elemento

(gr. otokeion; lat. elementum; in. Element; fr. Élément; al. Element; it. Elemento).

Este conceito recebeu dois significados principais: 1) o de componente primeiro de um todo composto; 2) o de termo ou resultado de um processo de análise ou divisão. O primeiro desses conceitos é o mais antigo.

1) Embora Platão (cf., p. ex.: Teet., 210 e) tenha sido o primeiro a falar em filosofia dos elemento (como nos diz Diógenes Laércio, III, 24), Aristóteles é o primeiro a fazer uma análise exaustiva desse conceito. “Por elemento”, diz ele, “entende-se o componente primeiro de uma coisa qualquer, que seja de uma espécie irredutível a uma espécie diferente: nesse sentido, p. ex., os elemento das palavras [isto é, as letras] são os elementos de que consistem as palavras, nos quais se dividem em última análise porque não podem dividir-se em partes de espécie diferente. Se um elemento for dividido, suas partes serão da mesma espécie; p. ex: uma parte de água é água, ao passo que a parte de uma sílaba não é uma sílaba” (Met., V, 3,1014 a 30). Aristóteles esclarece também o sentido em que essa palavra foi usada (como o é ainda) para indicar as partes principais de uma doutrina, no sentido, p. ex., em que se diz “elemento de Euclides”. Diz ele que os elemento das provas geométricas e das demonstrações em geral são aquelas demonstrações primeiras que reaparecem em outras demonstrações diferentes (Ibid., V, 3, 1014 a 35). Aristóteles nota também que podem ser metaforicamente chamados de elemento as entidades mais universais porque são simples e indivisíveis e podem repetir-se em um número incjefinido de casos. E talvez tenha sido justamente contra essa extensão do termo que os estoicos estabeleceram sua própria distinção entre princípios, que não podem ser gerados nem se corrompem, e os elemento, que podem ser destruídos pelas conflagrações periódicas a que o mundo está sujeito (Diógenes Laércio, VII, 134). No séc. XII, Guilherme de Conches dava o nome de elemento aos átomos e de elementata à água, ao ar, à terra e ao fogo, que seriam compostos de átomos (Philosophia, I, 21).

2) O segundo conceito de elemento foi elaborado no séc. XVII por Robert Boyle, um dos fundadores da química moderna. Em Chymista Scepticus 0-661), Boyle definiu como elemento químico o corpo não composto que não se é possível decompor com os meios químicos de que se dispõe. Essa definição tinha a vantagem de não fixar antecipadamente quais são os corpos que devem ser considerados elementos. Pode ser facilmente generalizada para um campo qualquer, podendo-se definir como elemento, nesse campo, aquilo que não é possível dividir com os instrumentos de análise disponíveis nesse mesmo campo. Desse ponto de vista, o que é “elemento” num campo pode não ser “elemento” em outro campo e o conceito é definido em cada caso só em relação aos instrumentos de análise e ao seu alcance.

Do ponto de vista lógico, a noção de elemento foi definida por Wittgenstein: “É claro que, ao analisar uma proposição, deve-se chegar a proposições elementares, que constam de nomes em união imediata” (Tractatus, 4, 221). Nesse sentido, a proposição elementar é o resultado da decomposição das proposições. Segundo Wittgenstein, ela “afirma a existência de um fato atômico” (Ibid, 4. 21); sua marca característica é que “nenhuma proposição elementar pode estar em contradição com ela” (Ibid, 4. 211). [Abbagnano]


Na história da filosofia, este termo teve quatro sentidos fundamentais:

1) como compêndio de uma série de vocábulos usados por filósofos para designar as entidades últimas que, a seu ver, constituem a realidade e, em particular, a realidade material, por exemplo, átomos, corpúsculos, partes mínimas, sementes, razões seminais, espermas, etc.. O número e qualidade dos elementos considerados como “partes constitutivas” das realidades variaram muito. Muitos pré-socráticos falaram de um só elemento (a água, o indefinido, o ar). Parmênides considerou os elementos como formas. Outros falaram de um número indefinido (ou indefinido) de elementos qualitativos distintos, e Demócrito de um número indefinido de elementos, os átomos. Deve-se a Empédocles a formulação mais precisa da chamada “doutrina dos quatro elementos” (terra, água, fogo e ar). ou melhor, o sólido, o líquido, o seco o gasoso, que teve grande influência na antiguidade, na idade média e até princípios da época moderna. Platão também falou de quatro elementos, mas não os considerou como verdadeiras “partes constituintes”; essas partes são antes certas figuras sólidas, cada uma das quais é base de um “elemento” (o tetraedro do fogo, o cubo da terra, o octaedro do ar e o ecosaedro da água). Além disso Platão (seguindo os pitagóricos) referiu-se a esses elementos ou princípios, os números, como a unidade e a díade. Aristóteles falou de cinco elementos: a terra, a água, o ar, o fogo e o éter ( ou continente do cosmos). Os estoicos voltaram à teoria clássica dos quatro elementos. Na idade média também foi corrente apresentar a doutrina dos quatro elementos, mas falou-se também do éter como quinto elemento ou quinta essência (donde surgiu o vocábulo quinta essência, usual na linguagem corrente para designar algo subtil e impalpável). Os epicuristas seguiram Demócrito na concepção dos elementos como átomos.

2) como noções que compõem uma doutrina enquanto materiais com os quais se constrói essa doutrina. Nesse sentido, por exemplo, Kant postulou a “doutrina dos elementos da razão pura”.

3) como princípios de uma ciência, ou de um sistema. Há exemplos clássicos deste uso na obra de Euclides, ELEMENTOS DE GEOMETRIA, e na de Proclo, ELEMENTOS DE TEOLOGIA.

4) como expressão da realidade na qual se encontra ou se banha uma entidade ou conceito determinados. Assim, por exemplo, quando Hegel usa expressões como “o elemento do negativo”. [Ferrater]


Em grego, a palavra stoikeion significa átomo, átomoi, corpúsculo, arete sómata, adiaireta, ogkol, homeomerias, omoiomeriai, sementes, rizómata, espermas, spérmata, razões seminais, lógoi spermatikoi. Em latim, elemento corresponde a corpúsculo, corpuscula, partes mínimas, mínima naturae, sementes, semina, semina rerum. Os alquimistas gregos empregavam o vocábulo tetrasomia para designar os quatro elementos, terra, água, ar e fogo, e os latinos a palavra elementa, no plural.

Os principais significados do termo elemento são os seguintes. 1) Entidade última, em que consiste ou a que pode ser reduzida a matéria. 2) Noções ou materiais de que se compõe uma doutrina, uma teoria ou um sistema. 3) Princípios de uma teoria, de um sistema ou de uma ciência. Verbi gratia, elementos de filosofia, elementos de matemática, etc. 4) Ambiente, meio no qual se encontra um conceito ou uma entidade qualquer. Por exemplo, estar em seu elemento, em seu habitat. Distinguindo-se da intuição cosmogônica, que inspira os mitos sobre a criação do mundo e do homem, o raciocínio cosmológico corresponde à tentativa de compreender e explicar racionalmente a natureza. A história da teoria dos elementos é importante para a história da ciência, porque representa o esforço tendente a explicar o mundo em função dos princípios que o constituem e dos quais decorre, substituindo a interpretação científica ou racional à interpretação mágica e mitológica.

No séc. VI a.C, a Escola de Mileto formulou, pela primeira vez, uma teoria cosmológica pré-cientifica, sobre a origem e a formação do mundo. De acordo com Tales (640-545 a.C), fundador da escola, o elemento primordial, do qual as coisas procedem e ao qual retornam, é a água, o oceano cósmico, dotado de fecundidade infinita, matriz e origem de todos os seres. Segundo Anaximandro (611-547 a.C), o princípio, ou elemento primordial era o apeiron, infinito ou indeterminado, do qual provêm todos os seres finitos e determinados, e no qual os termos contrários, como o quente e o frio, o seco e o úmido, em luta uns com os outros, são finalmente reabsorvidos. Para Anaxímenes (588-524 a.C), terceiro e último representante da escola, o elemento primordial é o ar, do qual as coisas resultam e ao qual retornam por um duplo movimento de condensação e de rarefação.

Segundo Heráclito de Éfeso (540-480 a.C), o elemento primeiro é o fogo, que representa, melhor do que qualquer outro, a natureza movediça e contraditória do real. Na Escola Itálica, Pitágoras (570-? a.C.) ensinava que a substância, ou elemento primordial é o número, que significa a harmonia à qual todas as coisas estão submetidas. De acordo com Philolaus (450 a.C), a terra é constituída pelo cubo, a água pelo icosaedro, o ar pelo octaedro e o fogo pelo tetraedro. Um quinto elemento, que incluía os astros, era representado pelo dodecaedro. Na obra de Aristóteles encontram-se vestígios desse quinto elemento, que está na origem da noção de quintessência, ou essência quinta, tal como será formulada pelos alquimistas da Idade Média.

Empédocles de Agrigento (495-435 a.C.) admitia não um apenas, mas os quatro elementos, a terra, a água, o ar e o fogo, como substâncias primordiais, ou “raízes” de todas as coisas, cujo nascimento corresponde à combinação desses elementos e cuja morte resulta de sua separação ou desintegração. A terra é a origem e o suporte do estado sólido e da secura. Produzida por fusão ígnea ou por dissolução, a água dá origem ao estado líquido e ao frio, e os suporta. Mais sutil, como percebera Heráclito, o fogo corresponde ao fluido etéreo, suporte simbólico da luz, do calor e do movimento dos corpos.

Representantes da Escola de Abdera, Leucipo (séc. V a.C.) e Demócrito (460-370 a.C.) fundam o atomismo, de acordo com o qual a realidade se constitui de átomos e do vazio. Os átomos são os elementos, as partículas indivisíveis, ou “in-secáveis”, e se distinguem uns dos outros pela forma, ordem e posição. Tais diferenças são quantitativas, e o movimento dos átomos é puramente mecânico. Os átomos e o vazio, assim como o movimento, são eternos, e suas combinações, em número infinito, dão origem à formação dos diversos mundos. Mais filosófico do que científico, o atomismo dos abderitanos prefigura, no entanto, as modernas teorias sobre a constituição da matéria.

Anaxágoras de Clazomena (500-428 a.C.) sustenta que tudo está em tudo, pois em cada coisa há uma partícula de todas as demais, o que permite explicar que umas se transformem nas outras. As homeomerias são esses elementos, essas sementes, nas quais os germens das coisas não aparecem devido à sua extrema pequenez. As mudanças e transformações explicam-se mecanicamente, e qualquer coisa pode transformar-se em outra, pelo simples mecanismo da qualidade. O noûs, espírito, inteligência, é a causa motora e ordenadora, que promove a separação dos elementos contidos no magma original.

No Timeu, onde se acha exposta a sua cosmologia, Platão (428-348 a.C.) diz que a matéria-prima, ou elemento primordial, não é nenhum dos quatro elementos, nem corpo algum que deles resulte. A matéria-prima recebe a forma desses elementos, com os quais o Demiurgo organiza o universo. Tais elementos têm forma geométrica e só se podem combinar de acordo com determinadas leis. De todos, o fogo é o mais leve, o mais móvel, o mais ativo, o ar menos que o fogo, e a água e a terra os mais pesados e vagarosos. Os quatro elementos engendram-se uns aos outros, periodicamente, a água transformando-se em terra, o ar em fogo, o fogo em ar, o ar em água, e assim indefinidamente.

A teoria dos quatro elementos reaparece na filosofia de Aristóteles (384-322 a.C.) a propósito do movimento e da transformação substancial das coisas. Os elementos devem agir e reagir uns sobre os outros, e as quatro qualidades primordiais, que a eles correspondem, devem permitir quatro combinações ou transformações: a do quente e do seco em fogo; a do quente e do fluido em ar; a do frio e do fluido em água, e a do frio e do seco em terra. O fogo é, assim, o excesso do calor, e o gelo o excesso do frio.

Nenhum dos elementos, segundo Aristóteles, é primordial e inalterável. Todos podem transformar-se em todos. A transformação mais rápida é a de um elemento no elemento vizinho da série superior, do fogo em ar ou do frio em água, por exemplo. A mais difícil é aquela na qual uma série é transposta, a terra em fogo, verbi gratia. Uma terceira transformação é aquela na qual dois elementos combinados desaparecem, dando origem a um terceiro, o fogo e a água que produzem a terra. Aristóteles critica a teoria de Empédocles, de acordo com a qual os quatro elementos seriam intransformáveis e mostra que a distinção entre o relativa e absolutamente quente e frio, seco e úmido, bem como a ação recíproca dos contrários, torna possível explicar a combinação dos elementos em homeomerias. Todas as homeomerias devem conter o elemento terra e o elemento água, pois os seres vivos precisam de terra e de água. Feitos de contrários, os compostos devem conter o ar e o fogo, contrários da terra e da água.

Incorporando as contribuições dos alquimistas gregos de Alexandria e a gnose cosmológica da teosofia ismaeliana, a teoria dos quatro elementos perdurou durante toda a Idade Média, como fundamento da concepção do mundo físico, ou teoria filosófica da natureza.

No Renascimento, o médico e filósofo Paracelso (1493-1541) critica as concepções tradicionais dos elementos, os quais, a seu ver, não são os componentes últimos da matéria. Os alquimistas já haviam considerado os elementos como estruturas primordiais e não como substâncias.^ com-parando-os aos “condutos herméticos”. Segundo Paracelso, os elementos são “matrizes elementares” em que as coisas são geradas e nas quais encontram a fórmula físico-química que, de acordo com a analogia universal, revela suas propriedades radicais, a serem utilizadas pela ciência. Além dos quatro elementos tradicionais, Paracelso admitia, como Aristóteles, o quinto elemento, a quinta essência, a qual, nos compostos, constitui o núcleo de sua estrutura e de suas virtualidades. A preponderância desse elemento em relação aos demais determina a estrutura dos objetos e os distingue uns dos outros.

Paracelso generalizou, na forma de semina invisibilia (sementes invisíveis), a noção de princípio seminal, em contraste com os elementos visíveis, terra, água, etc. tais como os antigos os concebiam. A rigor, não se trata de procurar os átomos de que a matéria se constitui, os elementos últimos aos quais pode ser reduzida, mas as manifestações ou expressões da razão, ou da inteligência, os logoi na matéria. As sementes, semina, assemelham-se aos arkhai (origens, princípios) que determinam a especificidade das coisas e, por serem extremamente sutis, são considerados espirituais. Os três princípios, segundo Paracelso, eram o enxofre, o mercúrio e o sal. O enxofre era o princípio da combustibilidade, o mercúrio da fusibilidade e da volatilidade, e, o sal, da não volatilidade e da incombustibilidade. A teoria de Paracelso dominou a alquimia até Robert Boyle (1627-1691), cuja obra funda a química científica. [Corbisier]