apeiron

ápeiron: não limitado, indefinido

1. A arche de todas as coisas era, de acordo com Anaximandro, o apeiron, o não limitado. O termo é susceptível de várias interpretações que dependem de como se entende o limite (peras) que está a ser negado na palavra composta. Aristóteles inclui na sua Física, numa extensa discussão, os vários significados da palavra (202b-208a), alguns dos quais, a infinidade espacial, podem ser rejeitados como sendo anacrônicos em relação ao pensamento de Anaximandro. O que está incluído na sua ideia, de apeiron é a duração no tempo (ver Diels, frg. B3 e aidios, aphthartos), um fornecimento infinito de substância básica «para que a geração (gênesis) e a destruição (phthora) não faltem» (Aristóteles, Physica III, 203b), e finalmerfte a indeterminação, i. e., a ausência de limites internos dentro dos quais os simples corpos físicos, o ar e a água, ainda não estivessem distintos entre si (Diels, frg. cit., Aristóteles, Physica I, 187a). É também possível que Anaximandro visualizasse esta enorme massa de matéria que rodeia o nosso kosmos (Aristóteles, ibid. 203b) como uma esfera, e assim também nesse sentido sem limite, i. e., começo ou fim.

2. A história subsequente do conceito, como Anaximandro o compreendeu, reside no sentido de um interesse pela natureza exacta daquilo que está fora da esfera mais afastada do ouranos, que marca o limite do nosso universo (ver kenon). Com os pitagóricos novas considerações conduzem a outros aspectos do apeiron; limitado e ilimitado encontram-se à cabeça da Tábua Pitagórica dos Opostos citada por Aristóteles, Metafísica 986a. Esite já não é o apeiron de Anaximandro, mas é ou o limite espacial (ou a sua ausência) inerente à aproximação geométrica pitagórica do número e dos corpos (ver arithmos), ou então um conceito musical onde o limite (peras) é pensado como sendo a imposição de certa medida finita (em termos de música, harmonia; em termos de matemática, proporção ou logos) sobre um infinito contínuo em cada extremidade. Este tipo de infinidade dual é a razão, assim conjectura Aristóteles na Physica III, 206b, pela qual o apeiron passou à noção de «díade indefinida» (ver dyas). O segundo dos dois pontos de vista é provavelmente o que permite o uso que Platão faz de peras e apeiron como princípios do ser no Phil. 23c-25b (o primeiro uso, ibid. 15d-17a, parece referir-se a uma simples multiplicidade indefinida de particulares).

3. A proeminência do apeiron no Filebo garantiu o seu uso continuado como um princípio metafísico na subsequente tradição platônica, mas com ênfases algo diferentes. Para Platão peras e apeiron aparecem como princípios de maneira muito semelhante àquela em que a chora do Timeu aparece lado a lado com os eide. De fato, Aristóteles viu quer o apeiron quer a chora como os equivalentes platônicos do seu princípio do ser, hyle (ver dyas em Physica IV, 209b). Plotino aceitou a identificação do apeiron como um princípio material, mas o seu monismo mais rigoroso levou-o a subordiná-lo ao Uno como uma espécie de «momento» evolutivo quando, como «Alteridade», ele sai do Uno e fica sem definição (aoristos) até se voltar e contemplar o Uno (Eneadas II, 4, 5; ver hyle e confrontar a tríade de «momentos» de Proclo em Elem. theol., prop. 35: imanência, processão (proodos), e conversão (epistrophe); ver trias 3.

4. Outro fator no interesse continuado pelo apeiron como um princípio ontológico foi a sua inclusão, através da sua identificação com o princípio material, na problemática do mal; ver kakon. [FEPeters]


O infinito ou o indeterminado: segundo Anaximandro de Mileto, o princípio e o elemento primordial das coisas. Não é uma mistura dos vários elementos corpóreos, em que estes estejam compreendidos cada um com as suas qualidades determinadas, mas é matéria em que os elementos ainda não estão distintos e que, por isso, além de infinita, é também indefinida e indeterminada (Diels, A, 9). Essa determinação dupla de infinitude no sentido de inexauribilidade e de indeterminação permaneceu por muito tempo ligada ao conceito de infinito. [Abbagnano]


Termo grego que, etimologicamente, quer dizer o que não tem limite (peras). Na filosofia de Anaximandro, é o indeterminado, o indefinitivo. O princípio de todas as coisas é um ser indeterminado, ilimitado, do qual todas as coisas surgem, ápeiron. Usado, também, pelos pitagóricos, no sentido do ilimitado, do que se opõe ao Limite (peras), sendo este, propriamente o número. [MSGA41IC]


18. SOBRE A TRADUÇÃO DE ÁPEIRON POR «INDIFERENCIADO»

Cremos que nem tão grande tenha sido a alteração semântica da palavra que invalide a interpretação de Cleve (The Giants of pre-sophistic Greek Philosophy, II, 352-353) da mesma palavra no frg. 28 de Empédocles: «The only meaningful interpretation of pampan apeíron is here ‘completely without limitations, withouth any borders’ — inside the Sphairos: if that bali were stratified into land, sea, air, and sky, then it have borders, within itsefl. But this sphere is completely without borders, without peírata, which is to say, it is completely homogeneous. The elements are so equally and intimately mixed that inside de bali there is no border possible between one body and another body. The meaning, therefore, is not: the Sphairos extends into infinity, but: the Sphairos has no interior articulation» (p. 353). [Eudoro de Sousa. Horizonte e Complementaridade. Sempre o mesmo acerca do mesmo. Lisboa, INCM, 2002, p. 267-268]