(lat. Incarnatio; in. Incarnation; fr. Incarnation; al. Menschuerdung; it. Incamazioné). A unidade da natureza divina e da natureza humana na pessoa de Cristo. Esse é um dos dois dogmas fundamentais do cristianismo, sendo o outro o da Trindade. Depois das discussões patrísticas que, no séc. V, levaram a algumas interpretações que a Igreja condenou como heréticas, na escolástica esse dogma foi uma das pedras de toque da capacidade das filosofias de servir à interpretação e à defesa das crenças religiosas. Desse ponto de vista, não há dúvida de que a maior capacidade nesse sentido foi do tomismo, que deu a mais simples e elegante interpretação do dogma. Tomás de Aquino toma como motivo justamente as duas heresias simetricamente opostas do séc. V. A interpretação de Eutíquio, que insistia na unidade da pessoa de Cristo, também reduzia as duas naturezas a uma só, mais precisamente à divina, considerando simplesmente aparente a natureza humana revestida por Cristo. A interpretação de Nestório, ao contrário, que insistia na dualidade das naturezas, também admitia em Cristo a coexistência de duas pessoas, sendo a pessoa humana instrumento ou revestimento da divina. A distinção real entre essência e existência nas criaturas e a sua unidade em Deus oferecem a Tomás de Aquino a chave da interpretação. Em Deus, a essência ou natureza divina é idêntica ao ser; logo, Cristo, que tem natureza divina, subsiste como Deus, como pessoa divina, e é uma só pessoa, a divina. Por outro lado, a possibilidade de separar a natureza humana da existência faz que Cristo possa assumir a natureza humana (que é alma racional e corpo), sem ser pessoa humana (Contra Gent., IV, 49; S. Th., III. 2. II, a. 6). Essa interpretação tomista constitui a doutrina oficial da Igreja católica. (Abbagnano)
Seguem-se duas consequências decisivas (a respeito da “carne”). A primeira é que a aporia grega da vinda do Logos inteligível num corpo material putrescível, e isso como condição de uma salvação que se identifica, então, com a morte, se dissipa como uma miragem na Arqui-inteligibilidade joanina. Totalmente diferente do Logos grego — que designa, ao mesmo tempo, a Razão e a possibilidade da linguagem que falam os homens, que consiste na formação de significações ideais e como tais irreais — o Verbo de Vida é a condição fenomenológica transcendental, última e radical, de toda carne possível. Somente nele, como se viu, toda carne vivente é dada em sua autoimpressionalidade patética: na Arquipassibilidade em que a Vida e seu Verbo se amam eternamente. O Verbo cristão pôde vir numa carne. No Arqui-páthos de sua Arquipassibilidade, só ele pode unir a si o que em sua autoimpressionalidade é propriamente uma carne. Tal é o [373] motivo invencível pelo qual, encontrando a carne e suas propriedades fenomenológicas sua última possibilidade fenomenológica nessa Arquipassibilidade do Verbo, a fenomenologia da carne nos remeteu constantemente a uma fenomenologia da Encarnação.
Prévia a toda carne como sua vinda a si — sua en-carnação –, a Encarnação do Verbo não é somente aquilo em que o Verbo se fez carne, o Acontecimento extraordinário do qual os discípulos de Cristo esperam a salvação, se é verdade, segundo a afirmação abrupta do Prólogo, que é no próprio Verbo que se cumpre o fazer-se carne fora do qual nenhuma carne, nenhum Si carnal vivente, nenhum homem jamais foi possível. É por isso que o Prólogo derrama atrás de si sua clareza deslumbrante sobre o texto do Gênesis. Ele nos permite compreender a criação divina não somente como a vinda ao fora do mundo, sua objetivação, segundo a interpretação fenomenológica de Jakob Böhme que dominaria o idealismo alemão. O que Böhme tinha compreendido também, e que nós encontramos em inúmeros de nossos desenvolvimentos, é que esse horizonte de luz que é, segundo ele, a Sabedoria de Deus é ainda incapaz de criar seu conteúdo — cuja criação específica, a da matéria, o Deus bíblico assume. (Michel henry, MHE)
Assim, temos que seguir o difícil caminho de nossas próprias experiências, produzir nossas próprias reações e assimilar nossos sofrimentos e realizações. Só então a verdade que manifestamos será tão nossa quanto uma criatura o é de sua mãe, e a mãe, apaixonada pelo Pai, regozijar-se-á com o seu filho em quem verá o fiel retrato d’Aquele. A semente inefável deve ser concebida, gestada e nascida de nossa própria substância, alimentada com nosso próprio sangue se o que de fato queremos é a criança genuína através da qual sua mãe renasce; e o Pai — o Divino Princípio Transcendente — também renascerá, isto é, emergirá do estado de não-manifestação, de inação e de aparente não-existência. Não podemos pedir Deus emprestado. Temos que efetivar Sua nova encarnação a partir de nossas próprias entranhas. O divino deve, de algum modo, descender na matéria de nossa própria existência e participar neste peculiar processo vital.
Segundo as mitologias da Índia, este é um milagre que indubitavelmente acontecerá; nos antigos relatos encontramos que sempre que se implora a Vishnu — criador e sustentador do mundo — para que apareça numa nova encarnação, as forças suplicantes são tão intensas que ele acede. Porém, no momento em que se manifesta assumindo um corpo em ventre abençoado para novamente apresentar-se ao mundo — que é um reflexo do seu próprio ser inefável — forças demoníacas dotadas de vontade colocam-se contra ele; pois também existem aqueles que odeiam e desprezam o deus, e para quem não dão lugar em seus sistemas de crescente egoísmo e autoridade despótica. Fazem tudo que podem para dificultar sua tarefa. Entretanto, a violência dessas forças não é tão destrutiva quanto parece; não é mais que a força necessária dentro do processo histórico. A resistência é parte integrante na cíclica comédia humana que se desenrola sempre que uma fagulha da verdade celestial — atraída pela miséria das criaturas e a iminência do caos — manifesta-se no plano fenomênico.
“Acontece o mesmo — declara Paul Valéry — ao nosso espírito como a nossa carne: ambos envolvem em mistério aquilo que sentem ser o mais importante, ocultando-o de si mesmos; distinguem-no e protegem-no através daquela profundidade em que o encobrem. Tudo o que realmente importa está bem velado; os testemunhos e documentos apenas o tornam mais obscuro; os atos e as obras têm a intenção deliberada de disfarçá-lo.” (Zimmer)
Assim, temos que seguir o difícil caminho de nossas próprias experiências, produzir nossas próprias reações e assimilar nossos sofrimentos e realizações. Só então a verdade que manifestamos será tão nossa quanto uma criatura o é de sua mãe, e a mãe, apaixonada pelo Pai, regozijar-se-á com o seu filho em quem verá o fiel retrato d’Aquele. A semente inefável deve ser concebida, gestada e nascida de nossa própria substância, alimentada com nosso próprio sangue se o que de fato queremos é a criança genuína através da qual sua mãe renasce; e o Pai — o Divino Princípio Transcendente — também renascerá, isto é, emergirá do estado de não-manifestação, de inação e de aparente não-existência. Não podemos pedir Deus emprestado. Temos que efetivar Sua nova encarnação a partir de nossas próprias entranhas. O divino deve, de algum modo, descender na matéria de nossa própria existência e participar neste peculiar processo vital.
Segundo as mitologias da Índia, este é um milagre que indubitavelmente acontecerá; nos antigos relatos encontramos que sempre que se implora a Vishnu — criador e sustentador do mundo — para que apareça numa nova encarnação, as forças suplicantes são tão intensas que ele acede. Porém, no momento em que se manifesta assumindo um corpo em ventre abençoado para novamente apresentar-se ao mundo — que é um reflexo do seu próprio ser inefável — forças demoníacas dotadas de vontade colocam-se contra ele; pois também existem aqueles que odeiam e desprezam o deus, e para quem não dão lugar em seus sistemas de crescente egoísmo e autoridade despótica. Fazem tudo que podem para dificultar sua tarefa. Entretanto, a violência dessas forças não é tão destrutiva quanto parece; não é mais que a força necessária dentro do processo histórico. A resistência é parte integrante na cíclica comédia humana que se desenrola sempre que uma fagulha da verdade celestial — atraída pela miséria das criaturas e a iminência do caos — manifesta-se no plano fenomênico.
“Acontece o mesmo — declara Paul Valéry — ao nosso espírito como a nossa carne: ambos envolvem em mistério aquilo que sentem ser o mais importante, ocultando-o de si mesmos; distinguem-no e protegem-no através daquela profundidade em que o encobrem. Tudo o que realmente importa está bem velado; os testemunhos e documentos apenas o tornam mais obscuro; os atos e as obras têm a intenção deliberada de disfarçá-lo.” (Zimmer)