VIDE beleza
(gr. to kalon; lat. pulchrum; in. Beautiful; fr. Beau; al. Schön; it. Bello).
A noção de belo coincide com a noção de objeto estético só a partir do séc. XVIII (v. Estética); antes da descoberta da noção de gosto, o belo não era mencionado entre os objetos produzíveis e, por isso, a noção correspondente não se incluía naquilo que os antigos chamavam de poética, isto é, ciência ou arte da produção. Podem ser distinguidos cinco conceitos fundamentais de belo, defendidos e ilustrados tanto dentro quanto fora da estética: 1) o belo como manifestação do bem; 2) o belo como manifestação do verdadeiro; 3) o belo como simetria; 4) o belo como perfeição sensível; 5) o belo como perfeição expressiva.
1) O belo como manifestação do bem é a teoria platônica do belo. Segundo Platão, só à beleza, entre todas as substâncias perfeitas, “coube o privilégio de ser a mais evidente e a mais amável” (Fed., 250 e). Por isso, na beleza e no amor que ela suscita, o homem encontra o ponto de partida para a recordação ou a contemplação das substâncias ideais (ibid., 251 a). A repetição dessa doutrina do belo no neoplatonismo assume caráter teológico ou místico porque o bem ou as essências ideais de que falava Platão são hipostasiadas e unificadas por Plotino no Uno, isto é, em Deus; o Uno e Deus são definidos como “o Bem”. “É o Bem”, diz Plotino, “que dá beleza a todas as coisas”, de modo que o belo, em sua pureza, é o próprio bem e todas as outras belezas são adquiridas, mescladas e não primitivas: porque vêm dele (Enn., 1, 6, 7). Essa forma mística ou teológica nem sempre reveste a doutrina do belo como manifestação do bem, mas é óbvio que semelhante doutrina é explícita ou implicitamente pressuposta cada vez que se propõe a função da arte no aperfeiçoamento moral.
2) A doutrina do belo como manifestação da verdade é própria do Romantismo. “O belo”, dizia Hegel, “define-se como a aparição sensível da Ideia.” Isso significa que beleza e verdade são a mesma coisa e que se distinguem só porque, enquanto na verdade a Ideia tem manifestação objetiva e universal, no belo ela tem manifestação sensível (Vorlesungen über die Ästhetik, ed. Glockner, I, p. 160). Raramente, fora de Hegel, esse ponto de vista foi apresentado com tanta decisão, mas reaparece em quase todas as formas da estética romântica, constituindo, indubitavelmente, uma definição típica do belo.
3) A doutrina do belo como simetria foi apresentada pela primeira vez por Aristóteles: o belo é constituído pela ordem, pela simetria e por uma grandeza capaz de ser abarcada, em seu conjunto, por um só olhar (Poet, 7, 1.450 b 35 ss.). Essa doutrina foi aceita pelos estoicos, citados por Cícero: “Assim como no corpo existe uma harmonia de feições bem proporcionadas, unida a um belo colorido, que se chama beleza, também para a alma a uniformidade e a coerência das opiniões e dos juízos, unida a certa firmeza e imutabilidade, que é consequência da virtude ou contém a própria essência da virtude, chama-se beleza” (Tusc., IV, 13, 31). Essa doutrina fixou-se por longo tempo na tradição. Foi adotada pelos escolásticos (p. ex., Tomás de Aquino, S. Th., I, q. 39, aa. 8) e por muitos escritores e artistas do Renascimento, quando quiseram ilustrar o que procuravam fazer com a sua arte: p. ex., Leonardo em Trattato della pittura.
4) É com a doutrina do belo como perfeição sensível que renasce a estética. “Perfeição sensível” significa, por um lado, “representação sensível perfeita” e, por outro, “prazer que acompanha a atividade sensível”. No primeiro sentido, é concebida principalmente pelos analistas alemães e, em particular, por Baumgarten (Aesthetica, 1750, §§ 14-18). No segundo sentido, foi utilizada sobretudo pelos analistas ingleses, em primeiro lugar por Hume (Essay Moral and Political, 1741) e por Burke (A Philosophical Inquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful, 1756), preocupados ambos em determinar os caracteres que fazem do prazer sensível aquilo que se costuma chamar de “beleza”. Kant unificou essas duas definições complementares de belo e insistiu naquilo que até hoje é considerado seu caráter fundamental, isto é, o desinteresse. Consequentemente, definia o belo como “o que agrada universalmente e sem conceitos” (Crít. do Juízo, § 6) e insistia na independência entre prazer do belo e qualquer interesse, tanto sensível quanto racional. “Cada um chama de agradável o que o satisfaz; de Belo, o que lhe agrada; de bom o que aprecia ou aprova, aquilo a que confere um valor objetivo. O prazer também vale para os animais , irracionais; a beleza, só para os homens, em sua qualidade de seres animais mas racionais, e não só por serem racionais, mas por serem, ao mesmo tempo, animais. O bom tem valor para todo ser racional em geral” (Crít. do juizo, § 5). Kant distinguiu além disso o belo livre (pulchritudo vaga) e o belo aderente (pulchritudo adhaerens). O primeiro não pressupõe um conceito daquilo que o objeto deve ser; p. ex., as flores são belezas naturais livres. O segundo pressupõe esse conceito; p. ex., a beleza de um cavalo, de uma igreja, etc. pressupõe o conceito da finalidade a que tais objetos são destinados (ibid., §16).
Com a doutrina de Kant, o conceito de belo foi reconhecido numa esfera específica, tornou-se um valor, ou melhor, uma classe de valores, fundamental. Juntamente com o Verdadeiro e com o Bem, entrou na constituição de uma nova espécie de trindade ideal, correspondente às três formas de atividade reconhecidas como próprias do homem.- intelecto, sentimento e vontade. Embora essa tripartição tenha sido considerada durante muito tempo como um dado de fato originário, testemunhado pela “consciência” ou pela “experiência interior”, na realidade é uma noção historicamente derivada, que, na segunda metade do séc. XVIII, nasceu da inserção da “faculdade do sentimento” entre as outras faculdades (reconhecidas desde o tempo de Aristóteles): a teorética e a prática (v. gosto; sentimento).
5) Como perfeição expressiva ou completude da expressão, o belo é, implícita ou explicitamente, definido por todas as teorias que consideram a arte como expressão (v. estética, 3). Croce disse: “Parece-nos lícito e oportuno definir a beleza como expressão bem-sucedida, ou melhor, como expressão pura e simples, pois a expressão, quando não é bem-sucedida, não è expressão” (Estética, 4a ed., 1912, p. 92). E, conquanto, na obra de Croce, a teoria da arte como expressão se combine ou se confunda com a de arte como conhecimento, a definição de beleza dada por Croce pode ser adotada em qualquer teoria da arte como expressão. [Abbagnano]
O que agrada universalmente. — O conceito do belo, como os do verdadeiro e bom são valores fundamentais, que não podem ser reduzidos um ao outro, nem a um terceiro. O belo é concernente ao sentimento, da mesma maneira como o verdadeiro o é ao intelecto, e o bom à vontade. Não é possível dar uma definição material do belo. Quais são os objetos que chamamos belos e quais as qualidades que constituem a beleza como tal, são precisamente o objeto da Estética, e é respondida pelas diferentes teorias de maneira bem diversa. Todas essas teorias se movem entre dois aspectos extremos, em que um considera, em primeiro lugar, o elemento da forma e o caráter de universalidade do belo, e o outro toma o fator emocional e a subjetividade como distintivos essenciais daqueles. É preciso distinguir, também, entre a beleza livre, como a encontramos na natureza, e a beleza artificial. A respeito desta última distinção, que marca as posições do naturalismo e do idealismo estéticos, foi dito em defesa da beleza livre que só o que é verdadeiro pode ser belo. A tal responderam os idealistas que tudo o que é belo também é verdadeiro (também não encontrado como existente na natureza).
Essa objeção dos naturalistas toma aqui o conceito do verdadeiro no sentido superficial da existência real, e tira proveito da ambiguidade desse termo. Mas o belo e o verdadeiro (em sentido metafísico), e ainda o bem foram considerados como intimamente ligados, e isto principalmente devido à simbiose prática daqueles valores na vida dos gregos, resultando daí teorias, que formularam uma definição do belo como sendo o brilho da verdade. Aristóteles alega como característicos principais do belo: a ordem, a simetria e limitação definida, e tenta colocá-lo perto da matemática. Mais feliz, comparativamente, parece a classificação do belo dada por Platão, que distingue um tipo energético (osys), e um tipo calmo e bem organizado (khosmos), a expressão masculina e feminina respectivamente. Cícero distingue, no mesmo sentido, a «dignitas» e a «venustas», como as duas classes da «pulchritudo» (beleza).
Um grande passo no sentido de estabelecer o belo como um valor próprio e independente foi dado por Plotino, que marca a diferença entre o bem e o belo pela observação de que aquele provoca o desejo de possuí-lo, e de fazê-lo como realidade, ao passo que o belo não pertence, nem pode pertencer a ninguém, senão a si mesmo, o qual provoca a satisfação subjetiva pela sua mera aparência. O belo também tem que ser distinguido do «agradável», que, por sua parte, também pode provocar uma satisfação subjetiva, mas por razões acidentais, e não é considerado como uma qualidade objetiva inerente a um objeto, como o belo. Se o belo é uma qualidade objetiva, também tem que ser universalmente reconhecida como tal, quer dizer: o que eu chamo belo, é belo para todos. Kant define, portanto, o belo como o objeto de uma satisfação desinteressada e universalmente possível.
Mas todas estas distinções ainda não dizem o que é o belo intrinsecamente. O que provoca, primitivamente, essa satisfação estética é «a finalidade sem fim», que Kant dá como o último caráter do belo: «a forma de finalidade de um objeto, enquanto Bem é ela percebida sem representação do fim».
Enquanto Kant examinou o juízo estético em si, outros trataram de investigar a fundamentação psicológica ou fisiológica do sentimento estético em geral. Hutcheson (1725) faz da percepção da unidade na variedade a raiz da emoção estética. Também o associacionismo, no fundo, afirma uma conexão unificadora de uma variedade de experiências. (Vide associacionismo). Schopenhauer define a beleza como uma «objetivação da vontade, considerada não como um elemento particular, mas como representando uma ideia»; Hegel diz ser «o ideal como se mostra à sensibilidade:». Em oposição ao idealismo (filosófico), Herbart salienta que não é o conteúdo, mas a maneira «como» é o objeto da estética. Santayana (1896) distingue a beleza do material, a beleza da forma e a beleza da expressão. Interpretações biológicas do belo encontramos em Spencer e Allen: o belo é o que proporciona um máximo de estimulação com um mínimo de cansaço e desgosto. A cor é bonita porque os nossos frugívoros ancestrais viveram de frutas brilhantes, e assim aprenderam a ser atraídos pelas cores.
Darwin trata do sentimento do belo em conexão com a seleção sexual. Longe destas explicações naturalistas são outras, como a de E. von Hartmann, que pergunta qual é, finalmente, o objeto ao qual atribuímos o belo. E responde que não é nem o objeto no sentido ordinário, nem o sentimento subjetivo, mas algo que fica no meio, entre estes dois,
o que ele chama a aparência estética (der ästhetische Schein). Konrad Lange desenvolve essa teoria e forma o conceito da «consciente auto-ilusão». A teoria da forma significativa de Clive Bell vê, igualmente, o objeto da experiência estética em algo que difere das coisas naturais com as suas finalidades de vida em formas que têm os seus fins em si mesmos, longe de toda utilidade prática. O culto do belo, portanto, de um ponto de vista estritamente evolucionista, é um extravio. Falando biologicamente, disse Roger Fry, «a arte é blasfêmia. Deus nos deu os olhos para ver as coisas, não para contemplá-las». [MFSDIC]
No diálogo HÍPIAS O MAIOR, Platão formulou muitas das questões que depois se levantaram, em estética e filosofia geral, acerca da natureza do belo e da beleza. Ao contrário de Hípias, para o qual o belo é, em suma, o nome comum dado a todas as coisas belas (o ouro, o útil, o grato, etc), Platão defende que o belo é aquilo que faz que haja coisas belas. O belo é, pois, para Platão, independente, em princípio, da aparência do belo: é uma ideia análoga às ideias de ser, de verdade e de bondade. Ao dizer “análoga”, quer-se destacar que não pode simplesmente confundir-se a verdade com a beleza. Platão adverte que dizer de algo que existe e que é verdadeiro equivale a afirmar, no fundo, a mesma coisa. Em contrapartida, não é exatamente a mesma coisa dizer de algo que existe e que é belo. Por isso a ideia de beleza possui, a partir de Platão, certas propriedades que outros transcendentais não possuem; como indica Platão no FEDRO, enquanto na terra não há imagens visíveis da Sabedoria há, em contrapartida, imagens visíveis da beleza. Quer dizer que a participação das coisas terrestres no ser verdadeiro está duplamente afastada deste, enquanto a participação das mesmas coisas no belo em si é direta. A verdade não reluz nas coisas terrestres, enquanto a beleza brilha nelas. Isto não significa que a contemplação da Beleza seja uma operação sensível. No FILEBO, Platão chega à conclusão de que aquilo que chamamos beleza sensível deve consistir em pura forma; linhas, pontos, medida, simetria e até “cores puras” são os elementos com que é feito o belo que contemplamos. Acrescenta-se a isso, conforme aponta nas LEIS, a harmonia e o ritmo no que diz respeito à música, e às boas acções, no que diz respeito à vida social. Além disso, embora haja sempre a mencionada diferença entre o ser verdadeiro e o ser belo, não se pode negar que o segundo conduz ao primeiro: a célebre “escada da beleza” de que fala Platão no BANQUETE, é a expressão metafórica (ou mítica) desta concepção do belo que o converte “no acesso ao ser”. Depois de Platão foi tão considerável o número de definições que se deram do belo que se torna necessário proceder a uma classificação das mesmas; escolheu-se, entre muitos outros, o método que classifica as opiniões sobre o belo segundo o predomínio de uma disciplina filosófica ou, melhor dizendo, de uma determinada linguagem. Consideramos que há vários modos de falar do belo, os quais não são independentes uns dos outros, pois costumam combinar-se, mas as definições mais habituais são determinadas em grande parte pelo predomínio de um deles:
I. O PONTO DE VISTA SEMÂNTICO: consiste em averiguar quais as expressões sinónimas de “x é belo”. Das inúmeras sinonímias que se podem estabelecer (“x é desejável”, “x é desejado”, “x é perfeito”, etc), cabe destacar “x é grato”, pois envolve a discussão entre as duas grandes posições: a que defende que os juízos de beleza são subjectivos e a que afirma que são objetivos.
II. O PONTO DE VISTA PSICOLÓGICO: consiste em examinar o problema da natureza do belo de acordo com a análise dos processos psicológicos por meio dos quais formulamos juízos estéticos.
Quando se entende o psicológico em sentido colectivo, o modo de falar psicológico pode converter-se em modo de falar social: a natureza do belo depende então do que se entenda por essa sociedade.
III. O PONTO DE VISTA METAFÍSICO: ao expor a posição de Platão, apresentámos as teses centrais do principal representante deste “modo de falar”. O que lhe é peculiar é que tenta reduzir todas as questões relativas ao belo a questões acerca da natureza última da beleza em si.
IV. O PONTO DE VISTA ÉTICO: este modo é pouco frequente nas teorias filosóficas, mas não é totalmente inexistente. Aparece a partir do momento em que se supõe que algo se pode qualificar de belo só enquanto oferece analogias com uma acção moral.
V. O PONTO DE VISTA AXIOLÓGICO: muito amiúde, o pensamento contemporâneo apelou para o falar axiológico. Este funda-se nas teorias dos valores a que nos referimos no artigo valor. Segundo o mesmo, a beleza não é uma propriedade das coisas ou uma realidade em si mesma, mas um valor. não é uma entidade real, ideal ou metafísica, porque essas entidades são, enquanto o belo não é, mas vale. Ora, dentro do modo de falar axiológico, há diversas teorias possíveis; as mais conhecidas são as teorias subjectivistas e objetivistas. Quando se leva a primeira a um extremo, desemboca-se num puro relativismo, quando se faz o mesmo com a segunda, chega-se a um completo absolutismo. Por isso se viu a necessidade de procurar posições intermédias. [Ferrater]