Um – Mônada

O grego “monás” [unidade] é um termo aritmético dos pitagóricos, equivalente à unidade indivisível, e às vezes empregado neste sentido por Platão [Filebo e Fédon], no platonismo antigo [Aristóteles, Metafísica] e no neoplatonismo [Plotino, Enéada VI,9,6, que afirma no entanto que o Uno é mais rico de sentido que a mônada aritmética ou o ponto geométrico]. Na Idade Média, a expressão é frequentemente empregada: assim por Dionísio o Areopagita [Dos Nomes Divinos], Escoto Eriugena, [Da Divisão da Natureza], nos platônicos da Escola de Chartres do século XII, em [Mestre Eckhart, que define Deus como mônada. O Lexicon graece de Goclenius distingue dois sentidos da palavra: um transcendente, convindo a Deus, e outro inferior, para as unidades aritméticas ou lógicas [esta sendo adotada pela lógica moderna]. Em fim, numerosos autores dos séculos XVI e XVII, como Giordano Bruno, “Da Mônada”, o Henry More, significam por este termos uma unidade material, o equivalente de um átomo, sentido que Leibniz e Kant irão se apropriar. [Notions philosophiques]

Hirtenstein

O número Um não é somente o início de uma série de números: pode parecer parte da série [1, 2, 3 etc.], mas é realmente o princípio dos próprios números. Sem o princípio da Unidade, nenhum número poderia existir. Como adultos enumerados, que têm os princípios dos números há muito tempo internalizados, raramente paramos para avaliar o extraordinário processo envolvido nessa compreensão. Será que conseguimos lembrar o que é não ser numeral ou não ser dominado pelo pensamento numérico, como era quando aprendemos a contar, quando crianças? Observa-se com frequência que num estágio pré-numérico as crianças dizem: “um” e outro um e “outro um”. Não entendem o conceito de uma parte de uma série, mas a ideia de unidade parece claramente estabelecida. Uma “coisa” tem definição em termos de visão, tato, gosto e assim por diante, e sua totalidade é imediatamente perceptível.

Contar requer ser capaz de agrupar objetos individuais em uma certa maneira — duas xícaras devem ter certas características em termos de formato, tamanho, cor e função, para que possam ser contadas como duas. Quando usamos números, estamos combinando um termo que é unitário [“xícara”] e um termo numérico [“dois”]. Em algumas culturas centro-africanas, o sistema contável permanece tão simples como “um, dois, dois e um, dois e outros dois, um lote”. Esta base binária rudimentar demonstra que os humanos não precisam de uma infinidade de palavras para os números, muito menos de uma variação infinita para entender e aplicar o princípio de uma série. Em todas as maneiras de contar, entretanto, a Unidade está presente em dois aspectos: como termo unitário e como o princípio ou a essência do termo numérico.

O nosso problema é que nos acostumamos a pensar em “um” apenas como parte da série e, portanto, substancialmente diferente de “dois” ou de “três”. Este tipo de pensamento em série nos leva a concluir que há um abismo real entre todos os números, incluindo o número um. Em termos psicológicos é o que determina o sentimento de isolamento, experimentado por muitos no mundo da multiplicidade. Ibn Arabi, por outro lado, explica que Um não é essencialmente “oposto” a muitos. E o princípio fundamental de sua enumeração. Dentro de cada número o Um como princípio unitário está inerentemente presente. Quando a Unidade aparece como si mesma na série, como número “um”, nega todos os números [um é um, não dois ou três] e aponta somente para a unicidade [esse “um” é absolutamente incomparável]. Será, talvez, isso o que está por trás do desejo de compreender da criança quando ela diz “outro um”?

Os números em si, da sua parte, aparecem como possibilidades singulares ou expressões potencialmente únicas dentro deste Um. Podem ser vistos apenas como a existência do Um num estado particularizado: o Um aparece como dois [um e um] ou três [um e um e um] ou quatro e assim por diante. Cada número é uma configuração única da Unidade, com características especiais que o diferenciam de outros números. E essa especialidade que é a sua raison d’être, incluindo sua posição em relação aos demais, uma vez que este número parece mais importante do que aquele número. Quando o Um aparece como qualquer outro número, três aspectos estão simultaneamente presentes: a existência única desta possibilidade [dois é unicamente dois], seu lugar na hierarquia dos números [dois é menos que quatro] e sua dependência do princípio da Unicidade [dois é um mais um]. [SHCI]

Bennett

Nothomb

Mário Ferreira dos Santos