O princípio da ciência segundo o qual “as mesmas causas produzem os mesmos efeitos”. — A ideia de determinismo é a de uma ordem imutável e constante nas relações entre os fenômenos. Se solto uma pedra, elà cai no chão; postulo o determinismo quando passo de casos particulares para a lei universal e eterna da queda dos corpos. Distinguem-se duas concepções do determinismo: 1.° Aquela constância existe na natureza, o determinismo é ontológico (na realidade); 2.° Aquela constância é um postulado de nosso espírito, um princípio metodológico. Num e noutro caso, o determinismo é provado quando o espírito humano pode prever com certeza. Em microfísica fala-se de indeterminismo (Heisenberg) quando a previsão não pode ser feita sobre um fenômeno (um elétron, por exemplo), mas apenas sobre um grupo de fenômenos (um feixe de elétrons): trata-se com efeito de um determinismo estatístico. Heisenberg mostra além disso a impossibilidade de se conhecer ao mesmo tempo a velocidade e a direção de um elétron. O que se pode compreender verificando que o raio luminoso que nos permite observar e determinar a posição de um elétron constitui ele próprio um feixe de elétrons que se choca com o elétron observado e o desloca. É a ligação entre o observador e o observado, a alteração introduzida pela observação no fenômeno observado, o que define o “indeterminismo”. É preciso assinalar que não existe qualquer relação entre o problema científico do determinismo e o problema meta-físico-teológico da liberdade humana (ligada ao problema da predestinação ): porque se supomos que a natureza está submetida ao determinismo, tal hipótese concorda tanto com o determinismo quanto com o indeterminismo (na medida em que não conhecemos toda a natureza e vemos, portanto, contingência onde ela não existe); o indeterminismo exprime então a limitação de nosso conhecimento. Por outro lado, se supomos que a natureza não está submetida ao determinismo, esta hipótese concordará também tanto com o indeterminismo quanto com o determinismo, que se apresentará como um efeito estatístico, um produto de nosso conhecimento. Permanece pois impossível a resolução do problema metafísico do determinismo a partir da física moderna; e é desonesto apoiar-se sobre a micro-física para tirar conclusões a favor ou contra a liberdade humana. [Larousse]
É a doutrina oposta ao indeterminismo, segundo a qual todas as direções de nossa vontade são univocamente determinadas pela constelação dos motivos influentes e da momentânea, consciente e inconsciente, situação psíquica. Muitas vezes, ela estriba numa falsa compreensão da doutrina indeterminista da liberdade da vontade, como se esta designasse uma potência endereçada a querer sem causa nem motivo (indeterminismo exagerado). Comumente, o determinismo apela, antes de tudo, paru a lei de causalidade, não se limita porém a concebê-la como exigindo uma causa suficiente para todo efeito (única forma em que apresenta o caráter de lei universal e necessária do pensamento) (princípio de causalidade), mas pretende ver nela que todo efeito deve estar univocamente predeterminado em sua causa total (o que não está demonstrado que se aplica a todo o domínio do real) (lei de causalidade).
Procedendo mais empiricamente, o determinismo interpreta a consciência da liberdade como um juízo errôneo, oriundo do desconhecimento dos móbiles inconscientes (tendências determinantes). Desconhece também que não consideramos como “livremente queridas”, por lhes desconhecermos a causa-ção, mas sim como “enigmáticas”, vivências que estribam em processos inconscientes de complexos, como p. ex., inspirações científicas e artísticas, falhas de memória, etc. Uma ulterior fundamentação empírica do determinismo alude ao fato de que, conhecendo bem o caráter, os hábitos, as inclinações e as situações motivais, podemos predizer as decisões da vontade, de outros homens, bem como invoca a regularidade, assinalada pela estatística moral, de muitas ações “livres”, regularidade essa que trai uma lei operante. Não obstante, estas alusões mostram apenas que não há querer isento de motivos e que os homens, via de regra, seguem de bom grado suas inclinações e caráter e evitam conflitos com aquelas e com este; contudo tais argumentos não dirimem a questão de saber se esta evitação de conflitos é necessária ou livre. O determinismo procura salvar os conceitos de responsabilidade, castigo, etc. (liberdade da vontade), destituídos de sentido caso se suprima a liberdade, afirmando que precisamente considera responsável e punível o “caráter” do homem culpado (com o que, não haveria distinção entre este e o psicopata) e interpretando o castigo como recurso meramente intimidativo, ou seja, como meio para proteger a sociedade contra o homem a-social (o que anularia a dignidade da personalidade ética e converteria o homem em mero ser de adestramento). — Consequentes com as bases de seus sistemas, são deterministas o materialismo e o monismo, o panteísmo, o positivismo, o empirismo e todos os matizes do pragmatismo, bem como o racionalismo estreme e o estreme biologismo. — Do ponto de vista da filosofia natural, entende-se por determinismo a doutrina da determinação unívoca de todos os acontecimentos naturais. VIDE lei de causalidade, relação de indeterminação — Acerca do determinismo econômico, Marxismo. — Willwoll. [Brugger]
Costuma definir-se o determinismo como a doutrina segundo a qual todos e cada um dos acontecimentos do universo estão submetidos às leis naturais. Estas leis são de caráter causal. Com efeito, se fossem de caráter teleológico não teríamos o determinismo, mas uma doutrina diferente – doutrinas tais como as do destino e da predestinação, que foram aplicadas às almas e não aos acontecimentos naturais. Bergson afirmou que um determinismo estrito e um teleologismo estrito têm as mesmas consequências: ambos afirmam que há um encadeamento rigoroso de todos os fenômenos e, portanto, nem numa doutrina nem na outra pode afirmar-se a existência da criação e da liberdade. Embora a observação de Bergson seja em parte verdadeira, note-se que o termo determinismo se usa mais propriamente em relação com causas eficientes do que em relação com causas finais. Além disso, as doutrinas deterministas modernas, às quais nos referiremos aqui principalmente, estão ligadas a uma concepção mecanicista do universo, a tal ponto que, por vezes, se identificaram determinismo e mecanicismo. Caraterístico do determinismo moderno é aquilo a que pode chamar-se o seu universalismo; uma doutrina determinista costuma referir-se a todos os acontecimentos do universo. A relação entre determinismo e mecanicismo pode então compreender-se melhor, pois o determinismo se aplica mais facilmente à realidade enquanto concebida mecanicisticamente.
A doutrina determinista não é susceptível de prova; tão pouco o é a doutrina oposta ao determinismo, por cuja razão o determinismo é considerado habitualmente como uma hipótese.
Alguns pensam que se trata de uma hipótese metafísica; outros, de uma hipótese científica.
Certos autores declaram que, embora a doutrina determinista não possa provar-se, isso se deve ao caráter finito da mente humana e à impossibilidade de ter em conta todos os fatores ou, melhor dizendo, estados do universo.
A doutrina determinista pode admitir-se com o aplicável a todos os acontecimentos do universo ou, então, pode admitir-se como aplicável só a uma parte da realidade. Kant, por exemplo, afirmava o determinismo em relação ao mundo dos fenômenos, mas não em relação ao mundo numênico da liberdade.
Muitas das dificuldades apresentadas pela doutrina determinista obedecem a uma análise insuficiente do que se entende pelo termo determinismo. Regra geral, deram-se deste termo definições demasiado gerais. Quando examinamos com mais pormenor e rigor de que modo se entende uma doutrina determinista e dentro de um contexto bem especificado, concluímos que é pouco razoável falar, sem mais, de determinismo e de anti-determinismo universais e, naturalmente, de “determinismo geral”. Muitas das doutrinas qualificadas de deterministas são o resultado de transferir para “a realidade”(ou “a natureza”) o modo como se entendeu a estrutura da mecânica clássica. [Ferrater]
(in. Determinism; fr. Déterminisme; al. Determinismus; it. Determinismo).
Esse termo relativamente recente (Kant é um dos primeiros a empregá-lo em Religion, I, Obs. ger., nota) compreende dois significados: 1) ação condicionante ou necessitante de uma causa ou de um grupo de causas; 2) a doutrina que reconhece a universalidade do princípio causal e portanto admite também a determinação necessária das ações humanas a partir de seus motivos. No primeiro sentido, fala-se, p. ex., de “determinismo das leis”, “determinismos sociais”, etc, para indicar conexões de natureza causal ou condicional. No segundo sentido, fala-se da disputa entre determinismo e indeterminismo, entre quem admite e quem nega a necessitação causal no mundo em geral e, em particular, no homem. O estudo dos problemas referentes ao 1) significado de determinismo deve ser visto nos verbetes causa, condição e necessidade. No 2) sentido, a palavra determinismo foi utilizada para designar o reconhecimento e o alcance universal da necessidade causal, que constitui uma ordem racional, mas não finalista, e portanto não se presta a ser designada pelo velho nome de destino. O determinismo vincula-se, por isso, ao mècanicismo, que é a tendência dominante da ciência do séc. XIX, assim como da filosofia correspondente a essa fase da ciência. determinismo é a crença na extensão universal do mecanicismo, ou seja, na extensão do mecanicismo ao homem. Como Kant já viu (na nota citada), o determinismo autêntico é na verdade um predeterminismo, a crença de que o motivo determinante da ação humana está no momento precedente, de tal modo que não está em poder do homem no momento em que se efetua. O determinismo, enquanto mècanicismo, é na realidade predeterminação da ação em seus antecedentes.
A partir da segunda metade do séc. XVIII, a polêmica entre determinismo e indeterminismo deu-se entre os filósofos da ciência, por um lado, e os filósofos da consciência, por outro, parecendo que a ciência não podia deixar de reconhecer a validade do princípio de causa (v. causalidade) e que, por outro lado, a consciência era testemunho irrefutável da liberdade do homem (v. indeterminismo). Uma das primeiras dissertações de Kant, Novos esclarecimentos sobre os primeiros princípios do conhecimento metafísico (1755), destinada a defender a dimensão universal do princípio de causalidade, pode ser considerada uma das primeiras defesas do determinismo (cf. especialmente Prop. IX, Confutatio dubiorum). Mas talvez muito mais eficaz tenha sido a defesa feita por Priestley no segundo volume de suas Inquirições sobre a matéria e sobre o espírito (1777), intitulado Doutrina da necessidade filosófica. Nessa obra, Priestley afirmava claramente que os motivos influenciam a vontade com a mesma certeza e necessidade com que a força da gravidade age sobre uma pedra, e que, embora o homem frequentemente se censure por não ter agido de outro modo, o exame de sua conduta demonstra que isso era impossível e que ele só poderia ter agido daquele modo (The Doctrine of Philosophical Necessity, 2a ed., 1782, pp. 37, 90 ss.). Essas são teses repetidas com frequência na filosofia positivista do séc. XIX. O determinismo científico foi formulado de modo clássico por Claude Bernard, em sua Introdução ao estudo da medicina experimental (1865). “O princípio absoluto das ciências experimentais”, dizia ele, “é um determinismo necessário e consiste nas condições dos fenômenos. Se um fenômeno natural qualquer é dado, um experimentador nunca poderá admitir que houve uma variação na expressão do fenômeno sem que, ao mesmo tempo, tenham sobrevindo condições novas em sua manifestação. Além disso, ele tem certeza apriori de que essas variações são determinadas por relações rigorosas e matemáticas. A experiência mostra-nos apenas a forma dos fenômenos, mas a relação de um fenômeno com uma causa determinada é necessária e independente da experiência, é forçosamente matemática e absoluta. Nós chegamos assim a ver que o princípio do criterium das ciências experimentais no fundo é idêntico ao das ciências matemáticas porque, de um lado e de outro, esse princípio é expresso por uma relação de causalidade necessária e absoluta” (Introduction à l’étude de la médecine expérimentale, I, 2, 7). Explicitamente, Bernard estendia esse princípio também aos seres vivos (Ibid., II, 1, 5), e as próprias palavras com que se exprimia mostram, de um lado, o caráter de axioma racional (mais que de exigência empírica) que ele via no princípio do “determinismo absoluto”, e, de outro lado, o rigor com que esse princípio era aplicado ao campo da pesquisa experimental. Entretanto, foram precisamente os progressos experimentais da ciência — em particular os da ciência experimental mais adiantada e amadurecida, a física — que levaram a abandonar aquilo que Claude Bernard chamava de “princípio do criterium experimental”. Primeiro a teoria da relativa-de e depois a mecânica quântica puseram em crise a noção de causalidade necessária e, por conseguinte, a de “determinismo absoluto”. Em 1930, Heisenberg, descobridor do princípio de in-determinação e um dos fundadores da moderna física quântica, escrevia: “O conceito de universo que deriva da experiência quotidiana foi abandonado pela primeira vez na teoria da relatividade de Einstein. Por ela, vê-se que os conceitos usuais só podem ser aplicados a acontecimentos nos quais a velocidade de propagação da luz pode ser considerada praticamente infinita… As experiências com o mundo atômico obrigam-nos a uma renúncia ainda mais profunda dos conceitos até agora habituais. Com efeito, nossa descrição usual da natureza e, em especial, a ideia de causalidade rigorosa nos eventos da natureza repousam na admissão de que é possível observar um fenômeno sem influenciá-lo de modo perceptível… Na física atômica, porém, a cada observação geralmente está ligada uma perturbação finita e até certo ponto incontrolável, o que era de se esperar desde o princípio na física das menores unidades existentes. Como, por outro lado, toda descrição espácio-temporal de um evento físico está ligada à observação do evento, segue-se que a descrição espácio-temporal dos eventos e a lei causal clássica representam dois aspectos causais que se excluem mutuamente nos acontecimentos físicos” (Diephysikalischen Prinzipien der Quantentheorie, 1930, IV, § 3). Quase ao mesmo tempo, Max Planck, descobridor do quantum de ação, escrevia que, para poder salvar a hipótese do determinismo rigoroso, era necessário pensar num Espírito Ideal, capaz de abranger todos os processos físicos que se desenvolvem simultaneamente e, portanto, de predizer com certeza e em todos os detalhes qualquer processo físico. Naturalmente, do ponto de vista de um espírito desses, o princípio de indeterminação, do fato de o homem precisar intervir nos processos naturais para poder observá-los, não valeria, visto ser ele, por hipótese, independente da natureza (Der Kausalbegriff in der Physik, 1932, pp. 24-25). Mas essa hipótese, como é óbvio, não tem nenhum fundamento científico ou filosófico. De Broglie, outro protagonista da física contemporânea, afirmava que os argumentos de Von Neumann (v. causalidade) provaram que: “As leis de probabilidade enunciadas pela mecânica ondulatória e quântica sobre os fenômenos elementares, leis bem provadas pela experiência, não têm a forma que deveriam ter se fossem devidas à nossa ignorância dos valores exatos de certas variáveis ocultas. O único caminho que ainda estava aberto ao restabelecimento do determinismo em escala atômica parece, portanto, fechar-se diante de nós” (Physique et Microphysique, X; trad. it., p. 209).
Desse modo, o abandono da causalidade necessária e da doutrina do determinismo absoluto, que transformara a causalidade necessária em princípio universal do conhecimento científico, parece sancionado pelas maiores autoridades científicas do nosso tempo. Todavia, esse abandono não é, automaticamente, a aceitação do indeterminismo, ou seja, do reconhecimento do acaso e do arbítrio absoluto nos fenômenos naturais. Assim como o abandono da noção de causa coincide com o uso cada vez mais amplo e consciente da noção de condição, também o abandono da noção de determinismo absoluto, paralela à primeira, coincide com a aceitação de uma forma de determinismo que se vai esclarecendo paralelamente ao esclarecimento do conceito de condição. Ao declarar inutilizável o conceito de causa, a física contemporânea insistiu na possibilidade de previsão provável; e ao declarar, por isso mesmo, a queda do determinismo absoluto, tende a adotar um determinismo restrito ou, como diz o próprio De Broglie, “fraco” ou “imperfeito”, fundado no reconhecimento de que “nem todas as possibilidades são igualmente prováveis” e de que “todo estado de um sistema microscópico comporta certas tendências que se expressam pelas diferentes probabilidades das diversas possibilidades nele contidas” (Ibid., p. 212). Em sentido análogo, no domínio das ciências sociais, Gurvitch falou do determinismo como de uma simples “contingência coerente” ou “coerência contingente”, que nunca é unívoca, mas sempre se caracteriza por constituir uma situação intermediária entre os opostos do contínuo e do descontínuo, do quantitativo e do qualitativo, do heterogêneo e do homogêneo, etc. (Déterminismes sociaux, 1955, pp. 28 ss.). Portanto, a palavra determinismo não foi abandonada, mas sofreu uma transformação radical na linguagem científica e filosófica contemporânea. Não designa mais o ideal de causalidade necessária e de previsão infalível, mas o método de conexão condicional e de previsão provável. [Abbagnano]