(lat. Individuatio; in. Individuation; fr. Individuation; al. Individuation; it. Individuazionè).
Problema da constituição da individualidade a partir de uma substância ou natureza comum: p. ex., constituição deste homem ou deste animal a partir da substância “homem” ou substância “animal”. O primeiro a formular esse problema foi Avicena (v. filosofia árabe), por quem foi transmitido à escolástica cristã. O pressuposto de origem é o princípio da necessidade da substância, que Avicena expressa dizendo: “Tudo o que é tem uma substância graças à qual é o que é e graças à qual é a necessidade e o ser daquilo que é” (Lógica, individuação ed. Veneza, 1508, fl. 3) . Com base nesse princípio, “o animal é em si alguma coisa e é a mesma coisa, quer seja percebido, quer seja apreendido pelo intelecto; e em si não é nem universal nem particular” (Ibid., II fl. 12 r.). Mas se é assim, o que o torna individual, o que faz da substância “animal” este ou aquele animal? Segundo Avicena, esse é o problema da individuação. E Avicena encontrava em Aristóteles a resposta ao problema: a individualidade depende da matéria. Aristóteles de fato dissera: “Todas as coisas que são numericamente muitas têm matéria, visto que o conceito dessas coisas, como p. ex. homem, é uno e idêntico para todas, ao passo que Sócrates (que tem matéria) é único” (Met., XII, 8, 1074 a 33). Essa solução é aceita por Avicena (In Met., XI, 1) e, através deste, por Alberto Magno (In Met., III, 3, 10) e por muitos outros escolásticos. Tomás de Aquino apresentou uma variante dessa solução ao afirmar que o princípio de individuação não é a matéria comum (já que todos os homens têm carne e rosto e portanto não se diversificam nisso), mas a matéria signata ou, como ele diz, “a matéria considerada sob determinadas dimensões” (De ente et essentia, 2). Em outros termos, um homem é diferente de outro porque unido a determinado corpo, diferente pelas dimensões, ou seja, por sua situação no espaço e no tempo, dos corpos dos demais homens (S. Th., III, q. 77, a. 2). Esse mesmo tipo de solução é reproduzido na Idade Moderna por Schopenhauer, que, considerando a vontade como a substância única e comum de todos os seres, viu o princípio da individuação no espaço e no tempo: “De fato, por meio do espaço e do tempo, aquilo que é uno na essência e no conceito mostra-se diversificado, como pluralidade justaposta e sucessiva” (Die Welt, I, §23).
Por outro lado, a corrente agostiniana da escolástica foi levada a reconhecer o princípio da individuação na forma das coisas, mais que na matéria. Boaventura julgava que a forma é a essência que restringe e define a matéria em determinado ser, e situava o princípio da individuação na comunicação (communicatio) entre a matéria e a forma, porquanto o indivíduo é um hoc aliquid, em que o hoc é constituído pela matéria e o aliquid pela forma (In Sent., III, d, 10, a 1, q. 3).
Ao mesmo tipo de soluções pertence a interpretação que muitos discípulos de Duns Scot deram à haecceitas [ecceidade] como de uma forma final que completa e integra uma série de formas constitutivas do objeto natural (cf. Herveus Natalis, De pluralitate formaram, 5).
Finalmente, uma terceira solução do problema é autenticamente escotista. Duns Scot nega que a matéria ou a forma possam valer como princípios de individuação. A matéria, que é o sujeito indistinto, não pode ser o princípio da distinção e da diversidade (Op. Ox., II, d. 3, q. 5, n. 1). A forma é a própria substância ou natureza comum, que é antecedente (e indiferente) tanto à universalidade quanto à individualidade. A individualidade consiste numa “última realidade do ente” que determina e restringe a natureza comum à individualidade, ad esse bane rem. Esta última realidade ou, como ele também chama, “entidade positiva” (Ibid., II, d. 3, q. 2) é a determinação última e acabada da matéria, da forma e do composto delas. Desse ponto de vista, o indivíduo não é caracterizado pela simplicidade de sua constituição, mas pela complexidade e riqueza de suas determinações.
Como já dissemos, o problema da individuação nasce do caráter privilegiado atribuído à substância comum, que existiria de qualquer maneira antes e independentemente dos indivíduos. Portanto, desaparece quando se nega o caráter privilegiado da substância comum, o que acontece com o nominalismo empirista da última escolástica. Ockham reconhece na substância comum uma forma do universal e o comprometimento na negação resoluta de toda realidade universal: “Nada que esteja fora da alma, nem por si, nem por algo real ou mental que se lhe acrescente, seja de que forma se considere ou compreenda, é universal, pois é tão grande a impossibilidade de que algo fora da alma seja de qualquer maneira universal (a não ser por convenção arbitrária, do mesmo modo como a palavra ‘homem’, que é particular, se torna universal) quão grande é a impossibilidade de que o homem, por qualquer consideração ou segundo qualquer ser, seja o asno” (In Sent., I, d. 2, q. 7, S-T). Desse ponto de vista o problema da individuação desaparece. Ockham diz ainda: “Deve-se ter em mente, sem sombra de dúvida, que qualquer coisa existente imaginável, por si, sem que nada lhe seja acrescentado, é uma coisa singular e uma coisa de número: pois nada que se imagine é singular devido a alguma coisa que se lhe acrescente, mas a singularidade é uma propriedade que pertence imediatamente a tudo, porque cada coisa é, por si, idêntica ou diferente de outra” (Expositio áurea, liber predicabilium, Proemium). Quando, numa de suas primeiras obras, Leibniz afirmou que “cada indivíduo é individualizado por sua entidade total”, só fazia expressar em termos escotistas a mesma posição de Ockham, como ele mesmo reconhecia. (De principio individui, 1663, § 4), pois a entidade total não passa da coisa existente enquanto tal. A mesma negação implícita do problema da individuação pode ser vista na solução aparente dada por Wolff: “O princípio da individuação é a determinação completa de todas as coisas inerentes a um ente em ato” (Ont., § 229). Por outro lado, Locke dissera: “Do que se disse é fácil descobrir o que é principium individuationis, sobre o qual tanto se indagou; está claro que ele é a própria existência, que determina um ser de qualquer espécie, num tempo particular e num lugar particular, incomunicáveis a dois seres da mesma espécie” (An Essay Concerning Human Understanding, II, 27, 4).
Estas supostas “soluções” na realidade são negações do problema, que desaparece completamente (salvo raras exceções) da filosofia moderna, devido à dissolução do seu pressuposto: a prioridade ontológica da substância comum. [Abbagnano]