agathon

agathón: o que é bem, o bem, um princípio supremo, summum bonum

1. Platão, manifestando talvez a sua herança socrática, dá a uma das eide éticas posição central na sua hierarquia: na República (ver 504e-509e) a forma do Bem situa-se no centro do Estado platônico e o principal dever do filósofo é contemplá-la, ibid. 540a (para os problemas emergentes da sua transcendência neste escalão, ver hyperousia). Além disso, é o termo do processo da dialéctica (dialektike). O fato de Platão se voltar para as condições do kosmos aisthetos nos últimos diálogos reflete-se nas suas meditações gerais sobre o Bem no Filebo; aí se examinam as pretensões opostas do prazer (hedone) e da sabedoria (phronesis) quanto a serem o bem supremo, e a conclusão inclina-se para um exame da «vida mista» (ver hedone) e o resultado misto da operação de noûs e ananke no Timeu), que se verifica combinar prazer e sabedoria (59e-64a). Notável aqui é não apenas a combinação de eide? nesta vida, mas a presença da medida e da proporção (64a-66a) e, mais importante para o crescente teísmo de Platão, a emergência progressiva de uma transcendente e inteligente causa do bem no universo (ver ibid. 26e-31b e theos, noûs).

2. Aristóteles critica a teoria platônica do Bem (ver Ethica Nichomacos I, 1096a-1097), mas o que entende por isso é nitidamente a teoria eidos-agathon da República (ver ibid. 1095a e Eth. Eud. I, 1217b). Contudo, aceita (Ethica Nichomacos X, 1094a) uma definição platônica de bem como «aquilo para que todas as coisas tendem»; para Aristóteles isto é a felicidade (eudaimonia) (ibid. I, 1097a-b), definida como atividade (praxis) de acordo com a virtude (arete), ibid. I, 1100b; e a mais alta virtude é a theoria, i.e., a contemplação pela contemplação, ibid. X, 1177a-b (para o tipo mais elevado de theoria e, daí, o Bem Cósmico, cf. telos). Os epicuristas voltam à posição rejeitada por Sócrates (Górg. 495c-499b), Platão (Phil. 55b-c) e Aristóteles (Ethica Nichomacos VII, 1153b-1154a), afirmando que o prazer (hedone) é o bem supremo (D. L., X, 129). Na Stoa o bem era identificado com o útil (D. L., VII, 9 e 101-103).

3. A «teologia» plotiniana do Bem pode encontrar-se nas Eneadas VI 15-42, incluindo uma descrição da hierarquia de bens conducentes ao Princípio Supremo; o Uno (hen), que ele identifica com o Bem, é a unificação final das tensões socráticas e parmenídeas na tradição platônica. [FEPeters]


Neutro substantivado do adjetivo agathós: bom. No superlativo, tò áriston (vide ariston): o Soberano Bem, sumo bem, supremo bem. Latim: summum bonum.

Na filosofia grega, o Bem é o objetivo que se oferece à vida de todo homem. E ele a fonte da felicidade (eudaimonia), busca incessante da alma. Mas só o sábio pode atingir o Bem, pois só ele sabe usar convenientemente a razão. No entanto, nenhum filósofo (o que justifica o sentido dessa palavra: “aquele que ama a sabedoria”, mas a busca sem a encontrar) parece ter chegado ao objetivo de sua busca, pois estão todos em desacordo quanto à natureza do Bem. Daí provém a riqueza da filosofia grega sobre esse tema. Escreve Aristóteles para resumir a opinião geral: “A ciência superior a todas as outras, aquela à qual elas estão subordinadas, é a ciência que conhece a finalidade para a qual se dá toda e qualquer atividade, que em cada ser é o seu bem, e, para todos, o Soberano Bem (to ariston) na natureza universal” (Met.,A,2, 982b).

A busca da natureza do bem é relativamente tardia. Os primeiros pensadores preocupam-se com a natureza e a origem do mundo: pan, holon. É Pitágoras que põe o Bem no ápice da hierarquia dos seres, identificando-o com Deus, com o Espírito e com a Mônada geradora dos seres (Aécio, I,VII, 18). Assim se estabelece uma tradição filosófica que faz do Bem um princípio não moral ou econômico, mas essencialmente metafísico; ele sem dúvida inclui o bem como valor moral, mas também a Beleza, a Verdade e a felicidade; mais exatamente, transcende esses valores secundários e os valoriza: é o valor absoluto e originário.

Arquitas adotou uma atitude mais modesta e popular em seu livro Tratado do homem bom e feliz, abundantemente citado por Estobeu. Para Euclides de Mégara, aluno de Parmênides e de Sócrates,”o Bem é o Ser que é uno” (Cícero, Acad. Post., II, 42); Diógenes Laércio oferece outra fórmula: “O Bem é o uno, embora seja também chamado por outros nomes: pensamento, Deus, Espírito” (II, 106).

Para Platão, “a Essência do Bem é o objeto da ciência mais elevada” (Rep., VI, 505a). O Bem, de fato,”é causa daquilo que existe de justo e belo” (Rep., VII, 517c); no mundo sensível, “ele criou a luz e o senhor da luz”, ou seja, o sol; e, no mundo inteligível, “é ele que preside a verdade e a inteligência” (Rep., VI, 508c-509a). Ele é “absolutamente perfeito (teleotaton) e sobrepuja todos os seres” (Filebo, 20d).”Está muito além da Essência em sua majestade e seu poder” (Rep., VI, 509b). Desse modo, é inefável (Rep., VI, 505a-506b); não é possível conceituá-lo: é preciso atingir o termo de uma ascensão (anabasis) do espírito (Rep., VII, 519c-d). No homem, “é em vista do Bem que se fazem todas as ações” (Górgias, 468b), e sem ele tudo o que possuímos é inútil (Rep., VI, 505a).

Em Aristóteles, o Bem identifica-se com o Primeiro Motor (Met., K, 1), com o Ser necessário, com o Princípio, com o Pensamento autônomo, com o Ato subsistente que é Deus (ibid., A, 7). Para o homem, o objeto primeiro da vontade racional é o Bem (ibid.). De tal modo que todas as artes e todas as ciências são dirigidas para o Bem (Et. Nic, I, I, 1); e o Soberano Bem (ariston) é o fim último tanto do indivíduo quanto do Estado (ibid., I, II, 1-7). Portanto, ele adota numerosos aspectos. “Comporta tantas categorias quanto o Ser: como substância, o Soberano Bem chama-se Deus e Espírito; como qualidade, virtudes; como quantidade, justa medida” etc. (ibid., I,VI, 3). Também é a finalidade única e perfeita que, possuída, constitui a felicidade; isso faz que ele deva ser buscado por si mesmo e por nada mais (ibid., I,VII, 3-5). E, com uma inversão dos termos, Aristóteles conclui que o Soberano Bem é a felicidade (eudaimonia); e especifica: “o bem próprio ao homem é a atividade da alma em conformidade com a virtude” (ibid., I, VII, 8-15;VIII, 8). Finalmente, esse Bemfelicidade consiste “em viver em conformidade com a parte mais perfeita de nós mesmos” (ibid., X, VII, 8), que é o princípio divino da razão contemplativa (epistemonikon).

Para Epicuro, o bem é pouco metafísico, pois o bem primeiro e conatural (agathòn prôton kai syngenikón) é o prazer: hedone (D.L., X, 128-129). O Soberano Bem que os estoicos propõem é ainda muito subjetivo. Na verdade, fazem dele um absoluto, preferível a tudo e não comparável a nada (Estobeu, Ed., II, 6). Segundo Diógenes de Babilônia, ele é “o absoluto por natureza: natura absolutum” (Cícero, Defin., III, 10). De fato, visto que é preciso dar um conteúdo a essa definição formal, encontram-se especificações até certo ponto decepcionantes: “Perfeição, segundo a natureza de um homem racional, na qualidade de homem racional” (D.L., VII, 94). “O que é útil” (ibid., Sexto Empírico, Adv. mor., II, 10; Hypot., III, XXII, 169). Ou ainda, segundo Hecatão e Crisipo, a Beleza (D.L.,VII, 100-101; Marco Aurélio, II, 1; Cícero, Tusc, V, VII, 18;XV, 45;XXX, 84). Para Zenão de Cicio, é a virtude (Sexto Empírico, Adv. mor., III, 77; Cícero, De fin., III, 11). Para Herilo de Cartago, o Bem é a ciência (epis-téme) (Clemente de Alexandria, Stromata, II, XXI, 129; Cícero, Defin., III, 9; D.L.VII, 165, etc).

É Plotino quem confere ao Bem a importância metafísica mais considerável, a tal ponto, que ele está presente por toda parte em sua abundante obra. Princípio de todas as coisas, o Bem é idêntico ao Uno (hen), primeira Hipóstase (II, IX, 1). Ao mesmo tempo que é o melhor dos seres (tò áriston tôn ónton) (VI, VII, 23), está além do Ser e do Pensamento (III, IX, 9), e da Beleza suprema (I,VI, 9).Tudo o que dele se pode dizer é que ele é a Vontade (boulesis), pois é sua própria vontade que lhe dá existência (VIVIII, 13) e é o poder de todas as coisas (V, IV, 1). O que ele engendra espontânea e diretamente é o Espírito, segunda hipóstase e seu primeiro ato (I,VIII, 1; II, IX, 1), Imagem do Bem, que pensa o Bem, pois o Bem não pensa (V,VI, 4; VI,VII, 40).Todos os seres participam do Bem (I,VII, 1); todas as coisas recebem dele beleza e luz (VI,VII, 31); ele é o Desiderato para o qual tendem todas as almas (I,VI, 7; V,V, 13; VI,VII, 25) e o quinhão do sábio, a quem ele basta (I, IV, 4).

Proclos, na esteira de Plotino, afirma que “o Bem é o princípio e a causa de todos os seres”, e que, princípio de unidade, é idêntico ao Uno (Teologia, 12-13). Assim também, para Hermes Trismegisto, o Bem e Deus são dois termos intercambiáveis (11,38).

Em Política (I, I, 1), Aristóteles chama o Soberano Bem (da comunidade) de tò kyriótaton, de kyrios: senhor, soberano (na liturgia cristã: Senhor = Deus). [Gobry]