fenômeno

(gr. ta phainomena; in. Phenomenon; fr. Phénomene; al. Phänomen; it. fenômeno).

1. O mesmo que aparência . Nesse sentido o fenômeno é a aparência sensível que se contrapõe à realidade, podendo ser considerado manifestação desta, ou que se contrapõe ao fato, do qual pode ser considerado idêntico. É este o sentido que essa palavra normalmente assume na linguagem comum (mesmo quando esta faz alusão a uma aparência paradoxal e insólita, como por exemplo a monstruosa), sendo também o significado encontrado em Bacon (no De interpretatione naturae proemium, 1603), em Descartes (Princ. phil., III, 4), em Hobbes (Decorp., 25, § D e em Wolff (Cosm., § 225).

2. A partir do séc. XVIII, em virtude da reabilitação da aparência como manifestação da realidade aos sentidos e ao intelecto do homem, a palavra fenômeno começa a designar o objeto específico do conhecimento humano que aparece sob condições particulares, características da estrutura cognoscitiva do homem. Neste sentido, a noção de fenômeno é correlativa com a de coisa em si, a ela remetendo por oposição contrária. À medida que se reconhece que os objetos do conhecimento se revelam segundo os modos e as formas próprias da estrutura cognoscitiva do homem, e que por isso eles não são as “coisas em si mesmas”, as coisas como são ou poderiam ser fora da relação cognoscitiva com o homem, o objeto do conhecimento humano configura-se como fenômeno, ou seja, como coisa aparente nessas condições, o que obviamente não significa coisa enganosa ou ilusória. É na filosofia do séc. XVIII que se dá este passo. Hobbes, que, em princípio, reavaliou o fenômeno como aparência geral (De corp. 25, § 1; V. Aparência), não atribuiu qualquer significação limitativa ou corretiva à palavra fenômeno, com a qual designa qualquer objeto possível do conhecimento humano. Maupertuis, que nas Cartas de 1752 afirma que a extensão é um fenômeno como todas as coisas corpóreas (OEuvres, 1756, II, 198 .ss.), exprime contudo a convicção, bastante comum em seu tempo, da limitação do conhecimento humano, e foi desta convicção que Kant partiu para sua distinção entre fenômeno e númeno. Segundo Kant, o fenômeno é, em geral, o objeto do conhecimento enquanto condicionado pelas formas da intuição (tempo e espaço) e pelas categorias do intelecto. Diz: “fenômeno é o que não pertence ao objeto em si mesmo, mas se encontra sempre na relação entre ele e o sujeito, e é inseparável da representação que este tem dele. Por isso mesmo, os predicados do espaço e do tempo são atribuídos aos objetos dos sentidos como tais, e nisso nãoilusão. Ao contrário, se atribuo à rosa em si a cor vermelha, a Saturno os anéis ou a todos os objetos externos em si a extensão, sem levar em conta a relação desses objetos com o sujeito e sem limitar meu juízo a esta relação, então nasce a ilusão” (Crít. R. Pura, Estética Transcendental, § 8, Obs. ger., nota). Tal significado, no qual se estabelecia um filosofema muito difundido no séc. XVIII, permaneceu como um dos significados fundamentais desse termo, mais precisamente aquele com relação ao qual se fala de fenomenismo. Esse significado caracteriza-se pela limitação de validade do conhecimento humano. Neste sentido, fenômeno não é o objeto que se manifesta, mas o objeto que se manifesta ao homem nas condições limitativas específicas que essa relação implica.

3. Todavia, na filosofia contemporânea, a partir das Investigações lógicas (1900-1901) de Husserl, fenômeno começou a indicar não só o que aparece ou se manifesta ao homem em condições particulares, mas aquilo que aparece ou se manifesta em si mesmo, como é em si, na sua essência. É verdade que para Husserl o fenômeno neste sentido não é uma manifestação natural ou espontânea da coisa: exige outras condições, que são impostas pela investigação filosófica como fenomenologia . O sentido fenomenológico de fenômeno como revelação de essência (Husserl, Ideen, I, Intr.) soma-se portanto ao significado crítico de fenômeno, sem contudo eliminá-lo. Nele insistiu Heidegger, considerando o fenômeno como o aparecer puro e simples do ser em si e distinguindo-o assim da simples aparência (Erscheinung ou blosse Erscheinung), que é indício do ser ou alusão ao ser (que contudo permanece escondido) e que, por isso, é o não manifestar-se ou o esconder-se do ser (Sein und Zeit, § 7, A). Obviamente neste sentido a noção de fenômeno não se opõe mais à de coisa em si: o fenômeno é o em si da coisa em sua manifestação, não constituindo, pois, uma aparência da coisa, mas identificando-se com seu ser.

Podemos agora resumir da seguinte maneira os três significados atualmente em uso da palavra fenômeno: 1) aparência pura e simples (ou fato puro e simples), considerada ou não como manifestação da realidade ou fato real; 2) objeto do conhecimento humano, qualificado e delimitado pela relação com o homem; 3) revelação do objeto em si. [Abbagnano]


Significa, em geral, o intuitivamente dado (objeto). Em particular, o sentido varia, consoante os diversos objetos. Muito usual é a contraposição de fenômeno (1) e coisa em si, que remonta a Kant. Neste caso, fenômeno significa a imagem sensorial que se origina no sujeito cognoscente sob o influxo da coisa, na qual esta nos aparece na forma correspondente à peculiar maneira de ser de nossos sentidos. O fenômeno distingue-se da mera ilusão, porque se refere essencialmente a uma coisa em si, pela qual foi produzido de acordo com leis. Segundo Kant, o fenômeno (Erscheinung), como impressão sensorial formada com sujeição ao espaço e ao tempo, é todavia “subjetivo”; converte-se em fenômeno objetivo (por ele denominado Phaenomenon), ao ser pensado por interferência de uma categoria (criticismo). Na medida em que, segundo Kant, só conhecemos o fenômeno (Erscheinung) da coisa, e não a coisa em si, sua doutrina é fenomenalismo. Segundo o realismo escolástico, a imagem sensorial não é mero fenômeno, mas — ao menos, dentro de certos limites — é uma representação da coisa concordante com a realidade. — Um segundo binário de conceitos contrastantes é o de fenômeno (2) e essência. Aqui, fenômeno designa o objeto conhecido não em sua essência, mas tão-somente segundo seu modo sensorial de dar-se, ou seja, o “puramente empírico” (experiência). A oposição entre os conceitos citados não coincide com a primeiramente exposta, porque o fenômeno, nesta segunda acepção, não exclui o ser real, e, inversamente, a essência pode ser uma coisa só imaginada. — Um outro sentido comporta ainda o termo fenômeno (3) na terminologia da fenomenologia (que, as mais das vezes usa o termo “Phänomen”, em lugar de “Erscheinung”). Aqui, fenômeno designa todo conteúdo imediatamente contemplado ou vivido, em oposição aos conteúdos só pensados, mediatamente conhecidos; neste sentido pode também ser fenômeno um ente real (p. ex., atos internos próprios), ou um objeto apreendido em sua essência (p. ex., um triângulo). Quando se requer que toda especulação parta dos fenômenos, entende-se o termo neste terceiro sentido. — De Vries. [Brugger]


O termo fenômeno provém do grego e significa “o que aparece”; fenômeno equivale, portanto a aparência. Para muitos filósofos gregos, o fenômeno é o que parece ser, tal como realmente se manifesta, mas que em rigor, pode ser qualquer coisa diferente e até oposta. O fenômeno contrapõe-se então ao ser verdadeiro e, inclusivamente, é encobrimento deste ser. O conceito de fenômeno é, portanto, extremamente equívoco. Se, por um lado, pode ser a verdade (o que é por sua vez aparente e evidente), por outro, pode ser o que encobre a verdade, o falso ser. Mas existe outra possibilidade: que um fenômeno seja aquilo porque a verdade se manifesta, o caminho para o verdadeiro. Estas três noções costumam apresentar-se confundidas ou, pelo menos, entrelaçadas na história da filosofia. Até naqueles pensadores para quem a oposição entre fenômeno e ser verdadeiro equivale à oposição entre o aparente e o real, o fenômeno não significa somente o ilusório. Mais que realidade ilusória, o fenômeno é muitas vezes realidade subordinada e dependente, sombra projectada por uma luz, mas sombra sem a qual a luz não seria, em última instância, acessível. Por isso não há uma só única forma de relação entre o em si e o fenômeno, e entre eles e a consciência que conhece, e por isso também a filosofia eleita depende em grande parte da forma como se concebe essa relação. Em geral, as posições adoptadas até ao presente podem ser esquematizadas do seguinte modo: 1) posição exclusiva do em si (Parmênides); 2) posição exclusiva do fenômeno (Berkeley); 3) o em si e o fenômeno existem separadamente e entre eles não há senão o nada (Parmênides, ao formular a doutrina da opinião); 4) o em si e o fenômeno estão unidos pelo demiurgo (Platão); 5) divisão do em si numa multiplicidade (Demócrito); 6) afirmação do em si e simultaneamente da sua incognoscibilidade teórica (Kant).

Neste último sentido, o fenômeno não é um aparecer, mas sim como Kant sustenta explicitamente, algo igualmente distinto do em si e da mera aparência. O fenômeno constitui o objeto de experiência possível frente ao que é simples aparência ilusória e frente ao que se encontra mais além desta experiência.

Husserl e o movimento fenomenológico analisaram com particular atenção o conceito de fenômeno e a sua relação com a realidade. Para Husserl, o conceito autêntico de fenômeno é este: “o objeto intuído aparente, como o que nos aparece aqui e agora” (INVESTIGAÇÕES LÓGICAS). Com o que ficam postos os problemas que concernem à relação do fenômeno com o real na medida em que a consciência pura pretende sair do círculo imanente em que se encerrou. [Ferrater]


Para a terminologia fenomenológica, tal como doravante Husserl a fixa, convirá precisar o seguinte: a consciência ou o ser psíquico é todo o fenômeno que será preciso distinguir da coisa fenomenal que aparece. O fenômeno não é a aparição de qualquer coisa, é o próprio ser do aparecer; nele, «não há qualquer distinção entre aparecer e ser» (Ibid., p. 83). Para caracterizar o fenômeno, Husserl utilizará a expressão de «vivido», não remetendo esta expressão para um conceito biológico da vida, mas significando que a consciência não é experimentada como «aparecendo a si própria», mas é absolutamente inerente a si própria. Quanto à «coisa fenomenal», pode-se considerá-la como aparência, ou melhor, como aparição, na condição de se entender por isso que ela não é «vivida», mas que é visada como coisa. Ela não é parte do fenômeno, que não é uma «unidade substancial», uma coisa, mas é todavia, dada no fenômeno com o seu sentido e o seu ser, uma vez que o fenômeno, relativamente à coisa, não é um biombo que se interponha entre ela e a consciência, mas nada mais do que esta intenção. É assim que, erigindo-se em ciência da consciência, interrogando-se sobre o que a consciência «é» sob as suas diversas formas, a fenomenologia husserliana não trata nem simplesmente do ser da consciência, no sentido psicológico do termo, nem ainda do ser para a consciência. Mas ela descobre na consciência o único acesso ao ser, a sua única razão, e na analítica intencional o único conhecimento científico «do que é».

Uma ciência constitui-se quando descobre o seu objeto e define a propósito dele o seu a priori e o seu modo de certeza. Como responde a fenomenologia a estas condições? [Schérer]