a condição humana.
Com efeito, como adverte Sartre, “se é impossível achar em cada homem uma essência universal que seria a natureza humana, existe contudo uma universalidade humana de condição. Não é por acaso que os pensadores de hoje falam mais facilmente da condição do homem que da sua natureza. Por condição entendem mais ou menos distintamente o conjunto dos limites a priori que esboçam a sua situação fundamental no universo. As situações históricas variam: o homem pode nascer escravo numa sociedade paga ou senhor feudal ou proletário. Mas o que não varia é a necessidade para ele de estar no mundo, de lutar, de viver com os outros e de ser mortal. Os limites não são nem subjetivos nem objetivos, têm antes uma face objetiva e uma face subjetiva. Objetivos porque tais limites se encontram em todo o lado e em todo o lado são reconhecíveis; subjetivos porque são vividos e nada são se o homem não os viver, quer dizer se o homem não se determina livremente na sua existência em relação a eles”. Fenômeno dinâmico, a situação é o conjunto das próprias condições materiais e espirituais que, numa dada época, definem precisamente um conjunto que compreende o homem como ser espiritual, finito e corpóreo e que abrange desde a estrutura individual do corpo humano e do seu psiquismo até o ambiente físico e moral e o ambiente histórico. Dai Jaspers afirmar que “o ponto de partida da filosofia está em nossa situação”, mas que “só o indivíduo se encontra numa situação”. Pode ser geral ou típica, e historicamente condicionada, mas a existência humana será sempre um ‘ser-em-situação’, que não pode sair de uma sem entrar em outra.
Em suma, podemos dizer que a filosofia nasce da vida social e compõe o ambiente ético dos fins, dos sentidos e das interpretações que o homem elabora e deduz de sua atividade e de sua posição em face do mundo exterior. Ou, consoante Ortega y Gasset, a ideia é uma ação que o homem realiza em vista de uma determinada circunstância e com uma precisa fidelidade. Se ao querer entender uma ideia prescindimos da circunstância que a provoca e do desígnio que a inspirou, teremos dela apenas um perfil vago e abstrato. Este esquema ou esqueleto impreciso da efetiva ideia é, precisamente, o que se costuma chamar ideia pois é o que, sem mais, se entende, o que parece ter um sentido ubíquo e absoluto. Mas a ideia só tem seu autêntico conteúdo, seu próprio e preciso sentido, quando cumpre o papel ativo para que foi pensada, e esse papel ou função é o que tem de ação diante de uma circunstância. Não há, pois, ideias eternas. Toda ideia está agregada, irremediavelmente, à situação ou circunstância diante da qual representa seu ativo papel e exerce a sua função. Isto é, para o homem contemporâneo, a filosofia, antes de ser alguma coisa dentro dele, ele a encontra fora como uma realidade que tem, inclusive, atributos materiais (magistério, livros etc).
Dessa maneira, nenhuma filosofia é definitiva, inclusive a nossa, atual, pois a submergimos, como qualquer outra, no fluxo histórico do corruptível. A filosofia de hoje é mais um elo da cadeia do pensamento, e com vistas ao elo do porvir, por isso mesmo anunciando-o, postulando-o e preparando-o. Concluindo, chega-se ao seguinte conceito que se evidencia por si mesmo: a filosofia, no que tem de realidade, concentra-se na vida humana e deve ser referida sempre a esta para ser plenamente compreendida, pois somente nela e em função dela adquire seu ser efetivo. Portanto, o que a filosofia é não se pode conhecer a priori, nem exprimir-se numa definição abstrata, resultante que é de se achar na vida humana, como um ingrediente seu, com um lugar e uma função determinados dentro da sua totalidade, de acordo com os ensinamentos de Ortega y Gasset.